Quem achou que era onda passageira errou. E errou feio. O fenômeno Ozempic não só continua a ganhar escala planetária como começa a impactar a economia global.
Grandes companhias, analistas e investidores apostam: o sucesso do antidiabético usado para emagrecer deve interferir (para alegria de uns, tristeza de outros) em indústrias das mais diversas áreas. Do setor alimentício ao de luxo; da aviação civil ao tabagista.
Fabricada pela farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk e lançada em 2017, a semaglutida, princípio ativo do medicamento, começou a ganhar popularidade em 2022. Na ocasião, artistas, celebridades e executivos do Vale do Silício invadiram as redes sociais com fotos, vídeos e dancinhas festejando a perda dos quilos em excesso.
Desde então, a coisa tomou uma proporção surreal –and counting... Nas previsões do Morgan Stanley, até 2035, só nos Estados Unidos, 24 milhões de pessoas (o equivalente a 7% da população) estará sob tratamento com o Ozempic ou com algum outro remédio de ação semelhante à semaglutida.
Não existem dados semelhantes no mundo tampouco no Brasil. Mas o potencial de mercado é enorme. Globalmente, de cada dez pessoas, quatro pesam mais do que deveriam. No Brasil, elas somam quase 57% da população. Mesmo considerando o alto custos dos tratamentos (R$ 1 mil por mês, o mais barato), ainda é muita gente.
Segundo o Morgan Stanley, com o fármaco, o consumo diário de calorias diárias cai, em média, 30%. Na dieta padrão de um adulto, significa abolir um saco de batatas fritas e uma garrafa de refrigerante, no mínimo, por dia. Como os fármacos agem em GLP-1, o hormônio da saciedade, e retardam o esvaziamento gástrico, as pessoas se sentem satisfeitas com menos alimento.
Vários pacientes relatam também ter “parado de pensar em comida o tempo todo”, segundo a pesquisa do banco americano. E quem pensa em comida o tempo todo não pensa em palitinhos de cenoura. Pensa, sim, em “junk food”.
Não à toa, o Bernstein Private Wealth Management classifica os fabricantes de salgadinhos e doces como os mais ameaçados na era Ozempic. Nesses mercados, um terço das compras são feitas por consumidores habituados a devorar todos os dias pelo menos um pacote de batata ou de bala, por exemplo.
O impacto é inevitável. Do início do ano a 5 de outubro, o subíndice S&P 500 “Packaged Food & Meat” caiu 14%. Já o índice do mercado de ações das 500 maiores empresas do mundo subiu 11%, no mesmo período.
Em nota divulgada no início do mês, Jigar Patel, do banco inglês Barclays, ainda inclui na lista as marcas de fast-food e as de refrigerantes, citando nominalmente a PepsiCo e o McDonald’s.
Ao inibir a compulsão à comida, o Ozempic mexeria nos centros cerebrais do vício, o que, na avaliação dos analistas do Bank of America, poderia de alguma forma controlar os comportamentos associados à dependência. E isso poderia levar à desvalorização das ações das indústrias de tabaco e álcool.
Porções menores
Algumas companhias já se preparam para os novos tempos. Em comunicado, Steve Cahillane, CEO da Kellanova, a empresa de snacks da WK Kellogg, diz estar de olho na movimentação do mercado, para ajustar os negócios conforme o necessário.
Entre as mudanças estaria, por exemplo, a redução no tamanho das porções. Dona das marcas Oreo, Lacta e Club social, entre outras. A gigante Mondelez, segundo o The Wall Street Journal, começou a expandir linha de lanches de 200 calorias ou menos.
Em uma conferência do Barclays, em setembro, Steven Wood Presley, executivo-chefe da unidade americana da Nestlé, disse que a companhia estava “notando claramente” o impacto dos medicamentos. Mas ele se mostrou otimista – uma boa oportunidade para a marca de congelados Lean Cuisine, de baixas calorias e baixos teores de gordura.
Depois de ouvir 300 americanos em tratamento com o remédio, o Morgan Stanley prevê um aumento no consumo de frutas, vegetais, aves e peixes. Os analistas do banco identificam uma ocasião também para as empresas de suplementos alimentares, de barras de proteínas e shakes nutricionais, sobretudo.
Passageiros mais leves
Outro setor a se beneficiar do efeito Ozempic é o das companhias aéreas, mostra análise do banco de investimento americano Jefferies. Se cada passageiro perdesse 4,5 quilos, isso resultaria em uma economia de US$ 80 milhões anuais, em combustível, para cada empresa.
Os pacientes em tratamento com o Ozempic, porém, costumam perder mais do que isso. Conforme publicado na revista científica The New England Journal of Medicine, em 17 meses, os voluntários obesos se livraram de cerca de 15% de massa corporal.
O PIB da Dinamarca
Obviamente, nenhuma empresa ganha mais com o remédio do que a sua fabricante. Avaliada em US$ 444 bilhões, em setembro, a Novo Nordisk se tornou a empresa mais valiosa da Europa. Ultrapassou a LVMH, grupo de luxo do francês Bernard Arnault.
Na ocasião, a dona de marcas como Louis Vuitton, Dior e Givenchy estava cotada em US$ 428 bilhões. Desde o início de 2023, os papéis da farmacêutica valorizaram 56%.
A gigante farmacêutica ganhou ainda mais impulso com a divulgação, em agosto, do estudo SELECT. No trabalho ficou provado que o Wegovy reduz em 20% os riscos cardiovasculares em pacientes obesos ou com sobrepeso. Lançado em 2021, o medicamento é a mesma semaglutida do Ozempic, mas em uma dosagem específica para emagrecer
A alta nas vendas dos remédios foi expressiva ao ponto de impactar o produto interno bruto da Dinamarca. Nos primeiros seis meses de 2023, a economia do país registrou alta de 1,7%. Não fossem os resultados do laboratório o PIB teria caído 0,3%.
Sob a influência dos medicamentos, o governo dinamarquês dobrou a previsão de crescimento para 2023, previsto para avançar 1,2%. No documento, o Ministério da Economia cita a Novo Nordisk 31 vezes. O número de referências é, por si só, sem precedentes.
Torna-se, no entanto, ainda mais imponente por se tratar da Dinamarca, berço de marcas globais poderosíssimas, como Lego, Maersk e Carlsberg. Mas o Ozempic é o Ozempic, um tsunami previsto para fazer ainda muita onda na economia global.