Depois de passar os últimos dois anos reinando soberana, impulsionada pela Selic na casa dos 13,75% ao ano, a renda fixa começa a ver o seu domínio diminuir. Em meio às expectativas de que os juros começarão a cair ainda neste ano, a Bolsa começa a brilhar com uma alta acumulada de quase 12% em 2023. Esse momento de virada de ciclo, que tem atraído boa parte da indústria, não enche os olhos da Kinea Investimentos.

O braço de investimentos alternativos do Itaú Unibanco segue otimista com as perspectivas da renda fixa. Depois de captar R$ 2,1 bilhões em maio, período em que os fundos de renda fixa somaram resgates de R$ 29,6 bilhões, a casa comandada por Marcio Verri vê espaço para manter essa toada e, de quebra, ir ganhando espaço em um mercado dominado pelos grandes bancos.

“Quando olhamos o mercado observamos que existe espaço para até dobrarmos o nosso tamanho em renda fixa”, diz Roberto Elaiuy, gestor de fundos de renda fixa, ao NeoFeed. “O mercado de renda fixa é gigantesco e se você captura 10% desse dinheiro, é muito dinheiro.”

De acordo com a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o patrimônio líquido da categoria é de R$ 2,9 trilhões - os cinco grandes bancos (Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Caixa e Santander) concentram R$ 2,25 trilhões ou 77,5% desse montante. A Kinea, que conta com R$ 78 bilhões em ativos sob gestão, concentra R$ 17,8 bilhões nessa estratégia - uma pequena fração frente ao mercado em geral.

Para aumentar essa participação, a Kinea tem apostado em trazer um pouco mais de “pimenta” ao portfólio de renda fixa. “A gente tem focado o nosso esforço de venda e de gestão para beneficiar os fundos com volatilidade mais alta, de 3% a 4%”, diz Elaiuy.

Segundo ele, essa volatilidade, combinada com uma gestão ativa do portfólio, tem se traduzido em bons resultados para a casa e diferenciado a Kinea no mercado. Enquanto a captação da casa totaliza R$ 6,6 bilhões neste ano, a renda fixa registra uma saída de R$ 220,5 bilhões.

No acumulado do ano até maio, o fundo de renda fixa mais arriscado da Kinea, o IPCA Dinâmico, que busca superar o IPCA com uma volatilidade de 4% ao ano, apresenta retorno de 7,76%/ E o Dakar, que visa superar o CDI com uma volatilidade anual de 2% a 3% ao ano, registra alta de 7,61%. No mesmo período, o CDI acumulou alta de 5,37%.

Roberto Elaiuy, gestor de fundos de renda fixa da Kinea

Elaiuy conta que os dois fundos “apimentados” reagiram bem à visão um pouco mais otimista da Kinea em relação à renda fixa, externada no fim do ano passado. Vendo que a inflação teria espaço para cair, abrindo caminho para cortes de juros no segundo semestre deste ano, a Kinea ficou aplicada na parte intermediária de juros e vendeu a inflação implícita no Brasil.

A expectativa é de que essa volatilidade siga repercutindo a nova estratégia para a renda fixa, consequentemente ajudando na captação. Diante da queda dos juros no Brasil, que convergiram ao cenário base, a Kinea está zerada nas posições pré-fixadas e vendida na inflação implícita.

Lá fora, a gestora começou a ficar vendida em juros nos Estados Unidos, ao ver uma leve desaceleração do mercado de trabalho, o que pode ajudar a desacelerar a inflação, levando a um fechamento da curva de juros. Ela também está vendida em dólar e comprada em euro e libra esterlina.

No mercado de crédito privado, diante da recuperação após os problemas provocados pela Americanas e a Light (segundo Elaiuy praticamente não tiveram impacto na performance), a Kinea está aproveitando para aumentar sua alocação, focando em ativos de alta qualidade e alguns gerados internamente.

Concorrência com a renda variável

Além da expectativa de que a nova estratégia siga apresentando resultados, e com a casa tendo flexibilidade para mudar a caminho, se for o caso, Elaiuy destaca que o cenário permanece bom para atrair investidores para a renda fixa.

Segundo ele, a Bolsa já está refletindo boa parte dos efeitos da queda dos juros futuros, considerando que o Ibovespa está beirando os 120 mil pontos, valor que a maioria dos gestores espera que o principal índice da B3 ultrapasse em 2023, segundo levantamento feito pelo Bank of America (BofA) este mês.

“Essa queda de juros se refletiu nos preços das ações, e daqui para frente, para a Bolsa continuar tendo um excelente retorno, que compense a maior volatilidade que ela traz ao portfólio do cliente, o cenário vai ter que ser construtivo”, afirma o gestor da Kinea.

Elaiuy diz que a expectativa para o ano é de que a economia tenha um desempenho positivo, com as empresas apresentando bons resultados. Mas o cenário esperado é repleto de desafios, a começar pelo fiscal.

Embora o arcabouço fiscal apresentado pelo governo tenha ajudado a reduzir os receios quanto à trajetória das contas públicas, no médio e longo prazo, ele não resolve os problemas. Segundo Elaiuy, do jeito que ele foi construído, boa parte do equilíbrio das contas públicas depende de arrecadação, elevando a possibilidade de aumento da carga tributária sobre as famílias e empresas, afetando o crescimento.

“O PIB agro não vai crescer tão forte quanto foi no começo deste ano, o PIB potencial do Brasil é mais baixo do que o crescimento que vamos ver neste ano”, diz. “Para frente, o crescimento é um desafio e tem a questão fiscal, que deve voltar.”

Mesmo com o movimento de queda de juros beneficiando a renda variável, as projeções indicam que a Selic ainda deve ficar numa de 9,5% a 10% em 2024, segundo Boletim Focus, mantendo a renda fixa atrativa.

“A renda fixa ainda traz um nível de retorno bastante interessante num contexto de um mundo e o Brasil crescendo menos, e com o País com alguns desafios fiscais”, diz Elaiuy. “É bastante juro para o padrão global.”