A saga dos direitos autorais de inteligência artificial (IA) tem rendido cada vez mais imbróglios judiciais entre os detentores de conteúdos e as empresas que estão surfando essa onda. E, nesse enredo, a mais nova protagonista é a Meta.
No capítulo mais recente desses embates, a gigante de Mark Zuckerberg saiu “vencedora” em um processo no qual treze escritores acusavam a companhia de usar ilegalmente seus livros para treinar o seu modelo de inteligência artificial, batizado de Llama, entre outras alegações.
Apesar de ressaltar que copiar sem permissão obras protegidas é geralmente ilegal, o juiz distrital Vince Chhabria proferiu decisão favorável à Meta ao aceitar o argumento da empresa de que a utilização dos livros é protegida pela doutrina de uso justo da lei de direitos autorais dos Estados Unidos.
A doutrina em questão permite a utilização de obras protegidas sem a permissão do detentor dos direitos autorais em algumas circunstâncias. E tem sido um argumento recorrente nas defesas das empresas de tecnologia.
O juiz refutou em seu parecer o “argumento pouco convincente dos escritores de que essas cópias causam ou ameaçam causar danos significativos ao mercado”. E observou que a prática da Meta de “copiar a obra para um propósito transformador” é protegida pela doutrina de uso justo.
Ele ressaltou ainda que, embora possa haver argumentos válidos de que essas práticas utilizadas pela companhia impactam negativamente o mercado editorial, os autores da ação não apresentaram seus casos adequadamente.
Em comunicado citado pela rede CNBC, a Meta destacou justamente que modelos de IA de código aberto estão “impulsionando inovações transformadoras, produtividade e criatividade para indivíduos e empresas”. E que a doutrina em questão é vital para a construção dessa tecnologia.
Isso não significa, porém, que não há novos riscos para a empresa. Chhabria também apontou diversas falhas na tese da defesa da Meta. Entre elas, a noção de que o “interesse público” seria mal atendido se a companhia e outros players fossem proibidos de usar textos protegidos por direitos autorais.
Em paralelo, o juiz deixou claro que a decisão está limitada a esse caso e não impede que outras ações semelhantes de direitos autorais relacionadas à inteligência artificial da Meta sejam registradas.
“Essa não é uma ação coletiva, portanto a decisão afeta apenas os direitos desses treze escritores – não os inúmeros outros autores cujos trabalhos a Meta utilizou para treinar seus modelos”, escreveu Chhabria, acrescentando que a decisão não sustenta a tese de que essas práticas sejam lícitas.
Uma outra ação nesta semana seguiu um roteiro semelhante. Na terça-feira, um juiz federal também recorreu à doutrina do uso justo para decidir que a Anthropic não violou a lei ao treinar o Claude, seu modelo de IA, com livros protegidos por direitos autorais.
Ele ressaltou, no entanto, que a startup, que tem Amazon e Google entre seus investidores, deve enfrentar um julgamento sob a alegação de ter feito o download e armazenar mais de 7 milhões de livros pirateados para alimentar seu modelo.
As duas ações engrossam uma lista cada vez mais extensa. E que não está restrita ao âmbito da literatura e já se estende a segmentos como jornalismo e música. O The New York Times, por exemplo, processou a OpenAI, dona do ChatGPT e a Microsoft, sob a alegação de uso não autorizado dos seus artigos.
Na indústria fonográfica, players como Sony Music, Universal Music e Warner também processaram a Suno e a Udio, acusando as duas companhias de inteligência artificial de explorarem milhões de músicas para treinarem modelos que poderiam recriar canções com derivações.
Neste mês, em outro episódio recente, a Walt Disney e a Universal registraram na Califórnia o primeiro processo de direitos autorais de IA movido por gigantes de Hollywood, em uma ação que envolveu sete entidades corporativas dos dois estúdios.
No caso, os dois grupos acusam a Midjourney AI pelo uso de material protegido por direitos autorais para recriar imagens geradas por IA. Entre os exemplos citados estão personagens como Darth Vader, da franquia Star Wars; Homem de Ferro, da Marvel; e Buzz Lightyear, da Pixar.
"A Midjourney é a típica aproveitadora de direitos autorais e um poço sem fundo de plágio", afirmaram a Walt Disney e a Universal na ação, classificando as práticas como "calculadas e intencionais". As duas empresas ressaltaram ainda que solicitaram à startup que cessasse as violações e que foram ignoradas.
A própria Midjourney AI enfrenta outras acusações. Há um ano, um juiz federal da Califórnia entendeu que um grupo de 10 artistas apresentou argumentos convincentes de que a empresa e outras companhias de IA haviam copiado e armazenado seus trabalhos sem permissão.