A advogada Patricia Punder recebeu o convite da juíza Andrea Galhardo Palma, da 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem, do Tribunal de Justiça de São Paulo, com entusiasmo. Especializada em governança corporativa e casos de investigação privada, seu nome estaria na decisão publicada em 26 de janeiro, à pedido do Bradesco, como a perita responsável por buscar e apreender provas do caso Americanas.

Para garantir a integridade das provas, a meritíssima Palma determinava a investigação sobre as trocas de mensagens de diretores, conselheiros, comitês de auditoria e funcionários da área de contabilidade e de finanças da Americanas nos últimos 10 anos. A rede varejista entrou com pedido de recuperação judicial e listou quase 8 mil credores que têm a receber mais de R$ 42 bilhões.

“A Americanas tem o direito de se defender; até pediram a suspensão da peritagem e da antecipação de provas. Mas essa foi uma decisão de muita coragem, ainda mais no meio de um escândalo como esse [buscar garantir a preservação das provas]”, diz Punder em conversa com o NeoFeed.

Mas, mesmo com esse enredo que parecia favorável, Patricia Punder decidiu renunciar a perícia. Ela conta que refletiu, conversou com amigos, especialistas e concorrentes e ponderou os riscos envolvidos para seguir em frente. Para Punder, o encadeamento econômico do Caso Americanas e os efeitos para a sociedade brasileira vão se aproximar do que foi o escândalo Madoff nos Estados Unidos.

“Vou tratar com a imprevisibilidade de evidências e provas e não sei o que vai sair. Essa Caixa de Pandora pode mostrar que os acionistas referência sabiam ou mesmo que foram enganados. Há desdobramentos imensos que podem acontecer. Mas eles são poderosos e influentes e repensei. Não valia a pena”, diz Punder.

Na nota que distribuiu à imprensa, ela afirma que sua decisão passa pela “potencial futura tentativa de interferência em relação aos pilares de independência e imparcialidade nos serviços forenses” e “por questões de integridade pessoal”.

A advogada afirma que não sofreu nenhum tipo de pressão externa nem foi ameaçada, mas que se sentiu fragilizada ao ver que, dias antes, a EY e a Deloitte informaram que recusaram o convite. Como KPMG e PwC foram as últimas auditorias e não poderiam participar, nenhuma das chamadas Big 4 estarão no caso. A EY, aliás, foi contratada pelo comitê independente da Americanas.

“O comitê independente está sendo criticado justamente pelo conflito de interesses, porque recebem da Americanas. São milhões de reais gastos nesse comitê. Eles têm direito, mas será que vão cumprir com os deveres deles?”, critica Punder.

Para ela, a grande questão da preservação de provas é ter o conhecimento para saber se Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, os acionistas referência da Americanas, tinham ciência da maquiagem contábil. Esse é o ponto chave para que os credores possam envolver o patrimônio pessoal do trio do 3G.

Na lista de experiências de Patricia Punder com investigações corporativas, ela participou do caso da empresa Teva Pharmaceutical, que foi extensamente investigada nos Estados Unidos por overdose por opióides. Ela era diretora de mercados emergentes da companhia e lembra que a investigação também retroagiu 10 anos na análise de provas. O tempo para conclusão foram três anos, com mais de US$ 1 bilhão em indenizações e US$ 600 milhões em multas.

Para o caso Americanas, ela já estava preparando um time de 10 pessoas sêniores, inclusive com a participação de um assessor de segurança ex-Mossad (o serviço secreto do Estado de Israel), que estava escolhendo um bunker onde ela e a equipe ficariam isolados, com máquinas criptografadas e sem ligação com a internet. Para um caso complexo e específico como esse, todos os cuidados são necessários para evitar o risco de vazamento.

Em nota, a Deloitte informa que "ao final do processo de análise das partes e do escopo do trabalho, considerando as nossas diretrizes internas, concluiu-se que há um cenário de conflito na atuação da Deloitte como perita".

Também em nota, a Americanas informou que a EY foi contratada pelo Comitê de Apuração Independente, que foi constituído para investigar a origem das inconsistências contábeis.