Uma semana após apresentar uma medida cautelar para preservar seu caixa, a Americanas entrou, na quinta-feira, dia 19 de janeiro, com um pedido de recuperação judicial em caráter de urgência, que foi rapidamente deferido pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro.
Com a decisão, a companhia conseguiu suspender os processos de cobranças e protestos na Justiça que vinha sofrendo, o que deve dar a ela fôlego para elaborar um plano para se reestruturar, pagar seus credores e, quem sabe, seguir em frente.
Mas a decisão não significa que a Americanas esteja livre de responder a outros tipos de processos. A revelação de “inconsistências contábeis” de R$ 20 bilhões fez fundos e gestoras se articularem para estudar entrar com ações indenizatórias contra a companhia, buscando reaver parte das perdas, com algumas casas registrando perdas de mais de R$ 200 milhões.
"Para os [acionistas] minoritários, a vida segue apesar da recuperação judicial, porque eles não estão intitulados a receber algo no processo", diz Andréa Seco, sócia do Almeida Advogados, que está conversando com esses investidores para estudar a possibilidade de entrar com processos de indenização no Brasil e no exterior.
Ela não revela os nomes das gestoras e fundos com quem está conversando, mas diz que se trata de mais de uma dezena, algumas delas de renome no mercado financeiro. Além de Seco, outros três sócios estão envolvidos no caso, sendo que um deles está nos Estados Unidos, buscando parceiros locais para tocar o processo.
Seco destaca que o caso ainda está nos estágios iniciais, uma vez que as "inconsistências" foram reveladas há pouco mais de uma semana ao mercado. No momento, o escritório está recolhendo provas e definindo quem está passível de responsabilização, dentro e fora da companhia.
O Almeida Advogados estuda conduzir o caso em duas frentes. A primeira é pelos Estados Unidos, por meio de uma class action representando detentores de ADRs da Americanas. No Brasil, a banca entraria com uma arbitragem coletiva na B3, conforme previsto no estatuto da companhia.
Buscando ter o máximo de cuidado com o caso, destacando que ainda há muito a ser revelado e que muita coisa ainda não está clara, Seco diz que os indícios apresentados até o momento apontam para "uma eventual possível fraude".
"Embora falem em inconsistências, elas são de pelo menos R$ 20 bilhões", diz Seco. "É difícil que não tenha, no mínimo, problemas de violação de deveres fiduciários."
Além da Americanas e de seus administradores e conselheiros, a banca avalia também qual grau de responsabilidade as auditorias contratadas pela empresa tem no caso. A PwC auditou os últimos balanços da varejista, substituindo a KPMG em outubro de 2019.
O escritório tem experiência com esse tipo de caso. Ele entrou com uma class action em 2014 em nome de investidores que adquiriram ações da Petrobras na Bolsa de Nova York e viram uma abrupta perda no valor dos investimentos depois que a Operação Lava Jato desvendou um enorme esquema de corrupção na estatal.
Em 2018, a companhia fechou um acordo para pagar US$ 3 bilhões para encerrar a ação coletiva.
Caso levantem indícios de fraude no caso da Americanas, a ideia é conseguir algum tipo de indenização, considerando o prejuízo que a revelação dessas "inconsistências" provocou aos acionistas.
Um levantamento feito pelo TradeMap mostra que os fundos com eventual posição nos ativos da Americanas, seja ações, posição alugada ou debêntures, entre os meses de setembro e dezembro de 2022 perderam R$ 4,2 bilhões de patrimônio com o episódio, em 12 de janeiro, dia seguinte à revelação das "inconsistências".
O levantamento não é completamente assertivo porque a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permite que as carteiras dos fundos possam ter as suas posições escondidas por até três meses.
O NeoFeed entrou em contato com algumas gestoras que teriam grandes posições em Americanas, mas muitas delas informaram que não tinham ações quando o caso foi revelado ou não quiseram comentar.
A Moat Capital, gestora com R$ 3,6 bilhões em ativos sob gestão e bastante exposta à Americanas, segundo o levantamento do TradeMap, informou que encerrou as posições de todos os seus fundos em ações da varejista.
"Ressaltamos, mais uma vez, que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir e resguardar nossos direitos pelas perdas enquanto éramos acionistas minoritários", diz trecho da nota.
Outro bastante exposto no levantamento é o Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa, com patrimônio ativo total superior a R$ 80 bilhões.
Em nota publicada em seu site no dia 14, o fundo informou que possui alocação apenas em um fundo de gestão passiva, que replica integralmente a carteira do índice IBrX-100, onde as ações da Americanas representavam, no dia 11, 0,339% do índice.
Para Aurélio Valporto, presidente da Associação Brasileira de Investidores (Abradin) e que está junto com o Almeida Advogados no caso, ainda é preciso aguardar as investigações da CVM. Mas afirma que os primeiros indícios apontam para uma fraude séria na companhia.
"Neste caso, se comprovada a fraude, há a possibilidade de entrar também com uma ação civil pública", afirma Valporto. "Mas entrar com uma ação agora seria um movimento açodado, não temos ainda grandes fatos concretos sobre o que aconteceu, tem muita especulação. Então vamos aguardar a investigação da CVM."
Na quinta-feira 19, a autarquia anunciou a constituição de uma força-tarefa para investigar a Americanas. E confirmou que foram instaurados sete processos administrativos sobre o caso.