Em 19 de fevereiro deste ano, quando deixou o posto de CEO da Valid, onde atuava desde o fim de 2020 e no qual comandou uma ampla reestruturação em sua gestão, Ivan Murias disse ao NeoFeed que iria “sentar, pensar” e se “encaixar em outro turnaround tão profícuo” quanto o da companhia.
Exatamente cinco semanas depois, essa procura acabou. Na manhã de segunda-feira, 25 de março, o executivo foi anunciado como novo CEO da Infracommerce, em substituição a Kai Schoppen, fundador da companhia de full commerce, que passará a atuar como advisor do board da empresa.
No conselho de administração, a companhia informou que irá indicar Peter Estermann como membro independente e presidente. Ex-CEO do GPA e da Via Varejo, ele também é sócio do Pátria Investimentos e substituirá Pedro Jereissati no comando do board.
Essa troca na principal cadeira do conselho coincide com o aumento da participação do Pátria na estrutura de acionistas da Infracommerce. Em dezembro de 2023, a gestora de private equity alcançou uma fatia de 6% na operação.
“Sob o ângulo de crescimento, a Infracommerce entregou uma parte muito importante do mandato que se comprometeu em seu IPO”, diz Murias, ao NeoFeed. A Infracommerce abriu capital em abril de 2021, quando levantou R$ 902 milhões em uma oferta primária.
“Agora, se pegarmos sob o aspecto da performance da ação, desde então, a realidade impõe uma reflexão profunda”, prossegue Murias. “E, a partir disso, o board tomou uma decisão e deu um recado importante do que quer fazer. Mas não se trata de romper com o passado, e sim, de um capítulo de renovação.”
Esse novo capítulo tem início na próxima segunda-feira, 1º de abril. Como parte dessa mentalidade de renovação, e não ruptura, Murias ressalta que o plano é que a passagem de bastão seja feita com calma e ampla participação do fundador da Infracommerce, que liderou a empresa por mais de uma década.
“A ideia é ter uma transição generosa em tempo, especialmente para que eu possa fazer um ‘download’ de todo o conhecimento do Kai”, diz ele. “Temos um time novo, cheio de gás, nas figuras também do Peter e do Pátria para fazer andar esse outro lado que talvez não tenha performado como previsto.”
Boa parte dos problemas enfrentados pela Infracommerce, com reflexo em suas ações, teve origem na série de aquisições feita desde o IPO. Entre outras questões, esses acordos geraram desafios de integração e pesaram no balanço da empresa, dadas as condições de pagamento dessas transações.
Desde o segundo semestre de 2022, a companhia vem tentando equacionar esse cenário, a partir de medidas como aumento de capital e renegociação de suas dívidas. Um dos últimos movimentos nessa direção foi feito em dezembro de 2023, quando a empresa captou R$ 400 milhões em um follow on.
A operação contou justamente com a participação do Pátria Investimentos, que, via fundos, adquiriu 37,5 milhões de ações por R$ 60 milhões. Quem também atuou como investidor âncora foi a Compass Group, com a compra de 15,5 milhões de ações por R$ 24,8 milhões.
Para consolidar essa virada, Murias traz, além de passagens por empresas como BRMalls, Boticário e C&A, o turnaround que conduziu na Valid como principal cartão de visitas. Alguns números traduzem os resultados obtidos em pouco mais de três anos da sua gestão.
Quando o executivo assumiu a Valid, a empresa acumulava, entre janeiro e setembro de 2020, uma
receita líquida de R$ 1,4 bilhão e um Ebitda de R$ 31,3 milhões. Em igual período de 2023, a receita foi de R$ 1,6 bilhão e o Ebitda de R$ 410,6 milhões.
Na mesma base de comparação, a Valid saiu de um prejuízo líquido de R$ 148,4 milhões para um lucro líquido de R$ 177,6 milhões. Já sua dívida líquida recuou de R$ 724 milhões para R$ 126 milhões. Enquanto a alavancagem, medida pela relação dívida líquida/Ebitda, saiu de 3,6 vezes para 0,2 vez.
No novo desafio, Murias ressalta três dimensões que estarão no centro dos primeiros meses de sua gestão na Infracommerce. O primeiro e, talvez, o principal deles, é concentrar boa parte dos esforços na operação local da companhia.
“A Infracommerce tem bons resultados nas outras oito geografias da América Latina, enquanto, no Brasil, a operação vive um momento mais delicado, em função da série de aquisições que foram feitas e que, agora, precisam ser melhor integradas”, afirma.
Um segundo pilar em avaliação seria uma provável inflexão no posicionamento da companhia, que, em sua visão, sempre se colocou como uma plataforma pura de tecnologia, concorrente de nomes como VTEX e Shopify. Seu olhar, a princípio, é mais amplo.
“A Infracommerce seja, talvez, um integrador de plataformas. Até mesmo porque, o full commerce não está restrito à tecnologia, mas também a frentes como logística, entre tantas outras”, diz. Para ele, essa visão leva a um terceiro pilar, que é como a empresa vai alocar capital dentro dessa proposta.
“Então, o foco inicial seria acertar o Brasil, o posicionamento da companhia e a alocação de capital”, ressalta. “Com a estrutura de capital já equacionada pelo follow on, e essa tríade, se bem trabalhada, temos tudo para colocar a Infracommerce no eixo bem rápido.”
Divulgado no último dia 19 de março, o balanço da Infracommerce com os resultados no quarto trimestre e no ano consolidado de 2023 traz um bom retrato do contexto que o executivo irá encontrar na nova casa.
Entre outubro e dezembro, a empresa apurou um prejuízo líquido de R$ 110,2 milhões, ampliando a perda de R$ 71,5 milhões registrada em igual período, um ano antes. No consolidado de 2023, o prejuízo foi de R$ 290,8 milhões, contra R$ 263,4 milhões em 2022.
Com os recursos do follow on, a empresa encerrou o período com uma posição de caixa de R$ 424,2 milhões, ante R$ 209,6 milhões no terceiro trimestre de 2023. Já a dívida líquida, incluindo os saldos restantes de parcelas de aquisições, saiu de R$ 608,3 milhões, três meses antes, para R$ 305,4 milhões.
A alavancagem da companhia, medida pela relação dívida líquida/Ebitda ajustado foi de 1,3 vez no quarto trimestre de 2023, contra 2,1 vezes em igual período de 2022. A receita líquida trimestral cresceu 2,6%, para R$ 268,5 milhões, e, a anual, 20,3%, para R$ 1,07 bilhão.
Na B3, as ações da empresa, avaliada em R$ 586,3 milhões, registravam queda de 6,12% por volta das 11h20, cotadas em R$ 0,92. No acumulado de 2024, os papéis da companhia têm queda de 50,2%.