Com um desembolso de cerca de R$ 1,77 bilhão, em cinco aquisições, a Mater Dei foi um dos nomes mais ativos na onda de consolidação em hospitais observada entre 2020 e 2022. E, como boa parte de seus pares, desde então, o grupo também tem sofrido com os impactos da ressaca desse boom.
Agora, a rede está dando um passo para corrigir seu roteiro. Nesta quarta-feira, 29 de maio, a empresa anunciou a venda de sua fatia de 70% no Mater Dei Porto Dias, em Belém (PA), por R$ 410 milhões, para a família Porto Dias, fundadora da unidade, dona dos 30% restantes.
O valor é pouco mais da metade dos R$ 800 milhões pagos ao clã Porto Dias pela fatia em 2021. Na época, a transação incluiu a cessão de uma participação de 7% na Mater Dei à família. Essa fração também está sendo devolvida agora, com base na média do preço de tela dos últimos 30 pregões.
“Estamos fazendo um ajuste de rota com esse desinvestimento”, diz José Henrique Dias Salvador, CEO da Mater Dei, ao NeoFeed. “Havia uma concentração relevante em algumas operadoras de planos de saúde que estavam alongando demais os pagamentos, o que vinha ampliando o risco nessa operação.”
Apesar de ressaltar que esse era um caso específico dentro da rede, ele observa que o movimento se conecta com um cenário mais amplo que vem pressionando toda a cadeia da saúde. E que inclui, além dos atrasos nos repasses das operadoras, fatores como a taxa de juros ainda elevada.
“O que o mercado está enxergando lá fora é também a nossa percepção aqui dentro”, afirma Salvador. “Estávamos vendo o risco do nosso capital de giro ser ampliado por esse alongamento de pagamentos e decidimos encarar essa questão de frente.”
Há três semanas, quando a empresa reportou seu balanço do primeiro trimestre de 2024, boa parte dos analistas destacou avanços em indicadores como volume e taxa de ocupação. Mas fez ressalvas justamente sobre componentes como o capital de giro sob pressão e o aumento da dívida líquida.
A Mater Dei fechou o trimestre com R$ 241,6 milhões em caixa e equivalentes, queda anual de 26,3%. Na mesma base de comparação, a dívida líquida cresceu 13,4%, para R$ 1,02 bilhão, enquanto a alavancagem se manteve no patamar de 1,9 vez.
Segundo o CEO, o desinvestimento no Porto Dias vai proporcionar, entre outros efeitos, uma redução de 19 dias na linha de contas a receber do grupo. O reforço no caixa também vai permitir uma redução de 40% no endividamento da rede.
Com a venda, a Mater Dei reduz suas operações a oito unidades e aos estados de Minas Gerais, Bahia e Goiás, um mapa que havia sido ampliado a partir do seu apetite por aquisições. A empresa não prevê, porém, novos desinvestimentos nessa rede.
Já no que diz respeito ao caixa, o valor gerado pelo desinvestimento se soma aos R$ 200 milhões da emissão de debêntures anunciada pelo grupo no fim da semana passada. Nesse contexto, Salvador entende que tem uma situação mais confortável para tocar projetos que estão dentro de casa.
Esse pacote inclui a abertura da unidade de Nova Lima (MG), prevista para o segundo semestre, e a aceleração da integração de ativos que foram incorporados em seus M&As. Além da avaliação de projetos greenfield e de um olhar mais atento para eventuais novas aquisições.
“Caixa robusto e endividamento baixo nesse momento do setor são ouro”, diz Salvador. “Agora, com essa estrutura de capital, podemos ser procurados por outros players em processo de desinvestimento. É um recado que damos ao mercado de que estamos posicionados para esses movimentos.”
Ele observa que a rede também está aberta a acordos nos moldes da joint venture com a Atlântica Hospitais, braço da Bradesco Seguros, anunciada em janeiro. Com um aporte de R$ 600 milhões da seguradora, a iniciativa prevê, a princípio, uma unidade em Santana, na zona norte de São Paulo e vai marcar a entrada da Mater Dei no mercado paulista.
As parcerias nesse formato têm sido uma das alternativas adotadas pelos players da cadeia de saúde nesse momento ainda mais restrito do setor. Um exemplo recente envolve a própria Bradesco Seguros e a Rede D’Or, que, em maio, anunciaram a criação de uma nova rede de hospitais, a Atlântica D’Or.
“As redes passaram por um momento muito difícil, assim como parte das grandes operadoras. Agora, há uma busca por uma relação mais profícua de ambas as partes”, diz Salvador. “E essa aproximação com as fontes pagadoras está muito presente no nosso radar.”
As ações da Mater Dei fecharam o pregão desta quarta-feira com ligeira queda de 0,40%, cotadas a R$ 5,03. No ano, os papéis registram uma desvalorização de 39,7% e a companhia está avaliada em R$ 1,92 bilhão.