O vaivém de decisões judiciais sobre a interdição da Refinaria de Manguinhos (Refit), no Rio de Janeiro, alvo da Polícia Federal (PF) desde a deflagração da Operação Carbono Oculto e responsável pelo abastecimento de 10% do mercado de combustíveis de São Paulo e 20% do Rio de Janeiro, tem causado apreensão às empresas do setor no País.
A Refit está no centro das discussões em torno do impacto da sonegação de impostos no mercado de combustíveis, que, segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública, alcança R$ 62 bilhões de 2022 até agora. A comercialização ilegal de gasolina e etanol nos postos chega a 13 milhões de litros.
O NeoFeed apurou que a empresa carioca está entre as principais devedoras de impostos no Brasil, com volume que passa de R$ 24 bilhões. Somente em São Paulo, segundo a Procuradoria Geral do Estado (PGE-SP), a Refit contabiliza 134 débitos, que somam R$ 9 bilhões. No Rio, a dívida é de R$ 13 bilhões. Com a Receita Federal, a sonegação soma R$ 2,1 bilhões.
Na noite de quarta-feira, 29 de outubro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a interdição dos tanques da companhia, a pedido da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), modificando posição anterior do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), de dois dias antes, que havia liberado o funcionamento da empresa.
A primeira interdição foi em 26 de setembro, por determinação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e da Receita Federal.
Em 25 de outubro, a ANP decidiu desinterditar parcialmente a refinaria, alegando que a Refit havia atendido às exigências técnicas sobre capacidade de armazenamento de combustível. Mas essa permissão só durou quatro dias.
Na semana passada, o Instituto Combustível Legal (ICL), entidade que reúne as principais companhias do setor de distribuição de combustíveis no Brasil, ingressou com ação civil pública na Justiça Federal do Rio de Janeiro para que a Refit tenha seu registro de funcionamento definitivamente cassado.
“Fizemos formalmente esse pedido à Justiça, que aceitou a ação, com base em todas as investigações em curso sobre a empresa. A Refit precisa ser fechada. A gente quer que o mercado sério do nosso setor cresça”, diz Emerson Kapaz, presidente do ICL, em entrevista ao NeoFeed.
“Não podemos mais aceitar que haja espaço para empresas que praticam concorrência desleal, antiética e que ainda sonegam impostos. Uma companhia que deve R$ 24 bilhões somente em impostos não tem nenhuma condição de operar”, completa.
A preocupação das demais empresas e das entidades do setor está no impacto, em termos de imagem, que essa investigação envolvendo a Refit possa causar junto às demais companhias. E a própria necessidade da reacomodação do mercado a partir da saída de cena, pelo menos do momento, da empresa.
“É inacreditável que essa empresa ainda não tenha sido fechada. Não dá para entender que, mesmo depois de um mês interditada, uma decisão tenha liberado a Refit para voltar a funcionar, antes da determinação do STJ. Isso mancha a imagem do setor”, diz ao NeoFeed um empresário do setor de óleo e gás, na condição de anonimato.
Estimativa do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) mostra que a Refit deixa de recolher, diariamente, cerca de R$ 15 milhões em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), sendo R$ 10,7 milhões em São Paulo e R$ 4,5 milhões no Rio de Janeiro.
Mas, como o volume da distribuição desses combustíveis repassados para outras empresas, isso significa dizer que, nos 30 dias em que a empresa permaneceu fechada, na primeira decisão judicial, os dois estados tiveram um incremento de R$ 400 milhões na arrecadação, valor que passou a ser recolhido formalmente. Na prática, o fechamento da refinaria carioca foi bom para os cofres públicos.
“A decisão do STJ chega em boa hora, tendo em vista que as autoridades trazem fortes indícios de irregularidades praticadas pela Refit”, diz Carlos Orlando Henrique da Silva, diretor-executivo de downstream do IBP.
“Ainda há investigações em curso e a empresa ainda precisa provar que as ilegalidades já comprovadas tenham sido sanadas”, completa o dirigente.
Com oito refinarias, 160 distribuidoras e 43 mil postos, o mercado de combustíveis no Brasil movimenta cerca de R$ 900 bilhões e arrecada perto de R$ 215 bilhões ao ano em tributos.

Nas próximas semanas, segundo Kapaz, haverá a redistribuição, para as empresas do setor, do volume de 200 milhões de litros de combustíveis (entre nafta, diesel e gasolina) apreendidos, em quatro navios no Rio de Janeiro, com carga da Refit, segundo a operação da PF.
A tendência é que, no caso de refinarias, a maior parte dessa movimentação seja absorvida pela Petrobras. No elo das distribuidoras, em que a Refit também operava abastecendo postos bandeira branca e da rede Gulf, agora esse volume deve ficar com as gigantes do setor (Vibra, Raízen e Ipiranga), além de companhias regionais.
Sem desabastecimento nas bombas
Mesmo com essa turbulência no setor, o presidente do ICL afirma que não há chance de desabastecimento de combustíveis nem no País nem a possibilidade de aumento nos preços das bombas, por uma possível alegação de repasse da carga tributária.
“Não há esse risco. Há empresas com muita força no setor e que havia até uma certa ociosidade, justamente pela operação do crime organizado. E não haverá necessidade de novos investimentos”, afirma Kapaz.
“Quem alegar possível desabastecimento é porque estava se aproveitando dessa ilegalidade. E não há possibilidade de aumento, porque as empresas hoje têm consciência que é mais importante melhorar a lucratividade a partir do aumento do volume do que da margem unitária”, completa o presidente da instituição.
A luz jogada por este episódio ao imenso volume sonegado em uma parcela muito representativa do setor produtivo brasileiro tem feito com que a classe política se mova de forma efetiva para barrar o avanço dessas empresas em situação ilegal com o Fisco.
Na quinta-feira, 29, dez frentes parlamentares ligadas ao setor produtivo brasileiro divulgaram um manifesto cobrando urgência na tramitação do projeto de combate ao devedor contumaz, que já foi aprovado no Senado em setembro.
A partir desse movimento, os deputados aprovaram, na sessão de quinta-feira, 30 de outubro, a urgência do projeto, que cria um marco legal com regras para o combate a grandes sonegadores no País. A tendência é que ele seja pautado para votação ainda em 2025.
Para o deputado federal Júlio Lopes (PP-RJ), presidente da Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, o episódio da Refit pode representar uma mudança definitiva desse paradigma e puxar a fila para investigações em empresas de outros setores acusados de sonegação.
“É muito grave o crime de devedor contumaz e a gente precisa avançar pela aprovação deste projeto. A sociedade brasileira demanda ações concretas com relação à segurança pública, que está muito conectada a este tema”, afirma Lopes.
Relator do projeto que trata do aumento de penalidades a fraudadores, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), que é vice-presidente da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, entende que a Câmara dos Deputados precisa dar respostas à sociedade, justamente a partir da movimentação da Polícia Federal.
“Há uma série de fraudes causadas por uma rede sofisticada e complexa. O momento agora é de enfrentar isso, de forma definitiva, e aprovar essas medidas que freiam esses crimes fiscais. A Refit é uma das empresas que se enquadra nisso”, diz Jardim.
Em recuperação judicial desde 2015, a Refit passou a entrar no radar da PF a partir da operação que investigou empresas do mercado financeiro, fintechs e companhias do mercado de combustíveis. A primeira fase da Carbono Oculto foi deflagrada em agosto.
Há suspeita de que a companhia comandada pelo empresário Ricardo Magro orquestre uma possível triangulação de empresas importadoras, associadas à Refit, em operação que inclui sonegação de tributos e adulteração de combustíveis.
Procurada pelo NeoFeed para comentar a nova determinação judicial, a Refit diz que “responderá nos autos referentes à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a máxima transparência e cooperação institucional”.
“A companhia afirma que jamais falsificou declarações fiscais, não praticou sonegação e aderiu à regularização junto ao Governo do Estado do Rio de Janeiro, com pagamentos de aproximadamente R$ 1 bilhão em tributos estaduais em 2024”, informa a nota.
“A Refit também reafirma que não mantém qualquer vínculo com o crime organizado — pelo contrário. A empresa sempre denunciou postos irregulares, a comercialização de combustíveis adulterados e práticas lesivas à concorrência”, completa a refinaria, na nota.
O NeoFeed procurou a ANP para entender as razões da liberação parcial da Refit e quais os próximos passos da agência reguladora, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.
 
            
                                     
                         
                 
                                     
                                     
                                     
                                     
                                     
                                     
                                     
                                     
                                     
                                     
                                             
                         
                                             
                                             
                                            