A predominância de fundos estrangeiros nas movimentações da B3 tem moldado a dinâmica do mercado acionário, com uma sobreposição de fatores externos a ponto de temas que costumam tirar o sono de gestores brasileiros - como eleições e a fragilidade fiscal - ficando em segundo plano.
Dados da bolsa brasileira apontam que a participação do investidor brasileiro neste ano é a menor, pelo menos, desde 2019, início da atual série histórica. Os estrangeiros, em média, têm sido responsáveis por 58,4% do volume negociado no ano, com essa fatia crescendo gradualmente nos últimos seis anos - em 2019, sua participação era de 45%.
Essa fatia no volume de negócios tem sido ainda maior em novembro, com os fundos internacionais representando 59,5% dos movimentos da bolsa. Em evento anual da XP Asset, Guilherme Benchimol, chairman da XP Inc., disse que os estrangeiros reconhecem as oportunidades no País, mas que o nível de alocação poderia ser maior se o País assumisse seu compromisso em resolver o dilema fiscal.
Por outro lado, pessoas físicas e fundos de investimento perderam protagonismo, saindo de participações respectivas de 18,2% e 31,5%, em 2019, para uma média de 12,5% e 25,2% neste ano.
Essa drástica redução foi resultado, principalmente, da alta de juros, que redefiniu as alocações dos investidores locais, levando à migração de reservas da renda variável para a renda fixa. Com a Taxa Selic no pico de 13,75%, o movimento teve continuidade neste ano, com a retirada adicional de mais R$ 55 bilhões dos fundos de ações.
Dos R$ 7,47 trilhões da indústria de fundos, a alocação em ações está em um dos menores patamares da série histórica da Anbima, iniciada em 2006. Apenas 7,9% está aplicado nesse tipo de estratégia — cerca da metade da fatia alocada em 2020 e apenas um terço da porção que era investida em ações em 2007.
“As pessoas físicas e fundos locais estão perdendo participação para o investidor estrangeiro. O movimento [da bolsa] tem se dado muito mais em função do fluxo estrangeiro do que por assuntos locais neste fim de ano”, diz Paulo Abreu, gestor e sócio-fundador da Mantaro Capital.
Mais próximo do que nunca dos 160 mil pontos, o Ibovespa acumula 32% de alta no ano, a maior rentabilidade alcançada nesta década e a maior desde 2016. Em dólar, o índice sobe 51,9%. Isso tudo mesmo diante das incertezas fiscais sendo acentuadas pelo favoritismo pela reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva.
No mercado, essa busca por diversificação em mercados emergentes tem sido atribuída à incertezas geradas pelas políticas econômicas do presidente Donald Trump, queda de juros nos Estados Unidos e riscos à independência do Federal Reserve.
"Se você tinha 75% do patrimônio nos Estados Unidos, agora vai ter 65%. Parece pouco, mas é uma movimentação tectônica", diz Felipe Miranda, co-CEO e sócio-fundador da Empiricus,
Ricardo Peretti, estrategista de ações da Santander Corretora, atribui 80% a 90% da valorização da bolsa ao investidor estrangeiro. Para ele, preços mais atrativos em relação a seus pares é o que tem puxado a escolha do Brasil por esses alocadores.
Até agora, as compras líquidas de investidores estrangeiros no ano estão em R$ 30 bilhões. O ingresso é cerca de 47% menor que em 2023, mas mais do que compensa a saída de R$ 24 bilhões registrada no ano passado.
"Tem uma gordura para ser fechada ao longo dos próximos meses, se assumirmos que o Brasil volta para a sua média histórica de negociação de múltiplo”, diz Peretti. Pelas suas contas, mesmo com as recentes altas, o Ibovespa está com uma relação preço/lucro próxima de 9 vezes, abaixo do histórico de 10,5 vezes.
Para chegar ao valuation do mercado mexicano, segundo ele, seria necessário subir ainda 40% e 17% para chegar ao nível de desconto histórico em relação à bolsa do México.
Fator eleições
Mas os dias podem estar contados até que os fatores internos passem a falar mais alto. Para Christian Keleti, sócio-fundador da AlphaKey, isso pode mudar a partir da do anúncio do candidato de centro-direita esquentando o debate eleitoral nas mesas de negociação. “Não sabemos os candidatos e como ficarão as pesquisas. Nada muda, por enquanto.”
Dados da Polymarket, uma plataforma americana de previsões acompanhada por parte dos gestores, têm apontado uma chance de 50% de Lula vencer o pleito contra 35% do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, concorrente preferido do mercado para se opor ao governo. Apesar do riscos, Abreu, da Mantaro, acredita em uma assimetria favorável aos investimentos em ações, com a evolução das pesquisas presidenciais.
“[Se der Lula], a bolsa pode cair 20%. Mas existe um upside brutal, se a oposição começar a crescer [nas pesquisas]. Com menos empresas listadas e um free float menor, devido aos programas de recompra, a porta de entrada da bolsa parece estreita.” afirma Abreu, da Mantaro.