Até o final de junho, o movimento Mulheres do Mercado entregará para as ministras Simone Tebet e Cida Gonçalves, titulares das pastas do Planejamento e Orçamento e da Mulher, respectivamente, uma série de propostas para equilibrar o papel do homem e da mulher no mercado de trabalho. Com base em pesquisas científicas, a ideia é que o material ajude nessas metas dentro do plano plurianual do governo federal de 2024-27.
“Sentimos nas ministras uma vontade genuína de fazer a diversidade, de forma geral, ter o devido progresso”, diz Carolina Ragazzi, cofundadora do movimento Mulheres do Mercado, um grupo criado em 2017 para apoiar as profissionais em busca de um mercado de trabalho mais igualitário e competitivo.
Há 15 anos na área de investment banking dos bancos Goldman Sachs e Santander, Carolina se uniu a Camila Tomasi, executiva de relações com investidores da AZ Quest, para criar a rede de apoio para mulheres no mundo corporativo.
O mercado financeiro continua sendo um ambiente predominantemente masculino. Segundo a Anbima, apenas 7% dos gestores certificados são mulheres. E há somente 21% de consultoras de investimento cadastradas na CVM.
Todos os meses, cerca de 100 profissionais se encontram para debater sobre liderança, maternidade na carreira e toda temática que engloba a evolução da mulher dentro de uma instituição.
“Ouço, por exemplo, que cotas trazem pessoas não qualificadas para o Conselho, que estamos forçando a barra para ter mais mulheres”, diz Carolina. “Cota, parâmetro, métrica, meta, qualquer nome que se dê não é divergente com a meritocracia. Ela traz a responsabilidade de mitigar os vieses inconscientes e a quebra de equilíbrio entre mulher e homem.”
Carolina afirma que é preciso assumir a responsabilidade da mudança e pressionar os stakeholders em vez de ficar esperando algo diferente acontecer. Para ela, essa transformação se assemelha às tamareiras: provavelmente quem planta as tâmaras não conseguirá colhê-las (os primeiros frutos demoram entre 80 e 100 anos).
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista para o NeoFeed:
Qual é o fator que ainda diferencia homens e mulheres em cargos de liderança?
O primeiro fator que quebra a ascensão feminina aos cargos de liderança é a carga de trabalho doméstico. Seja em razão de pais idosos ou com filhos. O único quesito que o homem está acima da mulher em termos de horas dedicadas é em pequenos reparos domésticos. Só. A mulher gasta, em média, 21 horas por semana em trabalhos domésticos. O homem, 11 horas. São dois terços do tempo da mulher contra um terço. É algo que se retroalimenta.
Por quê?
Fala-se muito de pay gap. Segundo o IBGE, o último dado é de 22% de diferença. Essa construção vem sobre a importância da carreira. O homem diz que tem de priorizar a carreira, logo a mulher vai ficar mais responsável pelos afazeres domésticos. No ambiente de trabalho, aparece a questão do viés inconsciente. Virou mãe vai ter menos disponibilidade de tempo, logo não vou dar aquela promoção ou não vou passar aquele projeto que é mais time consuming.
Como esse problema se comprova na prática?
A questão do gênero é universal. Está em todas as indústrias, em todas as geografias. Em maior ou menor grau, ela é uma questão universal. E, obviamente, na minha experiência pessoal, e do tanto que eu escuto de mulheres na rede, é algo que acontece a todo momento. Isso é muito enraizado na expectativa que foi criada com base no histórico da humanidade, do que o homem e a mulher têm de prover. No meu caso, fui muito linha dura. E quando me perguntam como consigo eu respondo: foi o cara que eu escolhi casar. Porque ele divide, é parceiro. Mas por que ele é diferente dos demais? Porque na criação dele, a mãe é a referência de geração de renda, não é o pai. Então, para ele, foi muito mais fácil me entender e aceitar. Essa é uma visão pessoal, mas as empresas têm muitas ferramentas para melhorar.
Quais são essas ferramentas?
A evolução da cultura é lenta. Mas enquanto ela não evoluir, as empresas podem fomentar essa mudança com licença parental. Hoje, algumas empresas mais vanguardistas já têm, mas muitas vezes não é cumprida, principalmente nas áreas de business. Há retaliação com quem resolve tirar. As empresas podem dar flexibilidade porque a mãe tem alguns compromissos com a dinâmica das crianças. E isso não significa falta de comprometimento. Dar a flexibilidade para essa mãe vai ajudar a mantê-la ali sem achar que ela está deixando a peteca cair no cuidado com os filhos.
"As organizações são piramidais e os homens ainda têm um espaço maior e de maior peso. Então, treinamentos contra os vieses inconscientes são muito importantes"
As empresas ainda são dominadas por homens?
As organizações são majoritariamente masculinas. Quem está toda hora decidindo quem contrata, quem retém, quem promove, quem é mais bem pago no bônus, enfim, todas essas grandes decisões de carreira são feitas, majoritariamente, por homens. Porque as organizações são piramidais e os homens ainda têm um espaço maior e de maior peso. Então, treinamentos contra os vieses inconscientes são muito importantes. Mas não aquele feito só pelo RH, que é o que vemos na grande maioria das empresas. É um treinamento como pilar da estratégia de geração de valor das empresas.
O mercado financeiro continua sendo um dos que colocam a maior barreira para a ascensão da mulher?
Sim, o mercado financeiro ainda é um ambiente super masculino e acredito que tem muito a ver com a questão de entrega de resultado de curto prazo. Quando esse é o drive, de cara, as mulheres ficam menos competitivas. Primeiro, pela natureza da mulher de ser mais cautelosa, de ter a visão de longo prazo. Segundo, porque a carreira da mulher não é linear com a carreira do homem por conta da maternidade. Enquanto tivermos o descompasso de assumir responsabilidades doméstica pelo homem, não tem como a carreira da mulher ser linear com a carreira do homem. Assim, é difícil para a mulher ser competitiva como o homem no mercado financeiro, que vai em um ritmo trimestral ou a cada notícia veiculada.
Quais são os benefícios da diversidade?
Temos os primeiros estudos mais substanciais em relação aos benefícios da diversidade, seja de gênero, minoria, geografia, background, de poder aquisitivo. Sabemos que empresas com líderes diversos, seja no conselho, na diretoria ou na presidência geram mais lucro. Por que elas geram mais lucro? Porque no longo prazo, 15, 20 anos, elas se envolvem em menos casos de corrupção e são muito mais criativas. Há divergência de opinião e não uma série de homens brancos tomando decisão. É na divergência que se cria inovação e há a questão de menor turnover de funcionários, porque, para os times, ter uma líder mulher diminui a rotatividade de pessoas em razão de sermos mais acolhedoras. Isso, obviamente, diminui o custo e preserva toda a dinâmica de know-how que foi construída naquela equipe. No fim do dia, são empresas que geram mais lucro para o acionista.
Neste momento, onde estamos?
Acredito que ainda estamos em algo muito de recursos humanos indo na direção da estratégia. Quando as pessoas, líderes, empresários, conselheiros entenderem o real benefício da diversidade e assumirem isso como real estratégia, é possível traçar um plano e aí ser efetivo da mesma forma que se faz um business plan para entrar em uma área nova e abrir uma nova avenida de crescimento.