A Microsoft não tem economizado na corrida pela dianteira na inteligência artificial. Prova disso são os laços estreitos que a gigante de Redmond mantém com a OpenAI, dona do ChatGPT, que foram reforçados por um investimento de US$ 10 bilhões na startup comandada por Sam Altman.

Agora, a big tech americana está novamente abrindo o cofre para avançar nessa seara. Desta vez, porém, em outro território. A Microsoft anunciou na terça-feira, 16 de abril, um investimento de US$ 1,5 bilhão na G42, startup de inteligência artificial dos Emirados Árabes Unidos (EAU), apoiada pelo governo local.

Com o novo aporte, a G42, fundada em 2018, chega a um volume total de US$ 2,3 bilhões captados. Antes da Microsoft, a empresa já havia atraído duas rodadas lideradas pela Silver Laker Partners e o Mubadala.

“Nossas empresas trabalharão juntas não apenas nos Emirados Árabes Unidos, mas para levar a inteligência artificial, a infraestrutura digital e serviços para nações carentes”, afirmou, em nota, Brad Smith, presidente da Microsoft, que passará a ocupar um assento no board da startup.

Peng Xiao, CEO da G42, também falou sobre a rodada: “Essa parceria amplia significativamente a nossa presença no mercado internacional, combinando as capacidades únicas de IA da G42 com a robusta infraestrutura global da Microsoft.”

Entre outros pontos, o investimento prevê que a startup rode seus aplicativos e serviços na Microsoft Azure, plataforma de nuvem da Microsoft, com abertura para ofertas em parceria de ferramentas de inteligência artificial para grandes empresas e clientes do setor público.

O acordo também inclui o plano de desenvolver profissionais especializados em inteligência artificial na região. Para isso, as duas empresas se comprometeram a criar um fundo de US$ 1 bilhão destinado a desenvolvedores.

A Microsoft e a G42 ressaltaram ainda que o aporte contempla um acordo intergovernamental, que trata de questões como leis de comércio, segurança, integridade empresarial e “inteligência artificial responsável”. O documento foi elaborado com a consulta dos governos de ambos os países.

“Vamos combinar tecnologia de classe mundial com padrões líderes globais para uma IA segura, confiável e responsável, em estreita coordenação com os governos dos Emirados Árabes Unidos e dos Estados Unidos”, acrescentou Smith, da Microsoft.

Muito além desse discurso oficial e das fronteiras das duas empresas, nos bastidores, o investimento bilionário, que, ao que tudo indica, teve uma participação relevante dos governos de ambos os países, sinaliza uma mudança importante no diálogo esses dois atores.

Nos últimos anos, a conversa entre os Estados Unidos e os Emirados Árabes Unidos tem sido bastante prejudicada pela proximidade crescente do governo local, um antigo aliado americano, com a China, à medida que o país tenta reduzir a dependência do petróleo e diversificar sua economia.

Essa aproximação vem se traduzindo, por exemplo, no interesse de fabricantes chineses de carros elétricos pelo mercado dos Emirados Árabes Unidos. Ao mesmo tempo, isso se reflete em investimentos nesses players, entre eles, a Nio, que captou US$ 738,5 milhões junto a um fundo local em 2023.

Diante desses vínculos crescentes e da guerra comercial travada com a China, o governo dos Estados Unidos chegou a pressionar para que os Emirados Árabes Unidos cortassem as relações com companhias chinesas, como a Huawei, sob o risco de perderem o acesso a tecnologias americanas.

Antigo e grande “desafeto” dos EUA, a Huawei é um dos nomes que integram, desde 2019, a lista de empresas com as quais as companhias americanas estão proibidas de manter quaisquer relações comerciais.

Em um dos reflexos dessa política, no mesmo ano em que a Huawei passou a constar dessa relação, o Google suspendeu qualquer atualização do seu sistema operacional Android para os smartphones da marca chinesa.

Brad Smith, da Microsoft (à esq.), o xeique Tahnoun bin Zayed al Nahyan e Peng Xiao, CEO da G42
Brad Smith, da Microsoft (à esq.), o xeique Tahnoun bin Zayed al Nahyan e Peng Xiao, CEO da G42

Em janeiro deste ano, a própria G42 correu o risco de reforçar essa relação. Na época, deputado republicano Mike Gallagher, pediu ao Departamento de Comércio dos Estados Unidos examinasse de perto a startup.

A alegação do parlamentar era de que a G42 matinha relações justamente com companhias como a Huawei e a Tencent. Além de trabalhar com serviços militares e de inteligência da China, e de ter investido em companhias chinesas, como a ByteDance, dona do TikTok.

Em outro ponto, a acusação foi reforçada com a informação de que Peng Xiao, CEO da G42, teve uma passagem no alto escalão da DarkMatter, empresa que desenvolve ferramentas de espionagem e vigilância.

“No domínio das tecnologias avançadas, temos perseguido uma estratégia comercial desde 2022 para nos alinharmos totalmente com os nossos parceiros americanos e não nos envolvermos com empresas chinesas”, afirmou a G42, na oportunidade, em comunicado.

Nesse cenário, a Microsoft e a G42 ressaltaram que a colaboração entre as duas empresas teve início e se fortaleceu no último ano. Isso inclui, por exemplo, um plano conjunto, anunciado em abril de 2023, para desenvolver soluções de IA para o setor público e a indústria.

Em um escopo mais amplo, a própria OpenAI, investida da Microsoft, vem se aproximando da startup. Em outubro, as duas empresas anunciaram uma parceria para oferecer ferramentas de ponta de IA para os Emirados Árabes Unidos e a região.

Ao mesmo tempo, o país foi uma das escalas escolhidas por Sam Altman, CEO da OpenAI, para viabilizar seu ambicioso plano de captar entre US$ 5 trilhões e US$ 7 trilhões para “remodelar” a indústria de chips e acelerar o desenvolvimento da inteligência artificial.

Em sua peregrinação para captar essa cifra estratosférica, Altman se reuniu no início do ano com o xeique Tahnoun bin Zayed al Nahyan, que atua como conselheiro de segurança e é irmão de Mohamed bin Zayed al Nahyan, presidente dos Emirados Árabes Unidos.

As ações da Microsoft estavam sendo negociadas com ligeira alta de 0,50% por volta das 12h (horário local) na Nasdaq. No ano, os papéis da companhia, avaliada em US$ 3 trilhões, acumulam uma valorização de 12%.