O bitcoin chegou a figurar entre os ativos de melhor desempenho do ano, alcançando em agosto a máxima histórica de US$ 123.640. Mas a trajetória no segundo semestre tem sido mais desafiadora para a maior criptomoeda do mundo: desde então, acumula uma queda de 27% e passou a ser negociada próximo a US$ 90 mil.
Esse movimento aprofunda a pressão sobre empresas com tesourarias expostas ao ativo, que veem o valor de seus balanços encolher em meio à volatilidade recente. Segundo dados do The Block, as empresas listadas que se definem como “tesouraria de bitcoin” acumulam perdas próximas de US$ 62 bilhões em valor de mercado nos últimos meses.
Maior representante da classe, a Strategy, de Michael Saylor, foi responsável por US$ 50 bilhões das perdas, com as ações da empresa recuando cerca de 50% no período. Com 649.870 bitcoins em caixa, a Strategy é, de longe, a empresa mais exposta a esse criptoativo, com quase sete vezes a quantidade detida pela segunda mais do segmento, a também americana Mara, com 53.250 bitcoins.
As chamadas “bitcoin treasury companies” são empresas que adotaram o acúmulo de bitcoin como estratégia central de negócio, funcionando, na prática, como uma forma “alavancada” de exposição ao ativo. Isso porque conseguem, ao menos em teoria, emitir dívidas e captar recursos no mercado para ampliar suas posições para além do caixa disponível.
Com o bitcoin em forte alta nos últimos anos, esse modelo passou a atrair investidores em busca de retornos ampliados, e a classe ganhou tração como uma alternativa para lucrar ainda mais com a valorização da criptomoeda. Pioneira nessa tese, a Strategy viu seu valor de mercado multiplicar 14 vezes desde que decidiu deixar de lado seu negócio original, de softwares, para se posicionar como uma acumuladora de bitcoin.
De acordo com dados do BitcoinTreasuries, 209 companhias listadas possuem bitcoin em suas tesourarias — embora nem todas, como Tesla e Mercado Livre, definam-se como uma empresa de tesouraria de bitcoin. Nas mãos dessas empresas, estão cerca de 1,06 milhão de bitcoins, equivalente a US$ 95 bilhões, pela cotação atual, e a pouco mais de 5% dos bitcoins já emitidos.
Mas com o bitcoin em queda, aumentam os questionamentos sobre a solidez do modelo de negócio, uma vez que, em um cenário extremo, essas empresas precisariam vender bitcoin para pagar as dívidas. Mas, ao menos por enquanto, algumas vêm aproveitando o momento de baixa para aumentar a exposição ao ativo.
Mesmo com as ações em queda, a Strategy anunciou neste mês a compra de 8.665 bitcoins. Na aquisição, a companhia afirma ter gastado cerca de US$ 890 milhões. Em poucos dias, porém, o investimento teve desvalorização de US$ 100 milhões.
Quem está nesse jogo, no entanto, tem a convicção de que o preço do bitcoin ainda pode subir significativamente, não sendo raras as previsões de que o ativo ainda pode chegar a US$ 1 milhão.
Apoiada por essa expectativa, outra tesouraria de bitcoin que aproveitou para aumentar a exposição ao ativo foi a OranjeBTC. A companhia, que tem a maior reserva de bitcoin da América Latina, informou ter comprado 12,3 bitcoins em novembro. Sem conseguir novos contratos de empréstimos a taxas atrativas, a empresa afirma que as aquisições foram financiadas pela venda de ações.
Embora tenha feito compras marginais dentro de um portfólio de 3.700 bitcoins, o espaço para a companhia seguir nessa estratégia é praticamente nulo. Isso porque, assim como ocorreu com a Strategy e outras tesourarias de bitcoin no exterior, sua desvalorização foi muito maior que a do bitcoin, reduzindo a atratividade de emitir ações para comprar o criptoativo.
Desde a sua listagem na B3, a OranjeBTC acumula 54% de queda, sendo que, no mesmo período, o bitcoin recuou 27%. Em outubro, inclusive, a companhia chegou a valer menos que sua posição em bitcoin, obrigando a empresa a vender bitcoin para recomprar ações. Hoje, essa relação está em um para um.
Outra tesouraria de bitcoin brasileira, a Méliuz também tem sentido o mesmo efeito, recuando 44% desde o início do semestre, contra 27% do bitcoin. Seu valor de mercado, contudo, ainda é 22% maior que o de suas reservas.
No mercado, a diferença entre o valor de mercado de tesouraria de bitcoin e o valor de suas reservas é medida pelo indicador mNav. Quando essa relação cai abaixo de 1, fica praticamente inviável para a empresa continuar com as compras de bitcoin sem aumentar seu endividamento. Esse, no entanto, tem se tornado o mais comum, com a desvalorização das tesourarias de bitcoin superando a queda do próprio ativo.
De acordo com o BitcoinTreasuries, 31 companhias listadas em bolsa estão valendo menos do que suas reservas em bitcoin. A lista inclui quatro das cinco maiores detentoras de bitcoin: as americanas Strategy, Mara, Bitcoin Standard Treasury Company e a japonesa Metaplanet.
Entre os poucos analistas que cobrem a tese no Brasil, o Itaú disse em relatório recente que, conforme a tese amadurece, a tendência é o mNav dessas empresas rondar próximo de 1. “É um desafio natural do negócio”, afirmaram. “É um negócio que só terá sucesso se os preços do bitcoin aumentarem.”