Os ETFs apresentam sinais de recuperação no mercado brasileiro após dois anos consecutivos de saídas líquidas. Esses fundos de investimento negociados em bolsa acumulam entrada líquida de R$ 6,25 bilhões em 2025, revertendo as saídas de R$ 314 milhões registradas no biênio anterior, segundo levantamento da Quantum para o NeoFeed.
O crescimento atual tem sido impulsionado principalmente pelos ETFs de renda fixa, responsáveis por 71% da captação líquida total. Os fundos LFTB11 (Investo) e LLFT11 (BTG Pactual), ambos com exposição à dívida pública federal, lideraram as captações da categoria com ingressos próximos de R$ 700 milhões cada.
Dados da B3 mostram também uma evolução na quantidade de investidores de ETFs de renda fixa local no primeiro semestre deste ano, com salto de 31% para 61 mil. O número representa menos de 10% dos 795 mil investidores com posição em ETF no fim de junho, mas tem crescido acima da média.
Ainda assim, todas categorias tem conseguido crescer. No semestre, a base de investidores de ETF de renda variável cresceu 10% para 720 mil, com altas tanto na parte local quanto internacional.
Este movimento expõe características específicas do mercado brasileiro: os ETFs de renda variável local ainda mantêm o dobro do patrimônio dos de renda fixa (R$ 12,7 bilhões contra R$ 6,35 bilhões), o que é uma aparente contradição no "País da renda fixa". No mercado de fundos tradicionais, essa proporção se inverte drasticamente e o patrimônio da renda fixa supera em sete vezes o da renda variável.
A maior demanda por ETFs está sendo atribuída à gradual adoção do modelo fee based de remuneração das assessorias de investimentos. Cauê Mançanares, CEO da Investo, estima que cerca de 10% do mercado de assessorias já utilize esse modelo, em que as taxas seguem um percentual do volume investido ou o valor fixo, eliminando os rebates. “Essa mudança já era esperada, mas está ocorrendo mais rápido que o esperado”, afirma Mançanares.
Dados, contudo, indicam que cerca de 95% do setor ainda trabalha com comissões, o que sugere que a transformação estrutural necessária para o crescimento massivo dos ETFs está ainda em estágio inicial. Como os ETFs não pagam rebates e possuem taxas menores, há maior incentivo para ser oferecidos por assessorias fee based do que as de modelo comissionado.
Um dos ETFs da Investo, o LFTS11, vem sendo utilizado com alguma frequência na assessoria One Investimentos. “Começamos a usar o LFTS11 como um caixa de renda variável. É mais eficiente que utilizar um fundo de liquidez diária, um CDB Plus ou um CDB de liquidez”, disse Rodrigo Alvarenga, sócio da One Investimentos. “Tem outros ETFs que também achamos interessante, como o DEBB11, do BTG Pactual, de crédito privado.”
Vantagens tributárias e operacionais
Entre as vantagens desse tipo de instrumento em relação aos títulos convencionais estão a maior diversificação e a alíquota de 15% para aplicações de longo prazo, independentemente do prazo de resgate. Já em comparação com os fundos de renda fixa, os ETFs ainda oferecem o benefício adicional de não sofrerem com a cobrança semestral de come-cotas, o que contribui para uma melhor eficiência tributária ao longo do tempo. Não há também incidência de IOF.
Nos Estados Unidos, onde o modelo fee based já é amplamente adotado por assessorias de investimentos, o mercado de ETFs alcançou um nível elevado de maturidade. No fim de 2024, representavam 26% dos US$ 39 trilhões sob gestão na indústria de investimentos americana. Para efeito de comparação, enquanto os fundos mútuos de ações, renda fixa e híbridos somavam US$ 21,7 trilhões, os ETFs já acumulavam US$ 10,3 trilhões em ativos
Além da parte de renda fixa, José Gaino, sócio da Blackbird, destaca ainda que esse tipo de instrumento pode ajudar na proteção da carteira, com ETFs atrelados a ouro ou mesmo moedas fortes, e diversificação.
“O acompanhamento da estratégia do cliente vai ser focado muito na diversificação de ativos e o ETF é pulverizado por si só. Então, isso acaba trazendo esse benefício”, afirma Gaino.
Renato Eid, superintendente de estratégias indexadas e investimento responsável da Itaú Asset, considera uma tendência também no Brasil essa maior demanda por ETFs. “O investidor vem demandando liquidez, transparência, custo baixo, agilidade operacional, que são elementos que o ETF consegue entregar. E em um ambiente onde você tem muita competição”, diz.
Pioneira no mercado de ETFs no Brasil, a Itaú Asset vem intensificando os esforços nessa frente com novos lançamentos, visando ao crescimento que esse mercado ainda pode ter no Brasil. Nos últimos meses, a gestora do Itaú lançou o ETF GOAT11, que mistura elementos de renda fixa brasileira com variável internacional e o T10R11, atrelado ao mercado de renda fixa americano, mas com hedge cambial.
A gestora do Itaú foi a que mais captou no acumulado do ano em ETFs, com ingresso de R$ 2,35 bilhões, segundo dados da Quantum. A maior entrada foi no SPRX, que segue o S&P 500 com hedge cambial, com captação próxima de R$ 1,7 bilhão.
Desafios estruturais
Apesar do crescimento, esse mercado que já representa mais de um quarto dos valores sob gestão nos Estados Unidos, no Brasil, os ETFs são 0,55% dos R$ 10 trilhões da indústria de fundos local, segundo dados da Anbima.
“É uma evolução de modelo, de educação financeira e de como o assessor consegue mostrar o valor para o cliente. Esse amadurecimento é o que vai destravar o mercado local”, disse Bruno Barino, country manager da BlackRock, em evento, em junho deste ano.
A expectativa da indústria é de que a taxa Selic mais baixa possa destravar a captação dos ETFs, por ainda serem bastante atrelados à renda variável. Mas, no longo prazo, as apostas de quem está na linha de frente desse mercado apontam para um possível predomínio da renda fixa.
“O Brasil é o país da renda fixa. Mas as pessoas ainda têm dificuldade de entender que o ETF, apesar de negociar na Bolsa, pode ser de renda fixa. Ainda tem esse paradigma para quebrar. Mas, sem dúvida, os ETFs de renda fixa não estão tem nem perto do tamanho que deveria ter no mercado”, afirma Mançanares, da Investo. Segundo ele, no longo prazo, há uma chance real de os ETFs de renda fixa se tornarem predominantes localmente.
A cresça é compartilhada por Eid, do Itaú. “Acho que é um desenvolvimento natural [o crescimento dos ETFs de renda fixa]. Pelo menos igualar é razoável”, diz. “Estamos no país renda fixa e ter um mercado de ETF de renda variável tão maior que o ETF de renda fixa mostra o tanto de oportunidade que a gente tem para trazer mais investidores para algo que é benéfico para ele.”