A atividade econômica é, hoje, a maior preocupação de Bruno Serra, gestor dos fundos Janeiro da Itaú Asset. Para ele, ainda que o mercado siga relativamente otimista com o crescimento, o consenso subestimou o ritmo da atividade nos últimos três anos. Agora, há um receio generalizado de enxergar para onde ela realmente está indo. E as variações trimestrais indicam para um PIB estagnado ou até negativo.
Com a expectativa de desaceleração da economia brasileira, Serra acredita que a inflação pode surpreender para baixo, abrindo espaço para cortes de juros ainda neste ano. “Acho que será um período difícil para tudo que está ligado à atividade econômica”, diz Serra, em entrevista ao NeoFeed.
O maior risco é o governo tentar intervir com políticas de estímulo, o que poderia impedir a desinflação sem, necessariamente, conseguir sustentar a atividade. Diante desse cenário, o gestor aposta na alta do CDS brasileiro, ou seja, o risco-país. Isso leva à estratégia de manter posições aplicadas em juros curtos e tomadas em juros longos.
“Acreditamos que há mais de 16% [de alta para a Selic] precificado na curva, mas que o Banco Central não deve entregar mais do que 15% [de taxa básica de juros]. Ainda assim, reconhecemos o alto risco fiscal, a proximidade das eleições e a incerteza sobre as próximas ações do governo”, diz Serra, que deixou a diretoria de Política Monetária do Banco Central em 2023.
Para o gestor da Itaú Asset, a diversificação de posições é essencial para eficiência na gestão de risco. “Estou pessimista? Não sei. Estou aplicado no curto, apostando que o juro longo vai subir em relação ao curto, e também estou comprado em dólar e CDS Brasil. Gosto de books assim, onde consigo extrair minha visão ao máximo.”
De volta ao Itaú após seu mandato no BC, Serra hoje gere R$ 10,3 bilhões nos fundos da família Janeiro. São cinco veículos, entre multimercados, previdência, renda fixa e infraestrutura. Além dele, que lidera a mesa, a equipe conta com 18 especialistas, sendo nove gestores.
Vindo de uma escola de gestão macroeconômica, Serra define a reunião de cenário internacional — realizada às segundas-feiras — como a mais importante da semana. No exterior, suas principais apostas estão na venda da moeda chinesa contra o dólar. Os fundos também têm exposição a ações de tecnologia nos Estados Unidos, setor onde vê oportunidades após a correção causada pela DeepSeek.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:
O BC subiu juros e, pelo Focus, a Selic deve ir a 15%. Mas tem gente falando em mais juros. Você concorda?
Acho que 15% já é um bom impulso. Vão entregar o que foi prometido: mais 1 ponto percentual na próxima reunião e depois deve desacelerar. O que vejo é que os dados da atividade econômica vão começar a piorar. Nós somos brasileiros. E, naturalmente, por termos vivido o que vivemos, a primeira preocupação sempre é a inflação. Quando há um susto ou uma perda de confiança, nosso reflexo imediato é olhar para a inflação e pensar: "isso pode dar problema".
Mas não é uma repetição do segundo mandato de Dilma Rousseff?
Muita gente tenta traçar um paralelo com o período de 2012 a 2015, quando, no fim do primeiro ano de governo e início do segundo, a inflação começou ligeiramente acima da meta e depois explodiu em 2015. Mas há uma diferença importante: aquele ciclo inflacionário, que culminou com 10% em 2015, foi gestado ao longo de dois anos, entre 2012 e 2013, quando o juro real estava entre 2% e 3%. Agora, o cenário é bem diferente: o juro real está entre 9% e 10%. Não dá para usar o mesmo roteiro. Com o juro de 10%, a economia vai sentir.
"Vamos passar uma janela em que o gasto real do setor público vai crescer muito próximo da inflação"
Por que a inflação ainda não desacelerou?
Tivemos um ciclo de crédito muito forte nos últimos anos, por inovações gestadas no período anterior, inclusive, no meu período de Banco Central. Teve um estímulo fiscal enorme com a PEC de transição, depois com o pagamento dos precatórios atrasados, que boa parte virou consumo. Agora, vamos passar uma janela em que o gasto real do setor público vai crescer muito próximo da inflação. Usando os números exatos, ele cresce abaixo da inflação, por um ano e meio, supondo que o limite de gastos seja cumprido em 2025. Da mesma forma que o ciclo econômico muda, o ciclo de crédito também se transforma. A Selic é o principal fator que direciona esse movimento.
A atividade econômica é a sua maior preocupação?
Estou bastante preocupado. A economia deve sofrer um impacto significativo. Nos últimos três anos, o consenso de mercado constantemente subestimou o ritmo da atividade. E, agora, diante do cenário atual, há um receio generalizado de enxergar para onde ela realmente está indo. Se olharmos para as variações trimestrais, caminhamos para um PIB estagnado ou até negativo. De onde vai vir o vetor de crescimento para manter a bicicleta da economia pedalando? Tenho dificuldade de ver. Juro de 15%, um PIB nominal de 8%, 8,5%, não faz sentido. Não tem como nada parar de pé no País.
De que maneira o governo pode ser um risco nesse cenário?
Se o governo enxergar essa desaceleração da atividade econômica como algo positivo — especialmente após dois anos de crescimento forte — e reconhecer que a inflação tem afetado sua popularidade, poderá usar esse cenário como um meio para reduzir a inflação. Se aceitar essa desaceleração por alguns trimestres, a inflação poderá surpreender para baixo.
Mas não é bem isso que o governo indica.
Por outro lado, se o governo reagir mal e tentar impedir essa desaceleração por meio de medidas interventoras — seja lá quais forem —, ele corre o risco de acabar no pior dos dois mundos: não conseguirá evitar a desaceleração, que acontecerá de qualquer forma, e ainda dificultará a queda da inflação.
"Se a inflação surpreender para baixo, estaríamos falando de algo em torno de 5% em 2025. Se for 5%, já seria um número espetacular"
Dá para pensar em inflação dentro da meta?
Não, não. O Focus projeta uma inflação de 5,5% para este ano e essa expectativa tem subido. Para 2026, a projeção é de 4,2%. Já a inflação implícita nos títulos públicos — que é, de fato, o que compramos e vendemos no mercado — está próxima de 7%. Se a inflação surpreender para baixo, estaríamos falando de algo em torno de 5% em 2025. Se for 5%, já seria um número espetacular, apesar de ainda estar acima do teto da meta. Mesmo assim, isso surpreenderia positivamente o mercado. O mercado ficaria otimista.
Tem espaço para a Selic cair neste ano?
Depende de quão rápido vem essa desaceleração e como o governo reage. Acho que o ano está muito aberto. Esses dados de atividade econômica ainda não apareceram. Se essa desaceleração for mais forte, acho que sim, pode cair no fim do ano.
Como essa desaceleração e juros altos podem afetar o mercado de crédito privado? Podemos ver uma abertura de spreads?
O impacto será generalizado. O crédito vai sentir bastante. Quem vai querer emprestar dinheiro em um ambiente como o atual? Parece um cenário muito desafiador. Acho que será um período difícil para tudo que está ligado à atividade econômica.
Como vocês estão se posicionando?
Atualmente, nossas posições estão aplicadas em juros curtos, pois acreditamos que há mais de 16% [de alta para a Selic] precificado na curva, mas que o Banco Central não deve entregar mais do que 15% [de juros]. Mas também temos uma posição de inclinação de curva, pois reconhecemos o alto risco fiscal, a proximidade das eleições e a incerteza sobre as próximas ações do governo. Esses fatores aumentam a volatilidade e a imprevisibilidade do cenário econômico. E temos uma posição significativa comprada em CDS do Brasil, comparado a um grupo de países pares. Mas já reconhecemos que o nível atual está muito bom para manter essa posição. Estamos no limite superior da nossa exposição.
"Temos uma posição de inclinação de curva, pois reconhecemos o alto risco fiscal, a proximidade das eleições e a incerteza sobre as próximas ações do governo"
Isso significa que diminuíram o pessimismo?
No começo, éramos mais pessimistas que o mercado em relação ao ciclo de juros. Agora, acreditamos que o mercado pode estar exagerando ao precificar até onde a Selic precisaria subir para ancorar as expectativas. O problema é que a falta de confiança na política econômica, que afetou o câmbio no fim do ano e pressionou os ativos locais em janeiro, agora está contaminando as expectativas de inflação.
No ano passado, mesmo após o BC sinalizar mais duas altas de 1 ponto percentual, as expectativas de inflação e o dólar continuaram subindo. Há o risco de dominância fiscal que tanto se discute no mercado?
A dominância fiscal é um conceito teórico e é difícil encontrar exemplos claros de países que tenham entrado nessa dinâmica. Os países que costumam ser comparados ao Brasil, como Argentina e Turquia, tiveram, de fato, erros graves na política monetária. Aqui no Brasil, até agora, o juro real está entre 9,5% e 10%. No fim do ano passado, o Banco Central anunciou que subiria os juros rapidamente, o câmbio disparou para R$ 6,30, e isso gerou uma reação forte. Quem defendia a tese da dominância fiscal apontou esse movimento como um sinal claro do problema. Agora, o câmbio está em R$ 5,85.
Ou seja, não se sustenta.
A dominância fiscal ocorre quando o mercado acredita que o governo, ao longo do tempo, não tomará as decisões certas. Não se trata apenas do superávit primário do próximo ano ou do seguinte. É uma visão de longo prazo: ao longo dos próximos 10, 15 anos, os superávits primários não seriam suficientes para estabilizar a dívida, e nenhum governo faria esforço para reverter essa trajetória.
As eleições de 2026 já começaram a influenciar o debate?
O ano de 2026 será um divisor de águas. A eleição está muito próxima e bastante disputada para que o mercado entre, neste momento, em um cenário extremo de dominância fiscal. Se o debate eleitoral seguir na linha do "segue o jogo" e o candidato favorito defender a manutenção da política econômica atual, poderemos caminhar para uma dinâmica negativa, mais próxima da dominância fiscal. Minha visão continua a mesma desde o início: um juro de 15%, com um juro real de 10%, terá impacto na economia e levará a uma desaceleração. Esse é um sinal de que não estamos em dominância fiscal. Obviamente, quando o câmbio dispara, como aconteceu em dezembro, surgem questionamentos. O risco existe, mas depende muito do pós-eleição. Esse cenário se definirá no processo eleitoral.
Quando isso deve começar a ser precificado?
A partir de abril do ano eleitoral é que se intensifica. Eu acho que dado todas as incertezas dessa eleição, provavelmente talvez um pouco antes no início de 2026.
Você ainda espera algum ajuste fiscal do atual governo ?
Não, eu espero que ele entregue o limite de gastos, o que já representaria uma contenção significativa do impulso fiscal.
Se ele cumprir, isso já melhora um pouco a situação?
Acredito que sim, melhora bastante. Ajuda no controle da inflação e reduz o estímulo à atividade econômica, o que, paradoxalmente, seria positivo para a inflação — desde que o governo permita que a economia desacelere.
"O desafio do Fed de trazer a inflação de volta para 2% ficou mais difícil"
No exterior, como as tarifas anunciadas pelos EUA sobre México, Canadá e China afetam a política de juros do Federal Reserve?
Para o Fed, reforça-se a necessidade de cautela nos próximos trimestres. Nosso cenário base é que o Fed manterá a taxa de juros em 4,3% este ano. Uma alta de tarifas deve impactar os preços em um momento em que a inflação ainda está acima da meta de 2% e a atividade econômica segue forte. É natural que o desafio do Fed de trazer a inflação de volta para 2% ficou mais difícil. A questão é definir qual será a tarifa universal aplicada a todos os países e quais tarifas adicionais serão impostas especificamente às nações que já adotam barreiras mais altas. A China é um forte candidato a sofrer essas medidas, também pela disputa geopolítica, o que desaceleraria sua economia. Até por isso, temos apostado contra moedas asiáticas, especialmente o yuan.
Junto a esse impacto na inflação ainda tem a questão imigratória. As deportações podem complicar ainda mais esse jogo?
Isso é significativo, pois, nos últimos dois anos, a imigração desempenhou um papel crucial no equilíbrio do mercado de trabalho americano. E essa mudança ocorre em um contexto onde a economia dos EUA não está desacelerando de maneira expressiva. Há o risco de não ter mais avanço da desinflação em direção à meta em 2025. Jerome Powell [presidente do Fed] deverá ser mais cauteloso, até pensando em sua saída em 2026. A gente espera uma taxa de juros provavelmente parada o ano todo.
E afeta a bolsa americana?
Vimos o S&P disparar mesmo com juros altos em 2023 e 2024. Acho que, enquanto a economia estiver saudável, crescendo bem e sem um choque inflacionário que leve a uma nova alta de juros, o S&P deve continuar se saindo bem. Mas não estamos particularmente otimistas com o índice neste momento, com apenas 5% de participação no fundo em bolsa. A maior parte no setor de tecnologia.
Agora, a tese de investimento em inteligência artificial ficou embaralhada com a chegada da DeepSeek. Mudou muito?
Acreditamos que há um grande potencial para a redução dos custos no uso da tecnologia. Se isso realmente se concretizar no nível que estão projetando, o impacto pode ser significativo. Se de fato for verdade, pode trazer enormes benefícios. Nós, inclusive, aumentamos nossa posição no Nasdaq depois do evento. Pelo preço atual, se essa tese se confirmar, há muitos vencedores nesse mercado. Talvez a Nvidia não seja mais a única grande beneficiada. O potencial de valorização pode se espalhar por diversas outras companhias grandes, diluindo os ganhos entre elas.
O capex não seria tão grande, né?
Exato, e isso permitirá uma maior disseminação do uso da tecnologia. Acreditamos nisso. Desde o evento, aumentamos nossa posição.