A crise imposta pelo novo coronavírus aterrissou primeiro nas companhias aéreas. Foi, de fato, o setor da economia que primeiro sentiu os impactos do isolamento social e será, provavelmente, um dos últimos a sentirem a retomada quando ela vier.
Isso fez com que as grandes companhias reduzissem o número de voos diários, renegociassem salário com os funcionários para reduzir o tamanho da folha de pagamento e também se sentassem à mesa com os credores para reduzir seus custos.
A Gol, presidida por Paulo Kakinoff, tem feito esse trabalho diário de atenção ao caixa da companhia. Em entrevista ao programa Conexão CEO, o executivo afirma que a companhia tem reservas para até 2021. Mas que analisa outras fontes como a linha de crédito que está sendo desenhada pelo BNDES.
Em relação a uma possível fusão entre as concorrentes Azul e Latam, Kakinoff olha até com bons olhos. Ele afirma que a indústria terá de se ajustar à oferta e a demanda. Acredita também que haverá mais fusões no mercado global, muito afetado pela crise.
Na entrevista que segue, ele fala sobre os aviões Boeing 737 Max, a redução da frota, o mercado de aviação, o lado pessoal e como a empresa se preparou para a crise e arrisca que o setor só voltará aos patamares de 2019 em meados de 2021. Até lá, diz ele, precisará “manter a água no cantil para a travessia do deserto”.
Abaixo, alguns trechos da entrevista. Mas íntegra e todos os detalhes estão no vídeo acima. Acompanhe:
O início da crise
Estivemos em uma posição privilegiada por estarmos em uma região onde o vírus chegou mais tarde. Especificamente na Gol, como o setor aéreo foi muito impactado desde o início, na China e na Europa, tínhamos muita clareza que teríamos o mesmo desafio aqui. Assim sendo, fizemos uma reunião no dia 9 de março onde criamos uma figura onde iniciaríamos a travessia de um deserto cujas extensão e temperatura seriam imprevisíveis. E é o que está acontecendo.
Reservas para a travessia
O uso racional do caixa tem sido o nosso principal desafio. Olhando para trás, nesses 100 dias, a companhia tem acumulado conquistas importantes para assegurar o que vem pela frente. A crise está mais desafiadora do que imaginávamos, mas temos tido êxito nas negociações com os principais parceiros da empresa. Falando de 2020, o que temos em caixa nos garante uma posição de segurança para fazer essa travessia. Temos R$ 3 bilhões de caixa disponível.
Quando o mercado volta ao patamar de 2019?
Para patamares comparáveis pré-covid, onde as empresas voltem a ser economicamente sustentáveis pela sua própria operação, estimo que em meados de 2021. E isso vai variar entre as empresas. Estamos em uma posição privilegiada uma vez que a nossa dependência de receitas advindas do mercado internacional é muito mais baixa que a dos nossos concorrentes. Apenas 15% dos nossos voos eram dedicados ao mercado internacional. Essas são as rotas mais afetadas e que levarão mais tempo para ver em patamares comparáveis com o que tínhamos no pré-crise.
Redução de frota e o Boeing 737 Max
Das nossas 130 aeronaves, estamos utilizando entre 20 e 25 aeronaves. As negociações que estamos tendo com os lessores (as empresas de leasing) que nos dão por um período longo a isenção dos pagamentos sem que seja necessário devolver os aviões. Em relação ao 737 Max, quero ser bem assertivo, a Gol já tinha operado 11,4 mil horas com esse equipamento. Sete aviões desse já estavam na nossa frota e não tenho receio de dizer que é a melhor aeronave comercial desse porte já produzida. Reduzimos a ordem de compra para os próximos dez anos por conta da covid-19. Tínhamos 130 encomendados e reduzimos em 30 aeronaves.
Uma possível fusão entre Latam e Azul
A hipótese de fusão entre essas empresas é benigna para o setor. O maior desafio que vamos enfrentar como indústria é um potencial descasamento entre oferta e demanda. Processos de fusão entre empresas só fazem sentido se tiver uma racionalização da oferta. Mas, falando numa escala global, essa é uma tendência quase que inexorável. Muitas companhias estão fragilizadas ou sucumbiram. Acredito em mais fusões nesse período de covid e pós-covid.
As conversas com o BNDES
Não tratamos até aqui e no momento continuamos não tratando como condição sine qua non para a companhia essa linha do BNDES. Ela pode ser muito importante, pode ajudar realmente, e se a crise se desenvolver num nível mais elevado do que estamos assumindo, ela pode ser sim uma necessidade. Na perspectiva da Gol não é. Trabalhamos todos os dias para vencer a complexidade desse embrião e torná-lo exequível no mercado. É algo que entendo que será uma opção nas próximas semanas.
O lado pessoal durante essa tempestade
Esse tem sido o maior desafio profissional e humano que eu e os executivos da companhia teriam. É o maior desafio social já imposto à humanidade simultaneamente. No meu caso específico, o esporte já era importante na minha vida. Antes, era uma disciplina de prazer. Hoje, é de condicionamento físico e mental para suportar tudo isso. O segundo ponto é a necessidade das pausas, tenho sido fiscal de que o pessoal aqui tem de dormir. Isso é fundamental para a gente não adoecer e manter o equilíbrio de raciocínio. O terceiro ponto é que essa crise traz algum nível de abalo emocional. Estamos cuidando um do outro para lidar com os desafios que a crise tem imposto a todos nós. Nunca precisamos tanto da capacidade intelectual para soluções e nunca fomos tão demandados na questão física.
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