Arri Coser é, provavelmente, o maior empresário entre os restaurateurs brasileiros. Fez fama e fortuna com a rede de churrascaria rodizio Fogo de Chão (que abriu unidades até nos Estados Unidos). Atualmente, é dono de 12 unidades do restaurante italiano Maremonti e de oito do NB Steak, especializado em carnes. E administra todas as casas com planos de gestão, sem a informalidade de vários restaurantes brasileiros.
Nesta última semana, Coser foi um dos articuladores de uma carta aberta às instituições bancárias, que pede crédito para capital de giro para o setor, com garantia dada pelo governo federal e não pelos donos de bares e restaurantes, além de carências e taxas de juros próximas à Selic.
Com sua experiência nos negócios, Coser é também um “consultor informal” de chefs neste momento de aperto. “Eu troco muita informação com ele”, diz o premiado Alex Atala, do D.O.M. e do Dalva e Dito.
O setor da alimentação fora de casa é fortemente afetado por esta quarentena. A estimativa da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) é de uma perda de 6 milhões de empregos, o que vem levando cozinheiros a pleitearem ajuda.
Confira nesta entrevista como está o impacto do Covid-19 nos restaurantes:
Como surgiu a ideia da carta aos bancos?
Temos um grupo que vem se reunindo virtualmente. Chefs como o Jun Sakamoto, o Jefferson Rueda, a Janaina Rueda, que já é muito atuante, o Alex Atala, e também o Georges Schnyder (sócio da revista Prazeres da Mesa). Os restaurantes estavam alavancados antes da chegada do coronavírus. Pensávamos que o Brasil poderia começar a melhorar, estávamos começando a investir e essa crise nos pegou no contrapé. Os bancos têm que fazer alguma coisa e o governo federal também. Não adianta ser uma lei do município ou estadual. É preciso ter respaldo federal para os bancos darem este capital de giro para o setor. E também estamos pedindo alívio para as concessionárias de luz e água. Colocamos tudo isso numa carta e enviamos aos presidentes dos principais bancos.
Quanto é a dívida do setor?
Ainda não temos esses dados, mas estamos levantando. Hoje, todo o setor está endividado, se não é no banco, é com a antecipação do cartão de crédito, o que será um problema com os restaurantes fechados.
E quantos aos funcionários?
A Abrasel, a ANR (Associação Nacional de Restaurantes), os sindicatos, todos nós estamos pleiteando um valor mínimo, de R$ 1 mil, R$ 1,2 mil para os funcionários do setor ficarem em casa. Se demitirmos todos, eles vão para o seguro-desemprego e isso terá um custo enorme para o governo. Acredito que seja melhor para o governo liberar esse valor do que todos irem para o seguro-desemprego. Isso garante também que os funcionários voltem depois. Hoje, esses profissionais ganham R$ 3 mil, R$ 4 mil, somado com as gorjetas. Por menos de R$ 1 mil, eles não vão conseguir sobreviver.
Na linha do que fez o presidente dos Estados Unidos?
O Trump já criou uma bolsa de US$ 1 mil para os funcionários do setor, que vai até dezembro. A solução no Brasil também passa por aí. É preciso dar a vacina (financeira) antes de o caos chegar. Os funcionários ganham uma ajuda do governo para ficar em casa, por pelo menos duas, três semanas. E depois vamos vendo quem pode começar a trabalhar, de uma forma escalonada. Que sejam as pessoas mais jovens e saudáveis, em escalas de trabalho. Essa escala aconteceu na época da Segunda Guerra Mundial, das pessoas indo para a guerra conforme a sua idade, de forma escalonada. Agora também estamos vivendo uma guerra e vai chegar um momento em que vamos ter que definir quem precisa ir para o front.
"Estamos vivendo uma guerra e vai chegar um momento em que vamos ter que definir quem precisa ir para o front"
Você já fala em uma volta ao trabalho?
Não temos condições de parar três meses. Acho que em três semanas, aproximadamente, vai começar uma volta escalonada. Claro que festas, casamentos, esportes vão demorar mais para voltar. Acredito que alguns setores vão voltar primeiro e os restaurantes e os hotéis vão ficar mais tempo em quarentena. Certamente, seremos um dos últimos a voltar a funcionar, mesmo com mesas mais afastadas, com menos funcionários e todos os cuidados necessários.
Como está a negociação com os fornecedores?
Com os pequenos, nós conseguimos pagar todo mundo. Com os maiores, como uma Nestlé, uma Unilever, estou pedindo um prazo maior, de 90, 120 dias. Todos estão concordando em jogar essa dívida para frente. Até porque também podemos fazer uma nota de devolução e devolver o que já compramos.
E os alimentos perecíveis?
Muitos deles nós doamos para os funcionários antes de vencer, quando soubemos que iríamos parar. Tem muito hortifrúti, tem um tomate seco específico que um fornecedor faz para a gente. Só ficamos com o que pode ficar congelado por um bom tempo. Agora vamos começar mais forte com o delivery, e vamos precisar desses produtos. O Maremonti já tem um delivery aberto e estamos concluindo as entregas do NB. Deve começar neste final de semana.
O delivery é uma opção para atravessar a crise?
Não, ele não resolve. É só para não desativar tudo. Conseguimos com o delivery 1,8% do nosso faturamento diário. Com o delivery também devemos comprar itens dos nossos pequenos fornecedores, o que deve ajudá-los também.
Como funciona o seu delivery, com iFood ou Rappi?
Não. Hoje nem adianta ligar que eles não atendem, está muito congestionado. Mas não usaria esses serviços. Eles cobram uma taxa muito alta: a margem de lucro de um restaurante não chega a 8%, e eles cobram de 15% a 20%. Prefiro usar esse valor para fazer um anúncio sobre o meu delivery. No nosso caso, contratamos uma empresa de motoboy para as entregas. Além disso, acho que esses aplicativos vão ajudar a destruir muitos restaurantes. Depois que pegaram a base de clientes dos restaurantes, hoje, muitos deles já direcionam o pedido para a sua própria cozinha.
O NB e o Maremonti demitiram funcionários?
Temos 658 funcionários, desligamos apenas aqueles que estavam em experiência, como aprendizes, que não somam 50 pessoas. Em cada loja, nós seguramos seis funcionários para o delivery e os demais estão em férias coletivas.
Mesmo depois de vender o Fogo de Chão, você mantém bons contatos nos EUA. Quais os exemplos de lá podem ser trazidos para cá agora?
Nos Estados Unidos está bem complicado, com demissão em massa também no nosso setor. A empresa não tem custo para demitir e está demitindo. É um impacto que ninguém sabe ainda precisar e nem quando vai conseguir se recuperar. O pequeno produtor também deve receber este US$ 1 mil do governo e espero que consiga sobreviver. Mas lá é a terra das grandes corporações, que devem ter fôlego para atravessar esta crise.
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