Nas últimas semanas, analistas de bancos já vinham alertando para o resultado do segundo trimestre da Via, dona das Casas Bahia e Ponto. Era consenso no mercado que o prejuízo viria alto e que os números seriam ruins. O Bradesco BBI estimava em R$ 432 milhões. Nesse sentido, a companhia de varejo não decepcionou e apresentou um prejuízo de R$ 492 milhões no trimestre em comparação com os R$ 6 milhões de lucro no mesmo período do ano passado.
“O resultado do segundo trimestre está dentro do consenso e não tem nenhuma surpresa nem positiva e nem negativa”, diz Renato Franklin, CEO da companhia, que assumiu a Via há 100 dias. Mas ele ressalta que a virada da empresa já está acontecendo e detalha o plano para tirar a Via da posição – nada confortável – em que se encontra.
O GMV bruto se manteve estável em R$ 11 bilhões, as vendas no 1P atingiram R$ 9,54 bilhões, uma queda de 1,2%, e o GMV bruto do marketplace foi de R$ 1,47 bilhão, uma alta de 9%. A margem Ebitda ajustada alcançou 6,3% o que equivale a R$ 469 milhões e a dívida total bateu em R$ 10,4 bilhões. No trimestre, a empresa queimou R$ 600 milhões de caixa na última linha do balanço. “Os juros estão comendo caixa todo mês”, diz Franklin. O desafio é como gerar caixa e otimizar o capital investido.
“Estamos apresentando um plano de transformação que muda completamente a meta e o mindset das pessoas”, diz Franklin. Se nos últimos anos a empresa trabalhou para expandir GMV, abertura de novos canais de vendas, crescer no marketplace investindo mais de R$ 1 bilhão por ano, agora o plano é focar onde a companhia ganha dinheiro.
A alocação de capital para investimentos de R$ 1 bilhão por ano será ajustada para R$ 600 milhões por ano. “Em vez de investir em categorias que trazem recorrência, mas não dão margem, vamos pôr dinheiro no que dá margem e dinheiro.” Entre as áreas que serão reforçadas, estão o crediário, antecipação de dinheiro para fornecedores, e aumento de força em linhas branca e marrom, e em móveis.
“Estamos fazendo uma revisão completa do negócio”, diz Franklin. Ele dá o exemplo de 23 categorias como bebidas, fraldas, materiais de higiene que ocupavam R$ 150 milhões de estoque e faziam a companhia perder dinheiro. Agora, a Via vai tirar esses itens do estoque e passar a vender via sellers de seu marketplace. “Passo a receber um fee, ganho dinheiro, sem capital investido e sem custo associado.”
Outro exemplo ressaltado por Franklin é o de ser mais disciplinado nas compras e otimização de estoques o que vai trazer R$ 1 bilhão para o caixa da companhia. “Vamos capturar isso nos próximos meses”, afirma. “Estávamos com R$ 6,7 bilhões e 112 dias de estoque, agora batemos R$ 5,7 bilhões e vamos baixar para 90 dias.”
À medida que os ajustes começaram a ser feitos, a Via passou a reduzir a sua estrutura. “Faz mais sentido ter uma equipe só, trabalhando mais matricial e trabalhando as oportunidades, do que equipes independentes em várias frentes”, diz ele. Só na área corporativa, o quadro foi reduzido em 24%. No total da companhia, 6 mil pessoas foram desligadas – o que representa uma economia de R$ 370 milhões.
O banQi, que era uma fintech para competir com outros bancos digitais no mar aberto, ficará restrito aos clientes que estão dentro do ecossistema da Via. Na parte física, 50 lojas serão fechadas. Esse número pode chegar a 100 até o fim do ano – o que traz uma redução de estoque de R$ 200 milhões. “A disciplina de fazer o básico e fazer o que é certo que vai dar dinheiro diminui o risco de execução e melhora a rentabilidade da companhia”, diz Franklin.
As finanças da Via
O caixa da Via hoje é de R$ 2,8 bilhões, mas tem dívidas de curto prazo. Nos próximos 12 meses, estão previstos o vencimento de quase R$ 1,8 bilhão. Dado o ritmo de queima de caixa da companhia, é plausível a preocupação dos analistas. “O que vamos mostrar para o mercado é que temos R$ 1 bilhão de P&L, R$ 1 bilhão de estoque e mais de R$ 500 milhões de ativos que serão vendidos e transformados em caixa”, diz Franklin.
Outro ponto de atenção, a dívida total de R$ 10,4 bilhões, será reestruturada. Desse total, R$ 3,6 bilhões são a chamada dívida convencional, com 66% dos vencimentos a partir de 2025 e um custo médio de CDI + 2,6%; há R$ 1,5 bilhão em risco sacado (aquelas operações de financiamento de fornecedores); e R$ 5,3 bilhões são do crediário ao consumidor, que é financiado pelos bancos via CDC-I.
“Essa carteira tem uma qualidade excelente, mas a gente não toma benefício no funding da operação porque, no final do dia, o CDC-I é um risco corporativo Via”, diz Elcio Mitsushiro Ito, CFO da Via.
O plano é montar FIDCs segregados da Via, acessando o mercado de capitais de forma direta, alterando a estrutura do funding. “À medida que a gente for tombando a carteira no FIDC vamos liberar 50% da minha exposição com banco em operações sacadas”, diz Ito. “Quando segregamos a carteira, saímos do efeito Americanas e temos um negócio totalmente separado”, diz Franklin.
Nessa direção, a Via anunciou que vai estruturar um primeiro FIDC, em um processo que será coordenado pelo BTG Pactual e a Polígono Capital. A empresa também estuda uma potencial emissão de oferta de cotas do fundo, no valor de até R$ 1,5 bilhão.
A mudança de estratégia da companhia busca trazer rentabilidade e, obviamente, destravar o valor da Via na bolsa. No pregão desta quinta-feira, 10 de agosto, a empresa fechou com valor de mercado de R$ 2,9 bilhões. Para efeito de comparação, há três anos ela valia mais de R$ 20 bilhões.
Ficou claro que, com o passar do tempo, o mercado foi deixando de comprar a ideia inicial da empresa. A antiga gestão, que assumiu a Via em 2019, após o grupo Casino vender sua participação, trabalhou com uma agenda de se tornar uma grande plataforma para dominar o mercado, onde se destacam Mercado Livre e Magazine Luiza, no que pode ser chamado de “the winner takes all”.
Diante disso, fez grandes investimentos para tirar a empresa do atraso – principalmente comprando startups e companhias de tecnologia. Em outubro de 2020, por exemplo, a Via contava com 7 mil sellers. Hoje são 150 mil conectados na plataforma. Até o nome da empresa foi mudado. Em abril de 2021, ela deixou de ser Via Varejo para ser apenas Via, deixando a palavra varejo para trás.
O plano para o marketplace
Agora, o a companhia quer voltar ao básico. “Acho que “takes all” é muita coisa. Temos o nosso espaço para vender o nosso core”, diz Franklin. “Quase 85% da minha venda é 1P e core.” O marketplace da Via hoje movimenta R$ 5 bilhões por ano, o que representa cerca de 10% das receitas. “Já temos muitos fornecedores, clientes e transações passando aqui todos os dias”, afirma o executivo.
Mas brigar com outras plataformas para trazer mais clientes não está no horizonte. O objetivo é monetizar com quem já está na base, os cerca de 30 milhões de clientes ativos da Via, usando CRM. O executivo faz uma análise de como a empresa vinha trabalhando esse segmento e como passará a ser agora.
“O marketplace fatura R$ 5 bilhões e grande parte dos fornecedores gostariam de antecipar as faturas por 3% ao mês. Tenho duas opções: colocar dinheiro nisso e ganhar R$ 1 bilhão por ano com esse spread ou colocar dinheiro e transformar esse marketplace em um negócio de R$ 15 bilhões e lá na frente ganhar R$ 3 bilhões”, diz Franklin.
A decisão tomada pelo management da empresa é a de optar pelo conservadorismo. “A nossa agenda é capturar R$ 1 bilhão e, depois, ir crescendo gradativamente em vez de sair investindo em um crescimento absurdo que estava sendo feito e que nunca colheu fruto.”
É bem verdade também que, em 2021, com os juros baixos, o mercado cobrava a estratégia de “winner takes all”. Mais que isso: estimulava. “Mudou o mundo. O mercado quer retorno, lucro”, diz Franklin. E prossegue. “Melhor ter bom lucro com uma companhia de R$ 45 bilhões do que ter uma companhia de R$ 100 bilhões para depois ganhar dinheiro.”
Com essa nova agenda em prática, os executivos da Via acreditam que, em 2025, a companhia estará com um balanço robusto e preparada para um novo ciclo de crescimento. Resta saber se o mercado terá essa paciência com a empresa. Nos últimos 12 meses, a ação caiu 38,17% e, desde o início do ano, caem 23,75%, até 10 de agosto.
Franklin deve preparar um non deal roadshow para apresentar a empresa, essa nova fase e tentar convencer os investidores a acreditar no plano dele. “Temos uma foto ruim, mas o filme que vem pela frente, que enxergamos aqui, nos deixa muito animados.”