Há exatamente um ano, no dia 8 de dezembro, o Nubank precificava o seu IPO na Bolsa de Nova York, levantando US$ 2,8 bilhões a um valuation de US$ 41,5 bilhões, valendo mais do que os principais players nacionais.

Desde então, as coisas mudaram, o cenário macroeconômico se deteriorou e as ações desabaram. Na última quarta-feira, 7 de dezembro, seu valor de mercado atingiu US$ 18,5 bilhões, menos da metade de um ano antes.

Indagado sobre as cobranças do mercado e sobre o que mudou depois de abrir seu capital, David Vélez, o CEO e cofundador do Nubank, não hesita na resposta. “A decisão de a gente ter feito o IPO foi uma das melhores decisões que tomamos na nossa história”, diz ao NeoFeed.

Com um misto de visão e sorte, captou o que nas palavras dele diz ser “um caminhão de dinheiro, mais do que a fintech precisava” antes de o mercado de venture capital “hibernar”. “Se o Nubank fosse uma empresa privada, estaríamos tendo uma conversa completamente diferente”, afirma Vélez.

Isso porque seria mais difícil captar para sustentar o crescimento do banco. Mesmo assim, o Nubank, que atingiu 70 milhões de clientes, não está com a “vida ganha” e está tendo que provar seu valor ao mercado. Neste ano, além da queda dos papéis, o banco fechou o capital na B3 por falta de liquidez e tem sido muito questionado por conta da alta inadimplência.

Na entrevista exclusiva que segue, David Vélez fala sobre essa questão, explica sobre a desistência de seu pacote de remuneração de US$ 423 milhões, fala da competição com os grandes bancos, os produtos que pretende lançar, como o crédito consignado e colateralizado, e a expansão internacional. Acompanhe:

No dia 8 de dezembro, faz 1 ano que o Nubank abriu capital. O que mudou para você e para a empresa? Ficou mais difícil comandar o banco? Tem mais cobrança?
Com certeza tem sido um ano mais desafiador do que 2021 e com mais cobrança. Mas a cobrança não é maior pelo fato de sermos uma empresa de capital aberto e sim pelo fato de que o ambiente atual é mais desafiador. Se o Nubank ainda fosse uma empresa privada, a cobrança seria a mesma. Acho que esse ambiente desafiador tem feito a gente aumentar o nível de rigor dos nossos investimentos e decisões, tem nos puxado a fazer menos coisas e da melhor forma. A decisão de a gente ter feito o IPO foi uma das melhores decisões que tomamos na nossa história.

Por quê?
A gente fez um IPO e levantamos muito mais capital do que precisávamos. Lembro das conversas que tínhamos em novembro de 2021 e dizia: ‘as condições não poderiam ser melhores para uma empresa de alto crescimento como a nossa, então vamos levantar mais capital do que a gente precisa porque, é bem provável, que o futuro não vai ser tão bonitinho como está sendo neste momento.’ As estrelas estavam completamente alinhadas para uma empresa como a nossa. Não sabíamos que 2022 seria tão desafiador, mas tínhamos muito claro que as condições eram excepcionais. No final de novembro do ano passado, o mercado começou a enfraquecer e alguns investidores no roadshow diziam para a gente esperar. Resolvemos baixar o valuation e seguimos.

Diria que foi um misto de visão e sorte?
Com certeza. Visão de ter reconhecido que o ambiente era muito atrativo e sorte porque não imaginávamos que as coisas iam mudar tão rapidamente com guerra da Rússia e Ucrânia, inflação no mundo inteiro. O ano de 2022 chegou e foi muito mais desafiador. Se o Nubank fosse uma empresa privada, estaríamos tendo uma conversa completamente diferente.

“Se o Nubank fosse uma empresa privada, estaríamos tendo uma conversa completamente diferente”

Quão diferente?
Seria difícil para levantar capital, não teríamos levantado US$ 2,8 bilhões a um valuation muito bom e hoje estaríamos tendo de tomar decisões mais difíceis.

Deu mais conforto ao Nubank...
Exatamente. Entramos nesse ambiente mais desafiador com um caminhão de dinheiro, com uma capacidade financeira muito forte e com uma operação brasileira que está basicamente rentável. E até o fim do ano toda a operação estará rentável, crescendo receita a mais de 170% ao ano. As operações do México e Colômbia ainda não são rentáveis, estão em fase de crescimento, mas a rentabilidade do Brasil financia o crescimento desses países.

Você disse que não mudou muito ser uma empresa de capital aberto, mas hoje você tem de dar mais explicação ao mercado, não?
As coisas, com certeza, mudaram. Mas mais pelo fato do ambiente. Indo para sua pergunta, somos sim mais cobrados hoje. Uma das partes mais difíceis no começo, diria no primeiro trimestre, foi quando as ações começaram a cair nos perguntávamos o que estava acontecendo. Íamos falar com investidores internacionais, locais, de varejo e institucionais e todos tinham uma opinião. Um dizia que precisávamos priorizar o longo prazo, o outro o curto prazo, havia gente que dizia que tínhamos de anunciar expansão para outros países e conquistar o mundo, outros falavam para fechar as operações internacionais e concentrar só no Brasil.

“Entramos nesse ambiente mais desafiador com um caminhão de dinheiro, com uma capacidade financeira muito forte e com uma operação brasileira que está basicamente rentável”

O que vocês fizeram?
Demorou uns seis meses para entendermos que não podíamos contentar todo mundo, é impossível. O tipo de investidor que queremos dentro de casa é o que tenha a visão de longo prazo de que estamos construindo a maior plataforma financeira da América Latina e uma das maiores do mundo. Mas isso não quer dizer que não olhamos para o curto prazo. Chegamos no longo prazo entregando o curto prazo.

Mas muita gente investiu na ação do Nubank no IPO e hoje elas valem menos metade do que valiam. O que você diria para quem comprou o papel e hoje está perdendo?
Isso tem acontecido com todas as empresas. Quando os juros duplicam ou triplicam, como aconteceu nos Estados Unidos, os preços dos ativos caem independentemente da performance das empresas. Diria para o investidor para primeiro olhar a nossa performance como empresa. Temos batido todas as expectativas como empresa de capital aberto. Nossa execução continua indo muito bem. E, em segundo lugar, nossa tese é de longo prazo. Estamos disruptando o maior segmento da indústria da América Latina que é o financeiro. Isso não vai acontecer de uma hora para a outra. Se conseguirmos executar esse plano, daqui 5 ou 10 anos, seremos os maiores. Diria para o investidor deixar o investimento ali, não faz sentido vender e sim comprar, e nos cobre na execução das métricas que estamos entregando.

Nesse primeiro ano de capital aberto, o Nubank fechou o capital na bolsa brasileira. Não foi por que o papel tinha baixa liquidez?
Com certeza. Basicamente, o mercado local é responsável por cerca de 2% a 3% da liquidez do papel diariamente. É muito, muito, muito baixo. E é muito custoso ter uma empresa pública no Brasil e nos Estados Unidos. São dois reguladores, informes regulatórios duplicados e, em várias áreas, os informes regulatórios brasileiros são mais caros. Então, quando olhamos essa liquidez tão baixa, todas as despesas locais e que ainda conseguiríamos ter um BDR nível 1 em que os investidores poderiam comprar, fazia sentido fechar o capital local.

Falando de métricas e resultados. O Nubank tem sido muito cobrado por conta da inadimplência. No terceiro trimestre deste ano, o NPL (non-performing loan) de 15 a 90 dias atingiu 4,2%, enquanto acima de 90 dias chegou a 4,7%. Isso representa um aumento de 50 pontos base e 60 pontos base, na comparação com o trimestre anterior, respectivamente. Como vocês estão trabalhando isso e até que ponto o crescimento da carteira de crédito é saudável?
Quando falávamos com investidores locais, no início do ano, todos esperavam que a inadimplência explodisse ou que a gente, pela pressão do mercado, continuaria a crescer a todo vapor sem tomar cuidado. Depois de três trimestres que mostramos resultados, mostramos que a inadimplência não vai explodir, temos confiança no nosso sistema de crédito. Tem, sim, aumentado a inadimplência, mas é cíclica. Dado o ciclo econômico, a inadimplência vai subir e depois baixar. Não tem nada estranho no fato de que a inadimplência vai subir e está subindo. Mas, diferente do que está acontecendo com outras fintechs no Brasil e em outros países do mundo, somos uma empresa que entende de crédito e temos tomados decisões reforçadas nessa área.

“Decidimos desacelerar o nosso crescimento em empréstimo pessoal, que é muito mais novo para a gente”

Quais decisões?
Decidimos desacelerar o nosso crescimento em empréstimo pessoal, que é muito mais novo para a gente, estamos mantendo o nível de R$ 4,5 bilhões de originação por trimestre. Em cartão de crédito temos mais de nove anos de experiência, continuamos crescendo com muita confiança, temos limites baixo que nos dá bastante controle. Estamos mantendo o portfólio estável.

O Itaú Unibanco lucra R$ 8 bilhões por trimestre, o Bradesco chega a R$ 7 bilhões. O Nubank lucrou só US$ 7,8 milhões no último trimestre. Quando vai chegar no patamar dos bancões?
A gente já poderia chegar a um nível significativo de lucro com o portfólio de produtos que temos hoje. O que acontece é que estamos investindo o lucro do Brasil no México e na Colômbia, pois estamos construindo os maiores bancos daqueles países. Além disso, lucro que temos com cartão de crédito, a NuConta e o empréstimo pessoal, que são rentáveis, é usado em uma camada nova de produtos como seguros, PJ, marketplace, investimentos. Se hoje a gente parasse de crescer, viro muito rentável no dia seguinte. Estamos trabalhando para otimizar o lucro de 2025, 2026.

Mas ainda precisa ganhar mais robustez em termos de produtos...
Temos vários gaps em nosso portfólio de produtos e uma das grandes oportunidades é uma linha de crédito securitizado que já estamos testando. Vamos lançar no começo do ano que vem o crédito consignado, que é um dos maiores profit pools do mercado brasileiro com mais de R$ 400 bilhões, vamos lançar crédito colateralizado com FGTS, INSS, com investimentos. Esses segmentos têm muita receita com pouco risco. Como temos quase 40% da população adulta brasileira como cliente dentro da nossa base, temos centenas de milhões de reais de portfólio para ser construída.

“Vamos lançar no começo do ano que vem o crédito consignado, que é um dos maiores profit pools do mercado brasileiro com mais de R$ 400 bilhões”

O mercado enxerga o Nubank como um banco de entrada, que os clientes usam o Nubank como uma segunda conta. Como vocês pretendem quebrar essa barreira?
Isso não está correto. Para mais de 50% dos clientes que estão com a gente mais de 12 meses, somos o principal banco deles.

Mas a crítica que se faz é que o cliente de alta renda não tem essa relação com o Nubank...
Temos uma segmentação parecida com as dos bancos tradicionais. Temos 8% de alta renda, 43% de renda média e 49% de renda baixa. É muito parecida com os grandes bancos e reflete a população brasileira. Mas você tem razão. Para esses 8% de alta renda, não somos o principal banco, somos o número dois ou três.

O que falta para esse público?
Precisamos ter melhores produtos como um cartão de crédito ultravioleta, com programa de pontos melhor e limites maiores. E precisamos melhorar a oferta de produtos de seguros, de investimentos.

O Nubank não tem uma área de private e wealth para os grandes clientes...
Para esse cliente não temos e talvez a gente nunca seja o melhor banco para ele. E tudo bem não podemos fazer tudo.

Na área de investimentos, o Nubank atingiu mais de R$ 100 bilhões sob custódia. O que vem pela frente?
É um modelo 100% direto com o consumidor. Não tem agente autônomo ou gerente de conta no meio. Esse é o futuro dos investimentos. Nos próximos 5 a 10 anos, não vai ter mais ninguém no meio. Esse é o modelo que acreditamos.

Qual é a sua opinião sobre a nova agenda do Banco Central de open finance, PIX internacional, tokenização?
Achamos ótimo porque a agenda do BC, desde 2013, quando começamos, tem sido de como o sistema financeiro consegue usar tecnologia para aumentar a eficiência dos players do mercado em prol do consumidor. E essa é a nossa agenda também como empresa, estamos completamente alinhados. No caso do PIX internacional, por exemplo, temos falado para os reguladores do México e da Colômbia para eles conversarem com os reguladores daqui.

“No caso do PIX internacional, por exemplo, temos falado para os reguladores do México e da Colômbia para eles conversarem com os reguladores daqui”

E qual a sua opinião sobre o Open Finance?
Hoje ainda existe muita fricção para o consumidor deixar o banco tradicional e ir para outro que oferece melhor taxa de juros. Isso acontece porque o banco tradicional tem três ou quatro décadas de histórico creditício. Quando o Open Finance começar realmente a funcionar, aí sim a concorrência começa. Em termos de produtos, a concorrência ainda não começou no Brasil.

Você falou de tecnologia e fricção. Mas é inegável que os grandes bancos hoje são bancos digitais. No que o Nubank se diferencia deles?
Acho que não são todos os bancos que estão nos níveis de digitalização como a nossa. Temos o melhor NPS em qualquer vertical da indústria financeira brasileira. Ainda estamos na frente. Lógico que os tradicionais trabalharam de forma sensacional, mas a gente não fica quieto, continuamos correndo. Mas, no final, o cliente não está buscando só a melhor experiência digital. Ele busca a melhor experiência como um todo e a cultura tem um papel fundamental. De nada adianta você ter o melhor aplicativo, se o cliente liga para a central de atendimento e tem uma pessoa que não quer te ajudar, te faz esperar 30 minutos e te manda para a agência para resolver o problema. Nós temos uma cultura obcecada pela experiência do consumidor.

Alguns executivos do sistema bancário e da Febraban dizem que o Nubank ainda é muito agressivo com os grandes bancos. Você concorda com essa visão?
No começo, tínhamos essa postura. Mas isso tem mudado muito nos últimos anos. Não tivemos uma campanha de marketing atacando os grandes bancos. Hoje, temos uma boa relação com os grandes bancos, tenho passado bastante tempo com CEOs dos grandes bancos do Brasil, temos uma conversa muito positiva com a Febraban e temos muitos pontos em comum e pontos de colaboração.

"Hoje, temos uma boa relação com os grandes bancos, tenho passado bastante tempo com CEOs dos grandes bancos do Brasil, temos uma conversa muito positiva com a Febraban"

Como estão as operações no México e na Colômbia?
Os dois países estão crescendo muito mais do que imaginávamos. Nosso crescimento tem sido viral, no boca-a-boca. Nosso cartão de crédito no México tem NPS de 94, um dos maiores do mundo. Já somos o maior emissor de cartões no México e na Colômbia. No México, vamos terminar o ano com 3 milhões de clientes e na Colômbia com 500 mil clientes. Na semana passada, anunciamos a NuConta no México e vamos levar para a Colômbia no ano que vem. Tudo o que fizemos no Brasil, vamos fazer nesses países. E mais rapidamente do que aqui porque está testado.

Qual será o próximo país em que o Nubank pretende desembarcar?
Ainda não sabemos. Decidimos que 2023 não iremos para outro país. Temos muito que entregar nos países que estamos e muito aqui no Brasil. Temos só 13% do market share de cartão de crédito, 3% de empréstimo pessoal, 1% de investimentos. Tem muito crescimento no Brasil e não podemos perder o foco.

Você recentemente abriu mão do prêmio de US$ 423 milhões em ações que ganharia se elas atingissem mais de US$ 35,30 em um programa de remuneração que se estenderia até 2029. No mercado, os comentários foram de que foi uma jogada de marketing porque não atingiria essa meta. Foi marketing?
Acho que, no longo prazo, vamos atingir esse resultado. É uma call option que tem valor.

Por que você fez isso?
Fiz isso porque essa despesa seria alta para a empresa e achei que seria melhor tirar isso do balanço. Estamos em um momento em que temos de mostrar um valor importante e o crescimento de lucratividade. Essa decisão ajuda.

Já dá para dizer que o Nubank é o “grande banco” de amanhã?
Somos o futuro de serviços financeiros da América Latina.