Em meio à liquidação extrajudicial de R$ 56 bilhões do Banco Master existem 52 Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs) que estão à deriva. Eles fazem parte dos serviços de administração que o banco de Daniel Vorcaro prestava para gestoras.
O administrador de um fundo de investimento é peça-chave na defesa do interesse dos cotistas, por ser o responsável por toda a parte operacional, legal e administrativa, além de toda a transparência no cálculo do valor das cotas e divulgação de informações.
De acordo com fontes ouvidas pelo NeoFeed, passadas três semanas da liquidação pelo Banco Central, o Master ainda não deu o aval para a transferência dos FIDCs sob sua administração.
Um levantamento da plataforma de informações financeiras Uqbar mostra que o grupo Master era responsável por patrimônio líquido estimado em R$ 3,1 bilhões desses 52 FIDCs. Desses, a grande maioria são de valores pequenos. Mas três deles - da fintech Jeitto, do grupo Banminas e da Del Cred - equivalem a pouco mais da metade do patrimônio divulgado.
“A grande maioria [desses FIDCs] não tinha nenhuma relação com o Master, que é o nosso caso. A expectativa é que a transferência seja rápida. Mas não é possível precisar se será ainda neste ano ou no próximo. Só estamos aguardando os trâmites”, disse o cotista de um desses fundos no Master, que pediu para não ser identificado.
Para formalizar a transferência da administração do fundo, no entanto, é necessário que seja convocada uma assembleia, uma regra que vale mesmo em casos de cotistas únicos.
Até agora, dos 52 FIDCs citados pela Uqbar, nenhum ainda convocou assembleia para definir um novo administrador, passo compulsório, dada a liquidação do Master.
Por regulação, o patrimônio dos FIDCs está apartado da massa falida do Master. Mas há receio no mercado de que essas estruturas não estejam bem precificadas - e essa é uma função do administrador, ou seja, precificar o valor correto dos ativos.
Diferentemente de fundos líquidos, como os de ações ou de crédito high grade, em que o valor dos ativos é atualizado diariamente pelas variações de mercado, nos FIDCs, cabe ao administrador precificar os ativos da carteira, inclusive as provisões com perdas esperadas.
Essas características tornam mais complexa a transferência da administração dos FIDCs e, dada a liquidação do Master, inevitável a reprecificação dos ativos.
“Nem todos os ativos que estão lá dentro estão pelo valor correto. O que se fala no mercado é de que as provisões não estão 100% adequadas”, diz um operador de administração de fundos. “Quem pegar esses fundos, fará um grande escrutínio.”
A tendência é de que os fundos saudáveis recebam ofertas de potenciais administradores interessados em prestar o serviço. Mas há o risco de não haver interessados. Neste caso, a CVM tem a prerrogativa de designar um novo administrador para o FIDC ou decidir por sua liquidação.
O pool de FIDCs sob administração do Master é diverso, composto por veículos ligados a empresas de crédito, antecipação de recebíveis ou estruturas de wealth management.
O FIDC com maior patrimônio é o da fintech Jeitto, especializada em crédito para baixa renda, com R$ 481,7 milhões de patrimônio líquido.
Dados publicados na CVM, no entanto, revelam que o FIDC tem apenas R$ 201 milhões em crédito adimplente e R$ 879,6 milhões em créditos inadimplentes. Enquanto isso, a provisão para a redução no valor de recuperação foi estimada em R$ 598,8 milhões. Sua carteira total é de R$ 1,08 bilhão.
Uma reavaliação dessa carteira, com novo administrador exigindo um maior provisionamento, por exemplo, pode impactar negativamente seu patrimônio líquido.
Outro fundo administrado pelo Master é o FIDC Del Cred, com patrimônio líquido estimado em R$ 292 milhões. Embora apresente uma inadimplência inferior a 10% de sua carteira, a auditoria UHY Bendoraytes afirmou em documento de 30 de outubro deste ano que não foi possível concluir a auditoria por não terem recebido os relatórios trimestrais dos lastros do fundo.
“Não nos foi possível obter evidências de auditoria apropriadas e suficientes que nos permitissem concluir sobre a eventual existência de inconsistências que possam ter gerado distorções que não puderam ser identificadas, nas circunstâncias, nessas demonstrações financeiras”, afirmou a Bendoraytes.
A Bendoraytes ainda informou que uma auditoria anterior obteve evidências de que o fundo possuía imóveis oriundos da execução de garantias de direitos creditórios inadimplentes, mas que esses imóveis ainda não estavam registrados no fundo.
O NeoFeed entrou em contato com a Del Cred questionando o que seria feito com o FIDC sob administração do Master, mas não obteve resposta.
A Jeitto informou que atua com o Master apenas na administração do FIDC e que o veículo “já estava em processo de liquidação antes mesmo da decisão do Banco Central de encerrar as operações da instituição financeira”.
“Além disso, é importante reforçar que o Jeitto conta com diversos outros veículos e investidores do mercado, financiando sua carteira de crédito por meio de uma estrutura de funding amplamente diversificada”, informa a empresa em nota.