Como se não bastassem as peças soltas entre os sócios da Tok&Stok, o fundo de private equity Carlyle e a família Dubrule, a rede varejista de móveis precisou montar uma rápida operação para evitar um pedido de falência. O processo aberto no fim de abril pela empresa de tecnologia Domus, que prestou consultoria in house entre 2019 e 2022, requeria o pagamento de uma dívida de R$ 4,22 milhões.

Com um endividamento na casa dos R$ 350 milhões, a Tok&Stok precisou correr para evitar a falência por um valor que não chega a 1,5% do total devido pela companhia. Na terça-feira, 27 de junho, a decisão da juíza Clarissa Somesom Tauk, da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo, veio a público “elidindo o pedido de falência” em razão do depósito feito pela rede de móveis para a sua antiga consultora de tecnologia.

A Tok&Stok evitou um desgastante processo de falência, mas a demanda da Domus parece um pequeno parafuso entre tantos espalhados no chão da rede varejista. Na noite anterior, segunda-feira, 26, o Carlyle comunicou ao mercado que havia conseguido negociar com os bancos credores sua dívida. Após um aporte de R$ 100 milhões, houve uma extensão do prazo de pagamento de dois anos.

“A conclusão dessa reestruturação financeira representa um sinal de confiança tanto dos credores financeiros, como dos próprios acionistas, que seguem otimistas em relação à retomada operacional da marca”, diz um trecho do comunicado oficial distribuído à imprensa. E complementa: “Como resultado do processo de reestruturação, a companhia já apresenta geração de caixa positiva em 2023.″

Embora o tom seja de apaziguamento em uma crise que se estende por mais de seis meses, o NeoFeed conversou com pessoas próximas da operação da Tok&Stok para entender o que leva uma empresa admirada e líder em um segmento a flertar com a falência.

Apesar da trégua conseguida com credores, um "elefante" ainda não saiu da sala do Carlyle e da família Dubrule. A relação segue desgastada por conta de trocas sucessivas de comando da rede varejista ao longo dos últimos anos (Roberto Szachnowicz, ex-presidente da Etna, assumiu a Tok&Stok em abril e é o sexto CEO indicado pelo fundo de private equity em seis anos) e uma série de erros de estratégia que não podem ser atribuídos apenas ao efeito dominó das altas do juros e da crise da Americanas.

Desde o início do ano, a Tok&Stok vinha atrasando o pagamento de aluguéis. Na semana passada, o grupo Iguatemi conseguiu uma liminar de despejo da loja no shopping de Ribeirão Preto. Em março, a Vinci Partners já havia feito o mesmo no centro de distribuição localizado no Extrema Business Park I, em Minas Gerais (um depósito judicial, mais uma vez, foi a solução).

“A falta de pagamento de aluguel é um claro sinal de alerta em uma empresa varejista. Não se deixa de pagar, se negocia com o Carlinhos Jereissati (Iguatemi), com o Eduardo Peres (Multiplan)...”, diz um experiente executivo do setor de varejo. “A situação piora quando se fala em despejo de um centro de distribuição. Onde vão armazenar os seus produtos?”

A Tok&Stok informa que nesse processo de reestruturação, 17 das 68 lojas foram fechadas.

Uma relação nada amistosa

O que mais intriga no caso da Tok&Stok é como uma empresa que se preparava para o IPO no pós-pandemia e chegou a ter um plano de atingir R$ 10 bilhões em valor de mercado até 2027 viu sua estrutura desmoronar em poucos meses.

As fontes consultadas pelo NeoFeed foram unânimes em creditar o atual momento da rede varejista de móveis ao início da sociedade entre a gestora de private equity Carlyle, companhia com US$ 381 bilhões sob gestão no mundo, e a família francesa Dubrule.

Fundada em 1978 pelo casal Ghislaine e Régis Dubrule, a Tok&Stok teve o controle adquirido pelo Carlyle em 2012. O fundo de private equity pagou, na época, R$ 700 milhões por 60% da empresa de móveis e decoração.

Em um movimento incomum, o Carlyle deixou Ghislaine no comando, com Régis e o filho Paul atuando no conselho de administração. Durante cinco anos, mesmo com a relação entre os sócios não sendo das mais amistosas, relataram fontes ao NeoFeed, o fundo de private equity não mexeu no comando familiar.

“Não é comum um fundo como o Carlyle ficar tanto tempo nos ativos, mas a Tok&Stok estava indo bem e eles estavam cuidando da Ri Happy, que tinha consolidado o setor com a PBKids e a saída parecia mais próxima”, diz o sócio de um escritório de M&A. “Mas eles não conseguiram e já estão, há mais de uma década, perdendo várias oportunidades nas duas empresas. Agora talvez seja mais difícil.”

Com o período de recessão de 2015 e 2016, quando o PIB nacional caiu 3,8% e 3,6%, respectivamente, o Carlyle decidiu mexer no comando da Tok&Stok - unilateralmente. Ghislaine Dubrule deu lugar a Luiz Fazio, um executivo com uma experiência de mais de três décadas no varejo, mas que tinha uma cultura totalmente diferente da família.

Uma varejista para quem é do ramo

A partir desse momento, a relação entre Carlyle e os Dubrule azedou. Mas, com seu gênio forte e centralizador, Fazio conseguiu fazer com que a Tok&Stok registrasse um salto de 119% no lucro líquido de 2017, para R$ 23,5 milhões.

“O Fazio era o primeiro intruso naquela gestão familiar, o que causou um alvoroço internamente. Essa foi a primeira batalha jurídica importante entre os dois lados”, afirma uma pessoa próxima ao executivo.

Fazio ficou 12 meses na Tok&Stok e saiu para comandar o Walmart. A cadeira de CEO passou a ser ocupada por Ivan Murias, que tinha passado por C&A e O Boticário. Uma de suas primeiras ações foi promover a transformação digital da rede varejista de móveis e decoração - em 2018 apenas 1% das vendas vinha do canal digital.

É nesse momento que a Domus, que pediu a falência da Tok&Stok, entra na vida da rede varejista. Murias conseguiu atrair a empresa de tecnologia com um modelo de remuneração que seria vantajoso para as duas partes. A rede varejista conseguiria acelerar a sua transformação digital e a Domus teria a recompensa no sucesso da abertura de capital (IPO). Caso isso não se concretizasse, metas objetivas dariam à empresa de tecnologia uma remuneração por ter aceitado o risco.

“Se o Murias não tivesse tomado essa decisão, a Tok&Stok teria falido no primeiro dia de lockdown, em março de 2021. Não existia maturidade digital para fazer 99% das vendas físicas por um canal que poucos anos antes não existia. A empresa teria implodido”, diz um executivo que acompanhou esse processo de perto.

O projeto de transformação digital da Tok&Stok não era simples. Assim como muitas empresas criadas antes dos anos 2000, os sistemas eram desenvolvidos dentro de casa e iam ganhando “puxadinhos” ao longo dos anos. Para quem estava acostumado com softwares de gestão como SAP ou Oracle, ver todas as operações da companhia em sistemas antigos exigiu tempo de desenvolvimento, principalmente para a integralização de todos os canais.

O certo é que a Tok&Stok foi bem-sucedida e saiu da pandemia com o canal digital fortalecido. O resultado das vendas online se estabeleceram entre 25% e 30% do faturamento. Para uma empresa que só tinha catálogos e fazia anúncios no meio físico, a rede varejista mudou de patamar.

Uma empresa à beira do IPO

Nesse meio tempo, a tese de home decor explodiu. Com as pessoas confinadas em casa em razão da pandemia, o patamar de vendas desse segmento aumentou.

“As teses mais sexies naquele momento eram as de growth. Mobly e Westwing estavam na frente, mesmo com a Tok&Stok preparada para entregar uma consistência de crescimento de 10% a 15% ao ano”, diz um profissional que acompanhou esse processo.

O problema em ter competidores no mesmo segmento como Mobly e Westwing foi que os fundos que decidiram ancorar o IPO da Tok&Stok só topavam, naquele momento, entrar na abertura de capital por um valuation inferior ao pretendido pelos sócios.

Tanto Carlyle como a família precisavam abrir mão de participações maiores, mas, no fim, a empresa só iria a mercado com uma fatia de 30% (somando a parte da família e do fundo de private equity). Para os bancos de investimento, naquele momento, era uma participação pequena frente ao que conseguiriam com os concorrentes do mesmo segmento.

“Em retrospectiva, o Carlyle queria R$ 3 bilhões e o mercado precificou em R$ 2 bilhões. Era 10 vezes o Ebitda de R$ 200 milhões naquele momento e estava correto. Mas a falta de diálogo não deixou seguir em frente. Hoje não conseguiriam nem isso”, diz essa mesma fonte.

É preciso destacar que a Tok&Stok perdeu a onda de listagem em bolsa, mas suas concorrentes não conseguiram capturar valor a partir daquele momento. Em fevereiro de 2021, a Mobly começou a negociar a ação a R$ 21 e movimentou R$ 812 milhões. Hoje, o papel está em R$ 4,20 para um valor de mercado de R$ 448,3 milhões. Já a Westwing levantou R$ 1,16 bilhão com o preço de estreia da ação em R$ 13,00. Agora, o papel está sendo negociado a R$ 1,68 com valor de mercado de R$ 188 milhões.

Tanto o IPO era uma realidade para a Tok&Stok que mais uma mexida na principal cadeira executiva foi feita. Murias era considerado um executivo experiente, mas sem vivência de companhias abertas, algo que incomodava o Carlyle. Por isso, Octavio Lopes, que tinha feito um bom trabalho na Equatorial Energia, foi trazido para a posição - mesmo sem experiência no varejo.

Sem aproveitar a janela do IPO, os anos de 2021 e 2022 se mostraram desafiadores para as redes varejistas. A Tok&Stok estava inserida nesse contexto. “O Carlyle confiava tanto no Octavio que aceitou um crescimento artificial. Qualquer varejista que não sabe o que fazer na crise abre mais lojas para ganhar escala. Esse era o momento de fechar e não queimar caixa”, diz uma fonte que conhece o dia a dia do setor.

Nesse meio tempo, o Carlyle acertou a transferência de seus fundos locais para a gestora SPX, que estava criando uma área de private equity dentro de sua estrutura. Desde abril de 2021, o time liderado por Fernando Borges instalou toda a estrutura dentro da SPX. As gestoras têm um acordo estratégico de cooperação e coinvestimento.

Novo CEO (mais um) na Tok&Stok

Em julho de 2022, mais uma mudança no comando da Tok&Stok. Com a saída de Lopes para a Light, o Carlyle decidiu migrar um de seus managing directors do conselho para a cadeira executiva: Daniel Sterenberg.

O quarto executivo fora do círculo da família Dubrule tinha todo o histórico dos anos recentes por ter acompanhado de perto o sucesso e a dificuldade da rede varejista de móveis e decoração.

“Adiar o IPO foi a melhor solução”, disse ele, em entrevista para O Globo, prevendo uma nova janela a partir de 2024. “Desde 2019, a gente dedicava 90% do tempo à transformação tecnológica.”

As pessoas que acompanharam a chegada de Sterenberg relataram ao NeoFeed que se passava confiança de que a empresa estava se reequilibrando após o movimento agressivo e acelerado do pós-pandemia. Falava-se, por exemplo, de alcançar um valuation de R$ 10 bilhões em cinco anos.

Sterenberg só conseguiu permanecer até fevereiro, quando todo o varejo foi levado pelas consequências do caso Americanas. A Tok&Stok já estava em dificuldade de caixa, passou a atrasar os pagamentos de aluguel e contratou a consultoria Alvarez & Marsal para comandar a reestruturação.

Por um curto período, após a saída de Sterenberg, Ghislaine Dubrule voltou ao cargo de CEO. Mas o Carlyle decidiu indicar o sexto nome nos últimos seis anos e desde abril Roberto Szachnowicz, ex-presidente da Etna, assumiu a rede varejista.

“A Tok&Stok tem um problema societário, de duas partes que nunca se deram bem. Os principais problemas nasceram ali no começo”, diz uma pessoa próxima da operação.

Uma das saídas seria buscar uma fusão.  Conforme informou Pipeline, em março, a Tok&Stok contratou o Bradesco BBI para negociar uma fusão com a Mobly, que está sendo assessorada pelo Itaú BBA.

A Mobly confirmou em fato relevante, à época, que as companhias estavam em tratativas. A contratação de Szachnowicz seria uma sinalização nessa direção - um executivo que conhece o setor seria capaz de fazer duas empresas em dificuldade se tornar uma nova companhia em direção ao crescimento.

Procuradas pela reportagem, Tok&Stok e Carlyle informaram que não se pronunciaram além do comunicado oficial.

A SPX reforça que absorveu os fundos locais do Carlyle, mas que a Tok&Stok é controlada pelos fundos internacionais da gestora de private equity, que foi a responsável pelo aporte.

Os executivos citados não quiseram se manifestar para a reportagem. A família Dubrule não retornou o pedido de entrevista.

A empresa de tecnologia Domus encaminhou esta nota oficial:

"A Justiça proferiu decisão favorável à consultoria Domus Aurea Serviços de Tecnologia em ação na qual a empresa pedia a falência da Tok&Stok.

A Domus entrou com o pedido de falência em 21 de abril de 2023 porque a Tok&Stok estava há três meses sem pagar parcelas de um distrato firmado depois que alguns sócios da consultoria deixaram de prestar serviços para a varejista, em abril de 2022.

Apesar de contestar o pedido de falência, a Tok&Stok depositou em juízo o valor de R$ 4,2 milhões devidos à Domus, referentes aos meses de janeiro, fevereiro e março. Assim, a falência da varejista não foi decretada. Por determinação judicial, a Domus poderá sacar os recursos depositados em juízo.

A decisão foi da juíza Clarissa Somesom Tauk, da 3ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo.

A Tok&Stok segue em atraso com os pagamentos do distrato referentes a abril e maio. A Domus permanece aberta a negociações com a varejista, mas poderá recorrer novamente à Justiça para receber o que lhe é devido."