A petição da Lojas Americanas endereçada à 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que embasou o pedido de recuperação judicial da rede varejista, tem trechos curiosos, marcados por apelos emocionais, preocupação em mostrar a importância da empresa no cenário econômico nacional e críticas a dois bancos credores (BTG Pactual e BV) que foram à Justiça para derrubar a liminar e desbloquear as aplicações financeiras.

A estratégia dos 10 advogados de dois escritórios que assinam a petição – Basílio Advogados e Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados – permeia as 19 páginas do documento: a empresa é saudável e a crise de fluxo de caixa vivenciada é “momentânea, passageira e certamente será superada à frente”. Por essa razão, a recuperação judicial é “necessária e indispensável”. A petição foi entregue nesta quinta-feira, 19 de janeiro.

Nas considerações iniciais, quando a defesa alinha os motivos para o imediato pedido de recuperação judicial, ficou clara a intenção de enaltecer a importância da Americanas, mostrada como “a maior empresa de omnichannel da América Latina”.

A defesa começa dando um cutucão no Estado brasileiro ao lembrar sua atuação em comunidades carentes do Rio de Janeiro e de São Paulo.

“A Americanas é parte da vida do povo brasileiro. Tanto é que vai até mesmo onde o Poder Público não tem meios de alcançar, ao realizar serviços de coleta e entrega de produtos nas comunidades carentes do Rio de Janeiro, por meio do programa na Porta”, diz um trecho do documento.

Para reforçar “a magnitude” da empresa, o documento cita que, nos últimos anos, a Americanas foi “o principal parceiro dos maiores programas de entretenimento do país, dentre eles o Big Brother Brasil – BBB, ‘entrando’ na casa de dezenas de milhões de brasileiros”.

A linha argumentativa desemboca num apelo emocional: “A Americanas é, sem receio de se estar cometendo um exagero, uma gigante nos mercados brasileiro e mundial, que precisa do apoio e da compreensão do Poder Judiciário e dos credores para superar essa crise.”

Reclamação de poucos

Na justificativa imediatamente posterior, a petição diz que a tutela cautelar de caráter antecedente, pedida pela empresa a fim de evitar danos irreversíveis ao seu caixa, mostrou-se acertada, pois “alguns poucos credores, sem pensar nos impactos para a coletividade, tomaram medidas precipitadas que culminaram no perigoso esvaziamento do caixa da companhia”.

Os “pouco credores” citados aparecem várias vezes ao longo da petição: os bancos BTG Pactual e BV. As duas instituições conseguiram derrubar uma decisão que suspendia a execução de dívidas da Americanas por 30 dias, solicitada pela varejista.

O BTG tem um crédito de R$ 1,2 bilhão com a varejista, bem mais que os R$ 200 milhões do BV.

Procuradas pelo NeoFeed, as duas instituições não quiseram comentar o caso.

Na petição, fica clara o objetivo da defesa em citar os credores como um obstáculo a mais para obter uma solução rápida para a dívida da empresa.

“A situação ficou ainda pior em razão dos consecutivos rebaixamentos de rating da Americanas, pelas agências de classificação de risco, o que fez com que os bancos se negassem a adiantar recebíveis de cartão de crédito, operação rotineira e historicamente feita pelo Grupo Americanas para capital de giro, drenando mais de R$ 3 bilhões do caixa da Companhia”, diz um trecho.

Dívida de longo prazo

Do meio até o final da petição, quando detalha as dificuldades de caixa, a estratégia é mostrar que a empresa é "saudável" e o que ocorreu foi algo momentâneo.

A linha argumentativa começa lembrando que a empresa passou sem sustos pela pandemia, “gerando mais de 100 mil empregos diretos e indiretos, arrecadando mais de R$ 2 bilhões em tributos por ano, além de manter, aproximadamente, 3.600 estabelecimentos espalhados por todo o país, atendendo a mais de 50 milhões de consumidores”.

E prossegue citando a receita líquida até 3º trimestre de 2022, que girava em torno de R$ 27 bilhões, sendo o EBITDA ajustado de R$ 3,157 bilhões.

De acordo com a petição, com relação ao endividamento bruto do grupo, disponibilizado no ITR divulgado no mesmo período, “sem contar as inconsistências que ainda estão sendo apuradas, o valor atingia cerca de R$ 20,791 bilhões, sendo 89% desse montante dívida de longo prazo”.

Para reforçar o pedido de recuperação, a defesa reconhece que, a despeito de todos os esforços empreendidos, a empresa enfrenta uma gravíssima crise de liquidez, “decorrente da identificação das distorções contábeis supramencionadas e dos drásticos efeitos em suas operações comerciais e financeiras, com potencial incremento do passivo, em razão das inconsistências contábeis, estimados na ordem de R$ 20 bilhões”.

Segundo a defesa, “a crise do grupo pode afetar até mesmo o preço do ovo de Páscoa, pois se trata da maior varejista de ovos de Páscoa do mundo.”

E finaliza o pedido com uma advertência: “O risco, então, caso não seja deferido o imediato processamento desta recuperação judicial, é de um absoluto aniquilamento do fluxo de caixa do Grupo Americanas, o que impedirá o cumprimento de obrigações diárias indispensáveis ao exercício da atividade empresarial, tal como o pagamento de fornecedores e funcionários.”

Na petição, a Americanas reconhece uma dívida total de aproximadamente R$ 43 bilhões. E que esse valor é devido a cerca de 16.300 credores.