Além do patrimônio bilionário que ostentam, alguns dos homens mais poderosos do mundo compartilham o gosto pela filantropia.
O ex-casal Jeff e MacKenzie Bezos, por exemplo, doou US$ 2 bilhões – ou 1,5% de sua fortuna – à caridade. Quem trilhou caminho parecido foi o magnata Michael Bloomberg, que abriu mão de 7,3% de seu patrimônio para apoiar causas que impactam setores de arte, cultura e meio-ambiente.
Em um único ano, Mark Zuckerberg e sua esposa Priscilla Chan desembolsaram US$ 213,5 milhões para ajudar em ações que acreditam. Vale lembrar que o casal ainda sustenta a Chan Zuckerberg Initiative Donor Advised Fund, que foca em educação, ciência, reforma da justiça criminal, pesquisas e saúde.
Mais do que bom coração e muito dinheiro, esses bilionários se aproveitam das regras que garantem dedução no imposto de renda à verba dedicada à filantropia.
Geralmente, nos EUA, é possível abater de 30% e 60% das contribuições da renda bruta, dependendo da natureza e do status de isenção de impostos da instituição de caridade à qual se está doando.
E isso serve como um incentivo adicional. Em 2018, os americanos doaram US$ 427,71 bilhões às causas sociais, num aumento de 0,7% em relação ao ano anterior.
Quem acompanha essa movimentação de perto é o canadense Phil Buchanan, de 49 anos. Nascido em Toronto, no Canadá, mas criado em Oregon, nos Estados Unidos, Phil trabalhou como consultor de estratégia para grandes empresas, fazendo valer seu diploma de administração em Harvard.
Mas o mundo corporativo não faz sentido se não fizer sentir: para Buchanan, retribuir é palavra de ordem – e isso vale para pessoas físicas e jurídicas.
Há 18 anos ele aceitou o desafio de comandar o The Center of Effective Philanthropy, uma organização que analisa as formas mais eficientes de solucionar alguns dos principais problemas da sociedade moderna.
Foi esse tempo avaliando o terceiro setor que o levou a se declarar "frustrado com os erros previsíveis" que pessoas cheias de dinheiro e boas intenções cometiam, ao mesmo tempo que se mantém "inspirado pela filantropia “feita da maneira certa'".
As suas experiências neste setor foram reunidas na obra "Giving Done Right", livro recém-lançado pela Public Affairs, cujo assunto ele discutiu com exclusividade com o NeoFeed.
Acompanhe a entrevista a seguir:
Você acha que a filantropia mudou muito nos últimos anos?
Acredito que sim e acho isso ótimo. Minha percepção é que hoje, em comparação com a década passada, há mais reconhecimento dos desafios da filantropia e de sua importância. As pessoas entenderam que nem tudo o que se aprende no mundo da administração se aplica ao mundo da filantropia e organizações sem fins lucrativos. Outra coisa que certamente mudou nos últimos anos é que ONGs e instituições beneficentes estão mais suscetíveis a críticas. Acho que críticas construtivas são bem-vindas, sobretudo as que não chegam endereçadas, mas que ajudam todos, de alguma forma, a melhorar.
Então você acha que ONGs e fundações sem fins lucrativos não podem ser geridas como um negócio, é isso?
Exatamente. Há uma presunção de que empresas que buscam um lucro são bem gerenciadas, e organizações sem fins lucrativos não são. Isso é uma inverdade. Acho que há bons e maus exemplos nos dois casos, mas a realidade é que é muito mais difícil gerir uma iniciativa sem fins lucrativos.
"Há uma presunção de que empresas que buscam um lucro são bem gerenciadas, e organizações sem fins lucrativos não são. Isso é uma inverdade"
Por quê?
Porque essas iniciativas trabalham em áreas e situações naturalmente desafiadoras, que não tiveram uma resposta do mercado. Além disso, o trabalho é diferente e mensurado de maneiras diferentes. Você sabe que uma empresa está indo bem quando ela dá lucro. Você não pode aplicar a mesma lógica para uma ONG, por exemplo. Avaliar a performance de uma iniciativa sem fins lucrativos é olhar para além do quesito financeiro; é levar em consideração do impacto que ela causa no setor em que atua. E essa métrica pode ser subjetiva.
A estratégia de um projeto sem fins lucrativos também tem que ser diferente?
Com certeza. Quando traçamos uma estratégia para um negócio que busca o lucro, estamos falando de um ambiente de competição, onde o seu objetivo é ser e fazer diferente dos seus concorrentes. Já num contexto sem fins lucrativos, o ambiente é colaborativo. Ninguém causa um grande impacto sozinho, então a estratégia tem que ser compartilhada com o máximo de iniciativas e pessoas possível.
Filantropia é caridade?
Acho que caridade é um tipo de filantropia. As pessoas usam definições diferentes, mas o objetivo é o mesmo: causar um impacto positivo. As pessoas que eu quero alcançar são aquelas que querem mudar certas situações que lhes importa, com os recursos que têm. Se o seu objetivo é doar para a universidade onde você se formou, na tentativa de mostrar aos seus ex-colegas o quão rico é, isso não é exatamente filantropia.
"Se o seu objetivo é doar para a universidade onde você se formou, na tentativa de mostrar aos seus ex-colegas o quão rico é, isso não é exatamente filantropia"
Essa prática de fazer grandes doações a universidades é uma prática comum entre os milionários americanos. Acha que apenas os mais abastados devem se manifestar?
Não, eu acho que é importante que todos retribuam. Minha opinião pessoal é que cobramos poucos impostos dos bilionários. Há pessoas que têm muito mais do que precisam, e poderiam usar parte de seu poder para fortalecer causas que combatam a desigualdade, que promovam arte e cultura, e que dão oportunidade para quem não teve a mesma sorte. Mas, mais do que investir, eu volto a bater na tecla de que é preciso investir em filantropia de uma forma eficiente.
E como seria isso?
Não existe uma única resposta para essa pergunta, mas há alguns princípios básicos. Todos os bons filantropos realmente se dedicam a escutar as pessoas que se propõem a ajudar. Eles não acham que sabem mais do que todo mundo. Além do mais, bons filantropos sabem como apoiar iniciativas e projetos de forma responsável e respeitosa, trabalhando para que elas sejam cada vez mais fortes e reconhecendo que não há uma forma lógica de avaliar seu desempenho.
Acha que a filantropia é diferente em cada país?
Acho que o contexto de cada país é diferente e o governo atua em cada nação de uma maneira específica – e isso, claro, impacta também o mundo da filantropia. Eu, particularmente, me sinto confortável apenas para falar sobre os Estados Unidos, que é o país que conheço com mais profundidade. Acho que temos um histórico sólido e bem desenvolvido de projetos e iniciativas sem fins lucrativos. Apesar disso, acho que é urgente discutirmos o futuro do terceiro setor, porque houve um salto na desigualdade social, mudanças nas necessidades das pessoas e alterações nas leis de incentivo. Algumas dessas mudanças fizeram com que um número menor de doadores fosse beneficiado com as regras de abatimento de imposto em casos de caridade, por exemplo. Há muito o que discutir e pensar.
Isso tem a ver com o avanço da extrema-direita no mundo? Acha que esse movimento político castiga, de alguma maneira, a filantropia?
Eu acho que quando você tem um governo federal como o nosso que negligência um grupo já marginalizado, a filantropia passa a ter um papel fundamental. Não à toa é que ONGs sem fins lucrativos estão agora na fronteira com o México, ajudando famílias que foram separadas, auxiliando imigrantes ilegais que estão sofrendo. São tempos assustadores os que estamos vivendo, mas fico feliz em ver que muitas iniciativas estão nascendo e se fortalecendo para tentar encontrar soluções para problemas históricos.
Por falar em ações nos Estados Unidos, em 2010 os magnatas Bill Gates, Melinda Gates e Warren Buffet criaram o movimento The Giving Pledge, que convoca bilionários a doarem pelo menos metade de suas fortunas a causas sociais. O que acha disso?
Criar esse movimento é uma coisa. Conquistar a meta é outra. E conquistar a meta de forma inteligente, uma terceira coisa. O dinheiro tem que ser distribuído, certamente, mas de uma forma eficiente. Mas, de uma forma geral, eu fico satisfeito que essas pessoas estejam buscando inspirar outros bilionários.
Mas, por falar em Bill Gates, ele foi usado como um "mau exemplo" no seu livro. Por quê?
Eu acho que é importante que esses milionários se importem e tentem buscar soluções. Em 2016, Gates se propôs a doar 100 mil galinhas a pessoas que viviam com menos de US$ 2 por dia. A ideia era que essas pessoas pudessem criar um sustento a partir da produção de ovos. Embora o projeto fosse bem-intencionado, ele foi duramente criticado. A Bolívia chegou a rejeitar a proposta do bilionário, apontando para o fato de que eles criavam 197 milhões de frangos por ano. A grande questão aqui é: você não pode encontrar uma solução excluindo as pessoas envolvidas no problema. É preciso ouvir toda a cadeia.
Você acha que é possível ser bem-sucedido sem ajudar ao próximo?
Tudo depende de como você define sucesso. A triste realidade é que muitas das empresas consideradas "bem-sucedidas", porque valem e geram grandes fortunas, não fizeram nada de bom pelo e para o mundo. Algumas foram até negativas. Na contramão, acho que cresce o número de negócios que entendem sua responsabilidade com a sociedade. Precisamos mudar como percebemos o sucesso.
E ainda nesta linha, o que acha de indivíduos e empresas que usam sua filantropia como estratégia de marketing?
Não tenho problema com pessoas e empresas que querem reconhecimento por fazer a coisa certa, contanto que o comprometimento seja verdadeiro. Se não for um modismo, não vejo nada de errado em querer compartilhar sua boa ação com o resto do mundo. Acho que o mundo seria um lugar muito melhor se as pessoas, ao invés de tentarem impressionar as outras com carros e iates, o fizessem mostrando seu impacto no mundo.
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