Era junho de 2020. Enquanto a Covid-19 impunha suas restrições e quarentenas, a Wine Locals nascia apostando em um mercado que, naquele momento, parecia ser um contrassenso: o enoturismo. Contra os prognósticos, a startup gaúcha colocou seu modelo à prova e atravessou a pandemia.

Agora, um dos grandes grupos do segmento de vinhos está embarcando na operação, disposto a degustar parte das receitas de um setor que deve movimentar, globalmente, US$ 29,6 bilhões em 2030, segundo a consultoria Statista.

Fruto da fusão entre Evino e Grand Cru, o Víssimo Group fechou a compra de 20% da Wine Locals, que segue tendo a venture builder 4all como sua acionista majoritária. Antecipado ao NeoFeed, o acordo, cujos valores não foram revelados, prevê a possibilidade de a holding de vinhos ampliar sua fatia na companhia.

“O vinho tem um papel que vai muito além do transacional”, afirma Alexandre Bratt, CEO do Víssimo Group. “E a sua experiência é muito rica. Ela fideliza o consumidor e faz com que ele evolua em suas escolhas. Com esse acordo, nós ficamos mais próximos dessa conexão.”

As conversas com a Wine Locals tiveram início em 2021, quando a startup desenvolveu projetos em parceria com a Evino. As negociações ganharam fôlego no fim do mesmo ano, a partir da fusão do e-commerce de vinhos com a Grand Cru.

“O enoturismo é o mercado mais sexy entre as jornadas dos consumidores de vinhos, mas é o de menor recorrência”, diz Fabris, fundador e CEO da Wine Locals. “Por isso, nós sempre tivemos o plano de avançar também para as experiências urbanas. E quando a Grand Cru entrou na história, foi a cereja do bolo.”

Antes, a empresa já tinha botado o pé na estrada para ir além da Serra Gaúcha. Hoje, seu portfólio tem opções como visitas e degustações em vinícolas, jantares harmonizados, piqueniques, bike tours nos vinhedos, produção do próprio vinho e eventos com enólogos.

O leque de preços também é amplo. O pacote atual varia de R$ 10 a R$ 1.190. Entre vinícolas, wine bars e restaurantes, a companhia atende mais de 60 clientes, como Casa Valduga, Salton, Miolo, Casa Perini e Luiz Argenta.

Além de formatar experiências para esses parceiros, com base em uma plataforma de dados coletados em sua plataforma, a startup tem uma área de marketing e de criação de conteúdos digitais para impulsionar esses projetos.

Com um modelo que inclui ainda um marketplace para a venda dessas experiências, a Wine Locals gera receitas a partir da cobrança de comissões sobre essas transações. A empresa movimenta cerca de R$ 1 milhão por mês e já vendeu mais de 120 mil experiências, 30% delas, nos últimos três meses.

“O enoturismo já não é mais uma tendência, é realidade”, afirma Diego Bertolini, consultor e especialista em vinhos. Ele observa que o setor está em plena “ebulição”, impulsionado por fatores como a maior procura dos turistas por viagens domésticas, e destaca a ainda a importância das experiências urbanas.

“O Brasil tem 89 milhões de consumidores aptos ao consumo de álcool que interagem muito pouco com o vinho e que não vão ser fisgados pelo enoturismo, que é mais nichado”, diz. “É um oceano azul de potenciais novos apreciadores que podem entrar nesse universo por experiências em suas cidades.”

A Grand Cru vai fechar 2022 com uma rede de 140 lojas

Para atrair parte desse público, um dos primeiros passos com o Víssimo será incluir no roteiro das experiências urbanas as 127 lojas da Grand Cru, começando por cinco unidades em São Paulo e Porto Alegre.

“Hoje, 40% dos consumidores da nossa plataforma moram em São Paulo”, observa Fabris. “As lojas da Grand Cru são muito estratégicas, porque elas já têm esse público e uma demanda reprimida por essas experiências. Vemos muitas sinergias.”

Em breve, esse mapa ganhará novas opções. Com a previsão de faturar R$ 800 milhões em 2022, o Víssimo projeta fechar o ano com 140 unidades da Grand Cru. Em paralelo, vai começar a testar o formato na Evino, com duas primeiras lojas na capital paulista, entre outubro e novembro.

“Esse vai ser um driver importante de crescimento para a Evino nos próximos anos”, afirma Bratt. “Na Grand Cru, que já tem uma marca mais consolidada, estamos olhando critérios como cidades acima de 150 mil a 200 mil habitantes e com PIB per capita acima de R$ 20 mil a R$ 25 mil por ano.”

A partir do “blend” com o Víssimo, a Wine Locals também vai ampliar suas fronteiras. Depois de desembarcar no Uruguai, em março, por meio de uma parceria com a Bodega Garzón, a startup prepara sua chegada à Argentina e ao Chile, nos próximos seis meses.

A ideia é que a holding abra portas nesse percurso. No Chile, ela tem acordos com nomes como Casas Del Bosque e Errazuriz. E, na Argentina, Zuccardi e Nieto Senetiner. Outro destino dos recursos injetados com a entrada do Víssimo é a ampliação da equipe. O plano é dobrar o time de 23 funcionários até o fim do ano.

Além do vinho

Enquanto a Wine Locals inicia sua jornada internacional, o investimento na startup inaugura uma nova via para o Víssimo: os M&As. Capitalizada com um aporte de R$ 650 milhões do Vinci Partners, a holding planeja outros movimentos nessa arena.

Segundo Bratt, a tese inorgânica não está restrita a aquisições de fatias minoritárias, nos moldes do que foi feito com a Wine Locals. Há espaço para a compra do controle de operações, inclusive, de maior porte.

“Nós olhamos um tripé que inclui canais de distribuição de vinho e plataformas de serviços e experiências”, diz. “Um terceiro vetor é a expansão além do vinho, com a entrada em novas categorias.”

Esse último critério também está por trás de iniciativas orgânicas do grupo. A empresa acaba de criar a Drinksquad, plataforma que marca sua entrada na venda de destilados, com uma parceria já firmada com a Beam Suntory. As categorias gourmet e de acessórios completam o foco da holding nessa diversificação.

O vinho segue, porém, como protagonista no grupo, que detém uma fatia de cerca de 7% desse mercado. Em 2021, foram vendidos 489,4 milhões de litros da bebida no País, segundo a Ideal Consulting. Apesar da queda de 2% sobre o recorde de 2020, o volume representou um crescimento de 27,4% em relação a 2019.

Quem desponta como principal rival na categoria é a Wine. A empresa também vem investindo em uma estratégia multicanal, na busca para marcar presença em todas as jornadas de consumo do vinho e em aquisições. Em 2021, a companhia comprou a importadora Cantu, por R$ 141,6 milhões.

Com a Península e a eB Capital como sócias, a Wine ensaiou, por duas vezes, abrir capital. A empresa adiou o projeto, mas se registrou como companhia aberta na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), à espera da abertura de uma janela mais favorável. A Víssimo também não descarta seguir o percurso de um IPO.

“Hoje, o Vinci Partners não tem pressa para ter uma saída e nós não temos uma demanda para buscar um IPO”, diz Bratt. “Mas já somos um dos grandes players desse mercado e nosso roteiro é estarmos prontos.”