Londres – Foi entre os letreiros de bancos centenários no topo dos arranha-céus espelhados de Canary Wharf, centro financeiro de Londres, que a Revolut escolheu sua nova sede.
A marca da fintech agora também aparece no horizonte, próxima a gigantes como Citi, Morgan Stanley e HSBC, em um prédio cuja logomarca pode ser vista a quilômetros de distância. A escolha não é apenas logística: é um gesto de afirmação em um território onde estão as instituições financeiras que há décadas dominam o mercado.
O local foi escolhido a dedo, com a marca da Revolut bem em frente a do J.P. Morgan, maior banco do mundo em valor de mercado - mais de US$ 861 bilhões - e cuja origem remonta há mais de 160 anos. É impossível não notar a provocação implícita de um player que nasceu em 2015 e agora ocupa um endereço vizinho ao do colosso americano.
A Revolut alcançou recentemente um valuation de US$ 75 bilhões no mercado secundário, em um programa criado para dar liquidez a funcionários que detinham ações da empresa.
O valor chegou a superar a capitalização do Nubank, mas ainda representa menos de 10% do tamanho do J.P. Morgan. Ainda assim, o crescimento acelerado da fintech na Europa e as projeções de expansão global têm chamado a atenção do mercado.
Em evento de inauguração do novo escritório em Londres, no qual o NeoFeed esteve presente, o fundador e CEO global, Nikolay Storonsky, revelou parte das metas para os próximos anos, incluindo alcançar a marca de 100 milhões de usuários até meados de 2027, o que representaria um salto significativo em relação à base atual, de cerca de 65 milhões.
“Investimos em produtos a todo momento e mais cedo ou mais tarde nossos produtos serão muito melhores comparados a qualquer banco local de qualquer país. É impossível competir [com a Revolut]", diz Storonsky.
Um dos mercados em destaque nessa estratégia é o Brasil. Ao acelerar a concessão de crédito, a Revolut tende a intensificar a disputa com o Nubank, única fintech que tem conseguido rivalizar com ela em número de downloads globais.
“Primeiro provamos nosso valor com o produto, sem entrar de forma pesada em crédito, e já sendo lucrativos. Para nós, o crédito é um bônus, não a base”, diz Glauber Mota, CEO da Revolut no Brasil.
Em operação no País desde 2023, a fintech tem atraído principalmente clientes que utilizam a plataforma para pagamentos cross-border. Agora, porém, a estratégia passa por ampliar a oferta de cartões de crédito e disputar espaço como banco principal de milhões de brasileiros.
No Brasil, a empresa ainda não obteve licença de banco, assim como outras fintechs – incluindo o próprio Nubank. A principal diferença é que esse modelo impede o uso dos depósitos para a oferta de crédito, obrigando a instituição a colocar o próprio capital em risco.
“Eles têm 120 milhões de usuários. Mas não está claro se estamos realmente competindo no mesmo espaço”, afirma Mota.

Além do Brasil, a disputa com o Nubank se estende para a Colômbia, México e Argentina. A Revolut já obteve licença para operar no México e na Colômbia aguarda a aprovação, assim como na Argentina, onde comprou o banco Cetelem, do BNP Paribas, para acelerar sua entrada.
Juan Guerra, CEO da Revolut no México, descreveu como um “encontro de titãs” essa disputa no mercado mexicano, onde a fintech brasileira começa a ganhar escala, com cerca de 12 milhões de usuários.
“Vai ser fascinante fazer parte dessa história. Acho que vai ser ‘sangrento’, vai ser intenso e vai ser fantástico”, disse Guerra, que ainda provocou. “Se os bancos do México vissem o que fizemos na Espanha, estariam preocupados.”
Mas nenhuma batalha promete ser mais dura para a Revolut do que a que se desenha nos Estados Unidos, onde Sid Jajodia, CEO da Revolut no país e Chief Banking Officer (CBO) global prepara as bases da operação desde 2022.
Ao mesmo tempo em que constrói uma estrutura regulatória e tecnológica para sustentar o avanço no maior mercado financeiro do mundo, a fintech terá de enfrentar a concorrência direta dos grandes bancos americanos — incluindo o vizinho de Canary Wharf, o J.P. Morgan.
“Embora o Nubank seja um concorrente no Brasil, contra quem realmente competimos são todos os bancos tradicionais”, diz Jajodia. “Quando dizemos que queremos ser um banco verdadeiramente global, os Estados Unidos são uma parte essencial dessa estratégia. É o maior mercado financeiro do mundo.”
Concessão de crédito
Até agora, a maior parte da receita da Revolut vem de taxas de serviço, com destaque para os pagamentos cross-border - transação financeira que ocorre entre partes localizadas em países diferentes - e produtos de investimento oferecidos na plataforma.
Mas, para alcançar novos patamares e disputar espaço em mercados estratégicos, a empresa deverá acelerar os processos de licenças bancárias e a concessão de crédito. A fintech quer ampliar a presença global para cerca de 70 países até 2030, contra pouco mais de 40 atualmente, e alcançar US$ 100 bilhões em receita anual.
“Começamos com pagamentos, câmbio, e agora adicionamos crédito. Nosso objetivo é ser um banco verdadeiramente global, o que significa atender nossos clientes em todas as formas como usam o dinheiro. E crédito é uma parte integral disso”, diz Jajodia.
Enquanto a maior parte da carteira de crédito da Revolut está concentrada na Europa, a operação americana ainda está em fase de testes. A companhia planeja investir cerca de US$ 500 milhões nos próximos três a cinco anos nos Estados Unidos.

Assim como no mercado brasileiro, Jajodia classifica o americano como credit first, já que depende desse motor para escalar as operações regionais.
Segundo ele, ainda há bastante espaço para a Revolut crescer nessa frente, especialmente quando se compara a carteira de crédito — em torno de US$ 1,2 bilhão — com o volume global de depósitos, que encerrou 2024 em US$ 38 bilhões.
“Isso dá uma noção de como o crédito ainda está em estágio inicial em relação a depósitos e pagamentos. Mas estamos muito focados em atender às necessidades dos nossos clientes”, afirmou o CEO nos Estados Unidos.
No caso do Nubank, por exemplo, os depósitos somavam US$ 36,6 bilhões no fim do segundo trimestre, enquanto a carteira de crédito já alcançava US$ 27,3 bilhões. Para a Revolut, trata-se de uma diferença estrutural relevante.
“Eles têm um mercado enorme, mas também muito arriscado, porque está relacionado ao crédito baseado em balanço”, diz Glauber Mota, CEO da Revolut no Brasil.
Corrida pela licença bancária
Nessa equação, obter em diferentes regiões licenças equivalentes a de banco múltiplo no Brasil tem potencial para alavancar o volume de crédito das operações da Revolut. Com esse tipo de autorização, a fintech poderia emprestar o dinheiro captado em depósitos — como fazem os principais bancos do mundo — em vez de depender exclusivamente de capital próprio para sustentar sua expansão nessa frente.
A estratégia é chamada internamente de license first. A lógica é que obter uma licença bancária completa garante, de imediato, a confiança do cliente final e permite lançar todo o portfólio de produtos desde o primeiro dia de operação. “Para todos os nossos principais mercados, acreditamos que é essencial ter uma licença bancária”, afirma Storonsky.
Além das Américas, a companhia também tem avançado em processos de obtenção de licença na África, Ásia-Pacífico, e Oriente Médio.
A aposta em buscar licenças bancárias plenas reflete uma mudança consciente de estratégia. Storonsky lembra que, nos primeiros anos de expansão, a fintech tentou acelerar sua entrada em mercados adotando licenças mais leves — de instituição de pagamento ou de moeda eletrônica.
O resultado, porém, foi limitado: havia produto, mas sem a mesma aderência que os bancos locais, e a rentabilidade não era suficiente para escalar.
Apesar dos planos de expansão global, Storonsky acredita que a prioridade ainda é se consolidar dentro de casa. A grande meta é obter uma licença bancária no Reino Unido, onde a Revolut segue atuando apenas como instituição de moeda eletrônica (e-money institution), autorizada pela Financial Conduct Authority (FCA).
A crença dentro da companhia é de que a licença no Reino Unido pode ser um game changer, especialmente considerando que um em cada seis britânicos já está cadastrado na plataforma.
Na vizinha Irlanda, onde a Revolut atua como banco licenciado dentro do European Economic Area, a penetração é ainda mais expressiva: 75% da população adulta e 48% das crianças e jovens entre 6 e 17 anos utilizam a plataforma, com aplicativos de pagamento vinculados às contas dos pais.
“Para mim, a prioridade número um é realmente lançar o nosso banco no Reino Unido. É o nosso mercado número um. Portanto, a prioridade é migrar os clientes para o banco no Reino Unido. Há uma quantidade enorme de crédito voltada para esse objetivo”, afirma Storonsky.
Dos US$ 13 bilhões que a Revolut planeja investir nos próximos cinco anos, US$ 4 bilhões serão destinados ao Reino Unido.