O executivo Marcelo Pimentel assumiu o comando do Grupo Pão de Açúcar (GPA), em abril deste ano, com uma missão clara: dar sequência ao processo de reestruturação que a companhia estava realizando, para ficar mais leve e melhorar sua rentabilidade. Antes de sua chegada, o grupo já tinha tomado alguns passos importantes, como a cisão do atacarejo Assaí e o fim do formato de hipermercados.

Já no comando, Pimentel entendeu que, além dos desinvestimentos e na redução do tamanho do grupo, era necessário “voltar ao básico”. No caso, focar na recuperação da principal marca da empresa, o Pão de Açúcar, e retomar aquilo pelo qual formou sua identidade ao longo de mais de sete décadas de história, um supermercado premium, que preza pela qualidade e sortimento de produtos. 

“O cliente espera chegar na loja e ter o que chamo de conceito Lapa – loja limpa, abastecida, precificada e com ótimo atendimento. Não importa o quão inovador você seja, o cliente tem essa expectativa”, diz Pimentel, em entrevista ao NeoFeed.

O básico bem feito é algo que ele aprendeu ao longo dos seus mais de 20 anos de carreira. Apesar de ter vindo da Marisa, onde foi CEO por mais de quatro anos, Pimentel tem larga experiência no varejo alimentar, boa parte dele no Reino Unido, onde trabalhou na Sainsbury e no Walmart. 

O plano de Pimentel passa também pela expansão da quantidade de lojas. No começo de setembro, o GPA anunciou que pretende inaugurar 300 unidades até 2024. A principal aposta é no formato de lojas de proximidade, formato que se assemelha a mercados de bairro. 

A ideia é abrir 250 unidades desse modelo, que visa a complementar a oferta de supermercados. “Este ano é o primeiro ano do plano e vamos fechar com mais de 70 lojas inauguradas, boa parte em supermercados, e com grande avanço no nosso modelo de proximidade, sempre focando no modelo premium”, afirma Pimentel.

A expectativa é de que os investimentos no posicionamento premium da bandeira Pão de Açúcar e seus diversos formatos ajude a melhorar a rentabilidade do grupo a partir de 2023.

No terceiro trimestre, apesar de a receita ter crescido 9% em relação ao mesmo período de 2021, para R$ 10,4 bilhões, a margem bruta recuou 0,3 ponto percentual, para 24,8%, e a margem Ebitda ajustada recuou 0,8 ponto percentual, a 6,3%. 

No período, o GPA teve um prejuízo de R$ 288 milhões, aumento de mais de três vezes em base anual, com o Ebitda ajustado caindo 2,5%, a R$ 660 milhões. No ano, as ações sobem 4,4%.

Confira os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

Você chegou em março deste ano para reestruturar a empresa. Qual foi a empresa que encontrou e como ela está agora?
Quando cheguei, a empresa estava na etapa final da saída dos hipermercados. O Pão de Açúcar teve por muito tempo o braço de hipermercados, que era extremamente importante para o negócio, mas não necessariamente lucrativo. E a empresa tomou a corajosa decisão de sair. Neste contexto, encontrei parte do processo de transição iniciado, mas que ainda precisava de um foco, de uma clareza e de um pragmatismo absurdo para fazer essa virada. Foi aí que tomamos a decisão de voltar para mesa e dizer o seguinte: “o que de verdade é crítico nesse momento de transição para que a gente consiga ter sucesso no futuro próximo?”. E foi aí que surgiu a nova estratégia de estabelecer seis pilares estratégicos que fortalecem a visão de volta de crescimento real da receita. 

Você poderia dar alguns exemplos desses pilares?
Um deles é a retomada da fortaleza que o Pão de Açúcar tem como experiência de compra. O NPS tem sido algo extremamente importante para a gente. Outro pilar é o crescimento e expansão da nossa presença multicanal. Nós temos a liderança da experiência digital, mas a gente acredita que para o nosso cliente cada vez mais isso se torna imperativo. A expansão orgânica é outro pilar, em que nós tomamos a decisão de priorizar investimentos na retomada do crescimento orgânico, focado na bandeira premium. Uma opção voltada para clientes das classes A e B, de oferecer um ambiente onde ele vai encontrar uma ótima experiência, um sortimento diferenciado e um atendimento com total diferenciação do mercado tradicional de hipermercado ou atacarejo, com cada vez mais uma interação multicanal em sua experiência de compra. E tem também o pilar de retomada de rentabilidade do negócio. O Pão de Açúcar, principalmente por ser uma bandeira premium, tem a oportunidade de voltar a devolver para seus acionistas um retorno do investimento muito mais saudável do que tem acontecido nos últimos anos. 

A ideia da estratégia pode ser resumida como um back to basic?
Foi a primeira coisa que falei na minha primeira teleconferência. Eu trabalho no varejo há 20 anos e é importante a questão da inovação, mas ela precisa ser feita a partir de um básico bem feito, e não em trade offs com esse básico. No final, o cliente espera chegar na loja e ter o que chamo de conceito Lapa – loja limpa, abastecida, precificada e com ótimo atendimento. Não importa o quão inovador você seja, o cliente tem essa expectativa (de Lapa) e a partir disso você traz a inovação e o diferencial. É com que a gente se comprometeu. 2022 é muito importante, porque foi o ano de back to basics, para que em 2023 a gente comece a avançar.  

Você considera possível manter o objetivo de inaugurar 300 lojas até 2024, considerando a perspectiva de desaceleração da economia em 2023?
Absolutamente. Estamos totalmente comprometidos. A gente entra em 2023 com mais de 50 lojas aprovadas no pipeline. Essa, aliás, é uma pergunta que tenho recebido bastante e o que digo é que o nosso compromisso com crescimento tem a ver com o futuro da marca. Eu não posso deixar de tomar as decisões corretas por conta do momento, porque se não abrimos novas unidades, a janela se fecha e a gente perde a oportunidade. Em média, as lojas vão maturar em dois ou três anos, quando a realidade econômica do Brasil será diferente. A gente precisa continuar investindo enquanto marca. Inclusive, acho que principalmente em lojas de proximidade, podemos superar os números. 

"Em média, as lojas vão maturar em dois ou três anos, quando a realidade econômica do Brasil será diferente"

Tem alguma região que vocês estão concentrando essas aberturas?
Principalmente em São Paulo, capital, onde a marca é consolidada, a malha logística já está estabelecida e os custos são mais baixos. Esse é o nosso foco inicial, mas também espalhando para Estados onde a gente já tem uma base de lojas estabelecida. A gente tem presença de lojas em São Paulo, Rio de Janeiro, no Centro-Oeste e no Nordeste, basicamente em Salvador, Recife e Fortaleza. A gente não vê necessidade nesse primeiro momento de entrar em Estados novos.

O plano de abertura está muito focado na abertura das lojas de proximidade. Por que isso, em comparação com os supermercados?
Os supermercados são extremamente importantes, com as unidades da marca Pão de Açúcar sendo a grande âncora de faturamento da companhia. Temos os melhores pontos, principalmente em São Paulo, em níveis bastante maduros. Então, o motivo pelo qual estamos focando no modelo de proximidade é pela complementaridade que esse modelo tem com o modelo de supermercado. Abrir 50 supermercados não é pouca coisa, não conheço quem vai abrir tudo isso em três anos, mas o nosso foco na cidade de São Paulo é adensar a cidade, com a loja de proximidade se tornando complementar ao parque de lojas que temos. 

Como é a relação entre o formato de supermercado e lojas de proximidade?
Na nossa visão, para o cliente, a loja de proximidade é uma extensão do supermercado. O cliente vai ao supermercado para fazer a compra maior, e a loja de proximidade é quase a loja de bairro. Ele faz a compra no supermercado e, se falta algo, ele pode resolver completamente suas necessidades nas lojas de proximidade, porque elas têm um mix reduzido, mas com representatividade em todas as categorias. Elas também fazem parte da estratégia multicanal. Nós já estamos com 30 dessas lojas com um programa piloto de entrega expressa, ou seja, entrega em até 30 minutos.

Considerando o foco da estratégia do GPA na bandeira Pão de Açúcar, como ficam as outras marcas da empresa?
Tenho falado muito que a visão para o GPA é de um avião com duas asas. Numa delas está a visão das bandeiras premium, e aqui estamos falando do Pão de Açúcar e do Minuto Pão de Açúcar. E você tem uma outra asa, superimportante, que a gente chama de mainstream, que englobam as bandeiras Mercado Extra, Compre Bem e Mini Mercado. O foco nesse primeiro momento é o resgate da bandeira premium, da bandeira Pão de Açúcar, e o avanço do modelo de proximidade premium, que é o Minuto Pão. Isso não quer dizer que as outras não são relevantes, mas é uma questão de foco. Nesse processo (de reestruturação), a gente está priorizando a bandeira premium, porque é o nicho de mercado que nos diferencia, com um cliente mais rentável, com retorno maior. Acreditamos ser o momento certo de resgatar a joia da coroa, que é o Pão de Açúcar. 

"Acreditamos ser o momento certo de resgatar a joia da coroa, que é o Pão de Açúcar"

No terceiro trimestre, o GPA teve aumento de receita, mas as margens recuaram. Qual a estratégia da companhia para recuperar sua rentabilidade?
A primeira coisa a se falar é que todo esse processo será uma maratona. A retomada do Pão de Açúcar é um processo gradual e um projeto de três anos, para que a gente possa voltar a ter os resultados de forma consistente. A prioridade é com a reconexão com os clientes premium. A gente começa a ver isso manifestado em crescimento de venda e de clientes premium. Temos agora que trabalhar em acomodar o balanço de margem para que a gente chegue na rentabilidade. Mas esse é o processo que vem a reboque dessa reconexão com o cliente. Por causa da competitividade e da situação macroeconômica,  principalmente em mercearia, você fica muito mais pressionado na sua capacidade de repassar todos os aumentos que ocorreram com a indústria. Temos sido cautelosos, para fazer isso gradualmente e com responsabilidade. Acredito que vai ser uma transição, esperamos para as margens e os resultados em 2023 sejam significativamente melhores que em 2022, e para que esse crescimento continue em 2024. 

Você acredita na retomada da rentabilidade em 2023?
Eu acredito que ela vai melhorar em 2023 e vai continuar melhorando em 2024. Todos os nossos planos são de uma melhora em 2023. 

Na questão do foco, você já deu declarações de que diversos projetos acabaram sendo revistos ou cortados. Poderia dar alguns exemplos?
Tinha um projeto de criar um marketplace de real estate de varejo. Era uma startup embrionária no grupo, que poderia dar certo, mas não era prioridade. Outro projeto, que anunciamos recentemente, foi a unificação do James. A gente tinha duas estruturas separadas, sendo que o James tem um motor de multicanalidade que poderia ser usado para o Pão de Açúcar e não estava sendo usado. Saímos de um modelo onde tinha time, estrutura e investimento para atender 125 mil clientes, unificamos isso dentro de uma empresa só que agora atende 2,5 milhões de clientes. Isso já está tendo benefício. No primeiro trimestre, 40% das vendas eram entregues no mesmo dia. Vamos fechar o ano com praticamente 70% da venda digital sendo entregue no mesmo dia, chegando a 80% no ano que vem. A gente se comprometeu a ter 20 projetos e, à medida que vai fechando um projeto, vamos permitindo que outros surjam, mas com governança muito severa, comprometida com KPIs muito claros do que a gente espera que o projeto entregue. 

A separação da Éxito também entra nessa questão de foco?
A Éxito é uma empresa extremamente bem-sucedida, um ativo muito valioso do negócio, e com resultados fenomenais. Ter ela dentro do GPA, a gente entende não ser prioridade, nem o foco do nosso investidor quando ele olha o papel. O que temos visto nas rodadas de conversas sobre o spin-off é a expectativa do acionista de ver esses ativos sendo segregados, para ter clareza sobre a performance do negócio brasileiro e clareza sobre o negócio colombiano, para tomar a decisão de ter os dois ativos ou apenas um deles. É parte de uma estratégia de reconhecer valor que hoje não está sendo percebido dentro do valor embutido do GPA nas ações. Se pegar a Éxito, por si só, vale próximo de R$ 10 bilhões e o GPA perto de R$ 6 bilhões (R$ 5,3 bilhões, considerando o fechamento de terça-feira, dia 29 de novembro). A soma das partes não está sendo reconhecida. No contexto de foco, Éxito não é um problema na gestão do dia a dia dos negócios brasileiros. 

Os planos do GPA envolvem investimentos em startups como James e Cheftime?
A gente mantém um time de tecnologia e transformação que continuamente olha para isso. Mas acho que diferentemente do que acontecia no passado, onde a empresa era muito provocada por inovação e tomava decisões que se entendiam interessantes para o negócio, nossa visão hoje é que temos clareza e foco do que a gente precisa. A gente busca inovação que ajude a resolver o que precisamos e não se distrai com potenciais ideias novas que não necessariamente vão responder à nossa necessidade de turnaround atual. 

Correção: diferentemente do que foi publicado inicialmente, Marcelo Pimentel assumiu o comando em abril deste ano, e não em março.