Em outubro de 2020, Ivan Murias tornou-se o primeiro CEO da Valid a não ser formado nas fileiras da companhia em seus mais de 60 anos. Com passagens por C&A, Tok&Stok, BRMalls e O Boticário, o executivo não entra na história da empresa de tecnologia e identificação apenas por esse episódio.

Desde que assumiu o posto, Murias comandou uma ampla reestruturação na operação, mais conhecida pela emissão de documentos como RGs e CNHs, além da produção de cheques, cartões e de SIM Cards. Era preciso renovar a identidade da empresa, especialmente diante do avanço das chamadas idtechs.

Após cumprir essa etapa, a Valid entende que é hora de virar a página e escrever novos capítulos. Mas, agora, sob outra direção. Com esse argumento, na noite de segunda-feira, 19 de fevereiro, a empresa anunciou Ilson Bressan, executivo prestes a completar quatro anos na casa, como seu novo CEO.

“Quando você tem um ciclo bem-sucedido, como foi o nosso, é natural que se tenha uma zona de acomodação até que se crie um novo ciclo de crescimento”, diz Murias, ao NeoFeed. “Nesse contexto, achamos por bem fazer essa transição, mas no sentido de continuidade, não de ruptura.”

Bressan, que até então atuava como diretor da unidade de identificação e governo digital, se alinha a esse discurso. “É um bom momento para encerrar um ciclo e começar um novo. O trabalho nesses últimos três anos foi muito bem feito, o que permite que nós sejamos mais ousados agora.”

A dupla irá trabalhar nessa passagem de bastão até 31 de março, no que classifica como uma transição “tranquila e bem pensada”. Em 1º de abril, Bressan assume como CEO. Já Murias, que não manterá nenhum laço com a empresa, ainda não definiu seus próximos passos. Mas tem uma certeza em mente.

“Vou reservar um período para sentar, pensar e me encaixar em outro turnaround tão profícuo quanto foi o da Valid”, observa. “Meu perfil é mais adequado para esse tipo de trabalho. Eu gosto de colocar ordem na bagunça, o que não reflete o momento atual da empresa.”

Alguns números mostram como a lição de casa foi feita na Valid. Quando Murias assumiu, a empresa acumulava, entre janeiro e setembro de 2020, uma receita líquida de R$ 1,4 bilhão e um Ebitda de R$ 31,3 milhões. Em igual período de 2023, a receita foi de R$ 1,6 bilhão e o Ebitda de R$ 410,6 milhões.

Uma das principais mudanças, porém, veio na última linha do balanço. Na mesma base de comparação, a companhia evoluiu de um prejuízo líquido de R$ 148,4 milhões para um lucro líquido de R$ 177,6 milhões.

Ivan Murias comandou a reestruturação da Valid, iniciada em outubro de 2020
Ivan Murias comandou a reestruturação da Valid, iniciada em outubro de 2020

Já a dívida líquida da operação recuou de R$ 724 milhões para R$ 126 milhões. Enquanto a alavancagem, medida pela relação dívida líquida/Ebitda, saiu de 3,6 vezes para 0,2 vez no fim do terceiro trimestre de 2023.

O desempenho se refletiu no mercado de capitais. De um valor de mercado, há pouco mais de três anos, na faixa de R$ 656 milhões, a companhia vale, hoje, R$ 1,59 bilhão. Nos últimos doze meses, suas ações acumulam uma valorização de 130,3%.

Governo digital e M&As

O turnaround conduzido por Murias passou por medidas como a venda de fábricas no Rio de Janeiro e em São Bernardo do Campo (SP), além do desinvestimento em ativos nos Estados Unidos, em linha com a decisão de concentrar seus esforços no mercado brasileiro.

Ao mesmo tempo, a Valid investiu em áreas como a digitalização do seu portfólio, em particular na área de identificação digital, justamente o braço que era comandado, até o momento, por Bressan. E que, nesse novo ciclo, é onde a empresa deposita as suas principais fichas.

“Temos agora uma avenida mais ampla em identificação, que se abriu com os projetos de governo digital”, diz Bressan. Um passo recente foi a parceria com a Cybernetica, empresa da Estônia, país que é referência global em governo digital.

O acordo envolve a transferência de tecnologias da Cybernetica, além de prever, em um segundo momento, o desenvolvimento de uma versão local da plataforma da companhia, adotada em 35 países.

Já o contrato mais recente foi firmado com o governo do Ceará, onde a empresa já trabalhava com órgãos como o Detran. Com duração de cinco anos e um valor total de R$ 300 milhões, o novo contrato inclui projetos como a emissão do RG digital e o desenvolvimento de um portal de serviços.

“Existem mais projetos no radar, em diferentes estágios e maturidades, em outras regiões. Temos mais seis estados no pipeline, com negociações avançadas”, observa Bressan. O segmento de e-gov também está atrelado a outra frente que vai ganhar mais fôlego nesse novo ciclo: os M&As.

“Com a reorganização da estrutura de capital e a dívida próxima de zero, a partir de agora, nosso ritmo em aquisições vai ser um pouco mais intenso”, acrescenta o novo CEO. Em 2023, o único acordo feito foi a compra da Flexdoc, de automação de processos e validação de usuários.

A busca por empresas com ferramentas de e-gov, onboarding digital, prevenção a fraudes e baseadas em inteligência artificial serão alguns dos pontos considerados em novos M&As, que, dependendo do porte, poderão ser fechados pelo Valid Ventures, o corporate venture capital (CVC) da companhia.

“São teses diferentes, que irão definir o tamanho do cheque. Aquilo que estiver mais próximo do nosso core, vamos buscar uma participação maior”, diz Bressan. “Já o que estiver mais distante do que fazemos vamos começar mais como um teste, por meio do CVC.”