Boa parte dos 75 anos da Guararapes, completados no início deste mês, foram guiados pelo foco na Riachuelo. Desde 2019, porém, o grupo de varejo de moda vem cumprindo uma agenda intensa para ampliar e renovar seu guarda-roupas, ao incorporar novas marcas, nichos e projetos.
Essa relação incluiu negócios como a Casa Riachuelo, de casa e decoração; a FanLab, destinada ao público geek; um acordo para operar no Brasil a marca americana Carter’s, voltada ao público infantil; o marketplace da Riachuelo; e a conta digital da Midway, sua financeira.
Com esses ativos e o plano de consolidar um ecossistema de moda, lifestyle, produtos e serviços financeiros, o grupo, avaliado em R$ 4,9 bilhões, faturou R$ 3,8 bilhões no primeiro semestre de 2022. E, agora, se prepara para adicionar uma nova peça a essa coleção: um programa de fidelidade.
“O programa de fidelidade e o nosso novo CRM serão como uma cola que estará por trás de todo o nosso ecossistema”, diz Oswaldo Nunes, CEO da Guararapes, ao NeoFeed. “Vamos ampliar as possibilidades de cross-sell com o varejo e o engajamento com o portfólio da Midway.”
Com o projeto, a Guararapes quer avançar na relação entre duas siglas que, cada vez mais, concentram recursos no varejo, o LTV/CAC. Ou seja, quanto um consumidor gasta com uma empresa e o custo de aquisição desse cliente.
Batizado de Xodó, o programa de fidelidade começou a ser testado no primeiro semestre com funcionários da companhia. E entrou em fase de projeto-piloto há 50 dias com 220 mil clientes, pinçados entre os mais de 30 milhões de usuários de cartões do grupo.
Esse universo inicial traz consumidores de todas as regiões, com diferentes níveis de frequência de compra no grupo. A ideia é ajustar as engrenagens antes de escalar o projeto, o que está previsto para o segundo semestre de 2023.
A escolha de parceiros locais para a oferta de benefícios é um dos nortes dessa curva de aprendizagem. De acordo com o nível de relacionamento com a empresa, o programa trará um pacote de vantagens e definirá novas opções de resgates.
Esse escopo vai incluir, por exemplo, descontos em farmácias e shows. Nessa primeira fase, um dos mimos concedidos pelo Xodó aos clientes mais ativos foram ingressos para apresentações do espetáculo Bazzar, do Cirque du Soleil.
Com os pontos acumulados por meio dos cartões do grupo, o grande mote, porém, será estimular o consumo nos limites da companhia. Os membros terão acesso antecipado a novas coleções e fretes gratuitos na entrega de produtos, entre outras vantagens.
Outro recurso, já em teste, é a oferta de cashback, por meio de cartões-presente para o uso em compras em todos os canais físicos e digitais da operação. Entre eles, o marketplace da Riachuelo, que já conta com mais de 325 sellers, mais de 500 mil produtos e 1,7 milhão de SKUs.
“Um cliente de moda e acessórios compra, em média, quatro vezes por ano. Nós já temos clientes com uma frequência de 15 compras anuais”, diz Elio Silva, CMO da Guararapes. “Esse perfil já destrava automaticamente 100% dos benefícios do programa.”
Em conjunto com um novo CRM, o Xodó ajudará a enriquecer e a refinar a base de dados do grupo. “Vamos entender melhor os hábitos do consumidor, identificar mais gatilhos de propensão de compra e escalar jornadas mais personalizada para esse cliente”, afirma Nunes.
O Xodó também funcionará com porta de entrada de novos clientes da Midway, além de reforçar o apelo para a adoção de mais produtos da financeira. Em especial, a conta digital, lançada em maio de 2021 e que já soma mais de 2 milhões de correntistas.
A prioridade é avançar na base atual de 17,4 milhões de clientes ativos da Guararapes. Para isso, além da conexão com o Xodó e com o varejo, a Midway tem no radar novas ofertas em modalidades como o buy now pay later, o famoso crediário digital.
Em paralelo, a Midway está digitalizando a contratação de produtos ofertados em suas lojas físicas, por meio do seu aplicativo. Os empréstimos deram início a essa estratégia, que terá sequência com modalidades como seguros e passa ainda por uma navegação integrada ao aplicativo da Riachuelo.
A empresa também está estruturando um marketplace de produtos e serviços financeiros. O projeto repete o movimento feito na divisão de varejo e deve ser formatado gradativamente, no decorrer de 2023. “A ideia é ir ampliando o número de parceiros nas linhas de produtos que já oferecemos hoje”, diz Silva.
Do fio à última parcela de cartão de crédito
A Guararapes não é o único nome do setor disposta a ocupar mais espaço no bolso dos consumidores. Com esse mesmo viés, a Lojas Renner lançou na semana passada o Estilo Orbi, seu programa de fidelidade, juntamente com a Orbi Bank, plataforma digital da Realize, braço financeiro da rede.
Entre os ativos do varejo de moda voltado à média renda no balcão da B3, a Renner é apontada como a top pick em relatórios recentes do Santander e da XP. Mas, embora ressaltem desafios, os analistas destacam que a Guararapes vem reduzindo as lacunas em relação à rival.
“Vemos o caso de investimento da Guararapes ligado, invariavelmente, à sua capacidade de mostrar e convencer o mercado de que a distância operacional entre ela e a Renner está diminuindo”, escreveram Ruben Couto e Eric Huang, do Santander, que reduziram o preço-alvo da ação de R$ 12,70 para R$ 11,20.
As ações da Guararapes encerraram o pregão da terça-feira, 18 de outubro, cotadas a R$ 9,95, com alta de 3%. No ano, os papéis acumulam uma valorização de 1%.
Com recomendação neutra para o papel, a dupla do Santander citou questões como a maior alavancagem em relação a seus pares – a relação dívida líquida/Ebitda do grupo está em 3,1 vezes. O banco destacou, porém, avanços em áreas como digitalização e governança, com a listagem recente no Novo Mercado.
O grupo Guararapes faturou R$ 3,8 bilhões no primeiro semestre de 2022
Já a XP iniciou a cobertura com recomendação de compra e preço-alvo de R$ 15. Apesar de ressaltar a menor liquidez da ação e riscos de execução da estratégia, a casa destacou o diferencial de o grupo ser um player verticalizado “do fio à última parcela do cartão de crédito” – com o apoio de duas fábricas próprias, entre outros ativos.
Os analistas da XP também chamaram atenção para o fato de que, com seu ecossistema, a empresa está construindo um “balcão único para os amantes da moda”, além de ter pela frente novas alavancas de expansão.
“Carter’s e Casa Riachuelo são vias interessantes de crescimento e podem responder por 30% do crescimento das vendas até 2026, sob premissas conservadoras”, frisam os analistas Danniela Eiger, Thiago Suedt e Gustavo Senday, que destacam ainda um mercado endereçável de R$ 21 bilhões com a FanLab.
Peça mais recente na plataforma da Guararapes, a FanLab foi lançada em abril desse ano e tem coleções a partir de acordos de licenciamento costurados com empresas, propriedades e personagens como Marvel, DC, Star Wars, Harry Potter e Stranger Things.
Com duas lojas em operação em São Paulo, nos shoppings Anália Franco e MorumbiShopping, a marca vai inaugurar uma terceira unidade, em novembro, no shopping Tatuapé, também na capital paulista.
Além da FanLab, as teses de expansão de todos os negócios do grupo estão sendo discutidas, no momento, na definição do novo ciclo estratégico da empresa para o período de 2023 a 2027. E Nunes acrescenta acrescenta mais dígitos à conta projetada pelos analistas do Santander ao considerar todas essas frentes.
“Nosso mercado endereçável é de R$ 240 bilhões”, diz. “Além do nosso core, que é como a nossa cliente e sua família se vestem, a próxima onda é, por exemplo, como eles vivem, a casa e a decoração. Temos um potencial enorme para explorar nesse e em outros segmentos que ainda são muito fragmentados no Brasil.”