As primeiras lembranças de Patriciana Rodrigues estão intimamente ligadas a Pague Menos. Ela tinha apenas cinco anos quando seu pai, Deusmar Queirós, fundou a rede de farmácias, em Fortaleza (CE), em 1981. E, em sua infância, se acostumou a passar metade das férias na empresa, ao lado dos três irmãos.
Essas temporadas deixaram de ser brincadeira e tornaram-se parte integral do dia a dia de Patriciana em 1996, quando ela ingressou na companhia. Primeiro, como balconista em uma das lojas da rede. Depois, em diversas áreas e cargos na operação.
Com essa bagagem, Patriciana chegou à presidência do board da Pague Menos. Ela assumiu o assento ocupado, até então, por Deusmar, em junho de 2020, dois meses antes de a rede abrir capital e levantar R$ 858,9 milhões. E, nessa posição, guarda alguns ensinamentos do pai.
“Ele costumava gritar logo cedo que estava indo para a festa, o que, na prática, era ir para a Pague Menos”, diz ela, ao NeoFeed. “Meu pai sempre teve um entusiasmo muito grande em construir esse legado e nos motivou a participar efetivamente do negócio.”
A passagem de bastão, de fato, se concretizou. Além de Patriciana, Rosa e Carlos Henrique integram o Conselho de Administração, enquanto Mário, o caçula, é o CEO da operação. E com a participação da segunda geração do clã, o grupo tem o desafio de sair na dianteira das transformações desse mercado, em uma disputa que envolve gigantes do setor como a Raia Drogasil (RD).
“Estamos anos luz à frente do mercado”, diz Patriciana, sem modéstia. “Enquanto o setor fala de hub de saúde e começa a entender esse conceito, nós temos consultórios desde 2015. Nós chegamos primeiro e estamos falando com as pessoas certas.”
Em relatório recente, o Itaú BBA destacou os indicadores da empresa e iniciativas como sua evolução no digital, além das perspectivas a partir da aquisição da Extrafarma, anunciada em maio, por R$ 700 milhões, e que ainda aguarda a aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Com o acordo, a rede saltará de uma base de 1.126 lojas para mais de 1,5 mil unidades.
No mercado de capitais, a as ações da companhia, avaliada em R$ 4,2 bilhões, acumulam uma valorização de 6,3% em 2021. Desde o IPO, a alta é de 7,75%. No terceiro trimestre desse ano, a receita líquida do grupo cresceu 7,3%, para R$ 1,91 bilhão.
Na entrevista ao NeoFeed, Patriciana fala sobre como a Pague Menos planeja ampliar esses números e faz um balanço das estratégias da empresa para consolidar o que chama de “a nova farmácia”. Confira:
O mercado de farmácias está passando por uma série de transformações. Como a Pague Menos está se posicionando nesse cenário?
Nós temos esse olhar de não ser só uma farmácia com transações de caixinhas há muito tempo. Já tínhamos a visão muito clara lá atrás de que o nosso setor é o elo na cadeia de saúde que tem mais contato com o paciente. E de que existem muitas coisas que podemos fazer dentro do que chamamos de nova farmácia.
O que é exatamente esse conceito?
É um hub completo de serviços de saúde. Hoje, temos consultórios com a marca Clinic Farma e serviços como testes laboratoriais rápidos, monitoramento de diabetes, de colesterol, de glicose, para fazer toda a parte de primeiros cuidados. Existe uma dor muito clara. Uma parcela grande da população não está coberta com plano de saúde e outra é totalmente dependente do SUS. O SUS pode ter até um serviço muito bom, mas é superlotado e não consegue dar vazão a todos. Então, tem um universo de pessoas com desejo de cuidar mais da saúde e que pode encontrar soluções de custo-benefício que fazem sentido para sua realidade. Esse é exatamente o público que a gente tem atendido, a classe média expandida.
"Existe uma dor muito clara. Uma parcela grande da população não está coberta com plano de saúde e outra é totalmente dependente do SUS"
É possível estimar o tamanho desse mercado?
Nós trabalhamos com o número de consumo desse perfil, que é de R$ 120 bilhões, quatro vezes maior que as classe A e B1. Esse consumidor não precisa ir para a fila do SUS e esperar semanas. E, cada vez mais, a tecnologia é uma grande aliada. Temos equipamentos que, com uma gota de sangue, trazem informações e, dependendo do diagnóstico, você direciona para a telemedicina e, o que antes levava dias ou semanas, está resolvido em 30 minutos. Se for uma coisa de fato mais complexa, aí sim você direciona para um especialista. Com esse modelo preventivo, é possível diminuir e desonerar toda a cadeia de saúde do país.
Todas as grandes redes estão investindo nesse conceito de hub de saúde, com algumas particularidades e muitas semelhanças na estratégia. Como a Pague Menos vai se diferenciar nessa disputa?
Estamos anos luz à frente do mercado. Enquanto o setor fala de hub de saúde e começa a entender como é esse conceito, temos nossos consultórios desde 2015 e hoje já são mais de 800 unidades. E quando se fala de hub de saúde, de um ecossistema completo, temos muito fit com o público prioritário que atendemos. Então, eu entendo que chegamos primeiro e estamos falando com as pessoas certas. E estamos prioritariamente em regiões que têm muita carência desses serviços. Esses dois grandes diferenciais já colocam, de cara, a Pague Menos na vanguarda do mercado.
Nesse cenário, quais são os próximos passos dentro da Clinic Farma?
Temos olhado como acoplar devices dentro desse consultório para ter atendimentos cada vez mais eficientes. Fizemos uma parceria, por exemplo, com o Fleury, no Saúde iD, com um equipamento que se chama TytoCare. Com esse dispositivo, meu farmacêutico consegue passar sons precisos de batimentos cardíacos para um médico, a quilômetros de distância. Ele consegue auscultar o coração, o pulmão do paciente. Consegue ver imagens de ouvido, de nariz, garganta. É um projeto-piloto. Temos outras iniciativas embrionárias com startups que estamos em vias de testar, por meio do nosso braço de inovação, o pmenos Lab, e da Nina, incubadora e venture builder da qual somos mantenedores.
Quais outros exemplos com essa abordagem você pode citar?
Já temos uma parceria com a Hilab, com um dispositivo que, por meio de uma picada no dedo, traz várias informações do paciente em questão de 30 minutos ou menos. Tem outro projeto, bem mais embrionário, no qual, você acopla ao celular um device que captura imagens do fundo da retina e por análise preditiva, pode dizer se o paciente é passível ou não de ter algumas doenças, como glaucoma, diabetes. Em um parque de mais de 1,1 mil lojas, com 36 milhões de clientes, a gente tem condições de escalar e garantir que esse tipo de tecnologia seja economicamente viável e acessível.
Essa aproximação com startups pode envolver, eventualmente, um braço de investimentos?
Já temos um veículo, de forma indireta, com a Nina. Eles sabem das nossas dores e buscam startups que estão atentas a esse nosso mercado. E sim, estamos muito abertos. Entendemos que algumas dessas transformações passam por tecnologias que nós não temos o domínio, então, vamos precisar fazer parcerias ou eventualmente adquirir empresas de tecnologia para direcionar essa evolução. De qualquer modo, estamos apostando cada vez mais em parcerias estratégicas, com empresas de todos os portes.
Além da tecnologia, o que está direcionando essas parcerias? Pode citar exemplos?
Nós divulgamos recentemente uma parceria com o Banco Pan, que criou um sistema de benefícios de saúde. Boa parte do mix de serviços oferecido no meu consultório está sendo acoplado a essa plataforma. É mais uma forma de ganhar escala e oferecer ao consumidor esse benefício. Da mesma maneira, temos acordos com a Hapvida e outros planos de saúde.
De que maneira o digital se encaixa nesse quebra-cabeça?
Hoje, o digital tem uma participação de 8,5% nas nossas vendas e é uma cesta de possibilidades, que inclui parcerias com vários superapps, o nosso próprio app, site, clique e retire, teleatendimento via telefone. Nessa parte do teleatendimento, a gente tem evoluído com o uso de inteligência artificial, com a nossa atendente virtual, Vida, que ainda não está em grande escala, mas pode ser uma ferramenta de grande ajuda, tanto para reduzir o tempo de atendimento como para ser mais assertivo nas ofertas.
A empresa também está estruturando um marketplace? Como esse modelo tem evoluído?
Nós já oferecemos serviços que não estão disponíveis em todas as lojas, como teste de DNA. A partir da pandemia, nós evoluímos para a oferta de telemedicina e estamos incorporando mais serviços. Antes, éramos mais voltados ao atendimento com clínicos gerais e estamos adicionando o atendimento com farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos e outras especialidades. Outra evolução é modelo de assinaturas. A gente acredita que não existe produto que tenha tanto fit com esse conceito como os medicamentos de uso contínuo. Nós já estamos testando esse formato, entendendo o que o consumidor prefere, se é a garantia de um preço melhor ou da não ruptura do produto, antes de escalar também essa frente.
"Meu pai uma vez me disse: 'quando você tiver uma prova longa para fazer, comece com as questões mais fáceis. Deixe as mais difíceis para depois'. Então, estamos correndo atrás dos mercados nos quais vamos ter um ganho mais rápido"
Qual é o papel do uso de dados nesse contexto?
Hoje, temos mais de 36 milhões de clientes cadastrados dentro da nossa plataforma, e estamos cada vez mais testando uma jornada de contato com esses consumidores, com o uso de inteligência artificial. O consumidor que é impactado por meio desse modelo aumenta o seu tíquete médio em quase 50%, o que faz com que hoje, mais de 3% das nossas vendas venham de ações de CRM através desses contatos. Nossa ideia é ampliar os disparos e as promoções personificadas. A gente já tem a informação, o ponto é a capacidade de enviar corretamente para cada um dos consumidores promoções específicas. No dia certo, no momento certo, na hora certa e pelo canal certo. Então, estamos unificando nossos bancos de dados para entender o cliente por completo e aí sim ter cada vez mais assertividade nessas ações.
Como a Pague Menos está olhando a logística para apoiar toda essa estratégia digital?
Temos testes de dark stores, mas são apenas dois pontos em São Paulo. Nós entendemos que o modelo de entregas a partir da loja mais próxima ainda é bem mais eficiente, uma vez que temos um parque de mais de 1,1 mil unidades e usar essa estrutura faz todo sentido.
Falando em lojas físicas, a rede segue concentrando seus esforços no Norte e Nordeste. Essa é uma estratégia de defesa contra o avanço de rivais como a Raia Drogasil (RD) nesses mercados? A empresa não enxerga a necessidade de ampliar a presença em outras praças?
Temos ainda vários micromercados que mapeamos nas regiões Norte e Nordeste. É onde temos mais força de marca. Lógico que estamos atentos a todas as regiões, mas vamos olhar prioritariamente para onde temos mais domínio. Meu pai uma vez me disse: 'quando você tiver uma prova longa para fazer, comece com as questões mais fáceis. Deixe as mais difíceis para depois'. Então, estamos correndo atrás dos mercados nos quais vamos ter um ganho mais rápido.
Como a compra da Extrafarma vai ajudar nesse novo cenário de disputa no setor?
Um dos pontos fortes está justamente no fortalecimento do nosso hub de saúde. Cerca de 70% das lojas físicas permitem a implementação do nosso consultório farmacêutico. No omnichannel, a chegada dessas novas lojas acrescenta 402 novos pontos para retirada de produtos. E ainda temos expansão de 50% no footprint em São Paulo, potencializando a operação com melhor desempenho no digital. A aquisição nos oferece ainda ganho de escala e abastecimento de itens exclusivos, além da forte penetração das nossas marcas próprias. E também existe alta adesão com o nosso público-alvo. Em CRM existe a combinação de base de clientes ativos com a incorporação do Clube Extrafarma ao leque produtos de fidelidade
Esse plano de expansão pode passar por outras aquisições?
Nossa prioridade agora é capturar todas as sinergias a partir da Extrafarma e seguir com a expansão orgânica, que já tem 200 lojas, sendo 80 esse ano e 120 em 2022. Mas estamos sempre abertos a ouvir e entender eventuais propostas. Não vamos perder uma oportunidade se ela estiver alinhada com a nossa estratégia.