O Gol, da Volkswagen, foi o líder de vendas do mercado brasileiro durante 27 anos seguidos, de 1988 a 2013. O que muitos não viram, entretanto, é que não era exatamente o Gol que liderava, mas sim “os Gols”. Havia dois modelos distintos: o G4 (velho, ultrapassado e barato) e o G5 (novo e mais atraente, porém mais caro).
A morte do Gol G4 - que era um projeto de 1994 modificado duas vezes - foi decretada no final de 2012, quando o governo de Dilma Rousseff instituiu o programa Inovar-Auto para o período de 2013 a 2017. Dois anos depois, ele deixou de ser produzido.
Não valia mais a pena para os fabricantes investir em carros que não tinham o nível de segurança e eficiência energética que os novos tempos exigiam. Assim como o Gol G4, morreram de velhice o Fiat Uno Mille (de 1984) e a pioneira Volkswagen Kombi (de 1957).
O Gol atual, um projeto de 2008, já passou por duas atualizações: uma em 2012 e outra em 2016. Estamos em 2021 e o Gol segue sendo o carro mais vendido da Volkswagen!
Não por vontade da Volks, diga-se, que já tentou sucedê-lo como best-seller pelo Up. Depois pelo Polo. E mais tarde pelo T-Cross. Não adiantou: o Gol parece imbatível dentro da Volkswagen do Brasil.
Passado o susto da pandemia, Pablo Di Si, CEO da Volkswagen Latin America, recebeu o sinal verde de Wolfsburg, sede da Volkswagen na Alemanha, para colocar em prática um plano para suceder o Gol. Em uma live interna com o chefão Herbert Diess, chairman do board do VW Group, sobre a operação brasileira, Di Si dá algumas dicas sobre o futuro do Gol.
Segue um trecho desse bate-papo:
Herbert Diess: “O produto mais relevante, mesmo que não seja o produto mais topo de linha, pelo qual o Brasil é realmente conhecido, é o Gol. Um produto que não é muito conhecido aqui na Europa ou no resto do mundo, mas é bem típico aí. É um produto muito desafiador, porque se encontra em um segmento muito sensível aos custos. Mas tem uma grande tradição e recentemente temos pensado em seu sucessor. Você pode nos contar algo sobre isso?”
Pablo Di Si: “Ultimamente temos trabalhado muito com a diretoria da marca em Wolfsburg e com a nossa equipe local para usar a plataforma MQB e, como eu chamo, tropicalizá-la. Mas precisamos pegar essa plataforma e reduzir custos. Temos trabalhado nisso durante os últimos dois anos, eu diria. Acho que teremos muito sucesso. Em um próximo passo, poderemos ter muitos produtos baseados nesta plataforma”.
Essa conversa revela algumas coisas. A primeira é que o “sucessor do Gol” será um carro moderno, feito na plataforma modular MQB (Modularer Querbaukasten).
Essa plataforma, para quem não é do ramo, permite ter, em uma base, vários carros com distância entre-eixos diferentes, mas com os mesmos sistemas de suspensão, direção, freios, motor, câmbio e painel. Isso economiza custos.
O problema é que a plataforma MQB do quarteto Polo, Virtus, T-Cross e Nivus resulta em automóveis caros. Para o Gol, isso não funciona. Ele é fabricado na velha plataforma PQ24.
Não é segredo para a indústria automobilística fazer bons carros ou mesmo carros baratos. O segredo é como fazer bons carros, com o nível de segurança, conectividade e eficiência que os novos tempos exigem, mas com preço acessível ao consumidor de países como o Brasil. Este é o grande desafio de Pablo Di Si.
Ele já modernizou a cultura interna da Volkswagen ao aproximá-la do estilo de vida dos brasileiros e recuperou quatro anos de atraso no segmento de SUVs. Agora, ele está tropicalizando a plataforma modular com elementos que barateiam o custo do novo Gol sem tirar sua qualidade construtiva. Em algum momento de 2021, Di Si deve anunciar o novo ciclo de investimentos da empresa para o Brasil.
É bem verdade que 68,5% dos emplacamentos do Gol em janeiro deste ano foram por meio de vendas diretas (fora do varejo), mas isso não diminui a importância estratégica do carro. Como observou o chaiman Diess, a Volkswagen do Brasil é conhecida pelo sucesso do Gol.
Em 2014, a marca alemã fez uma opção errada ao optar pelo subcompacto Up, um carro pequeno e sem carisma, que é amado por quem gosta de um bom carro, mas totalmente rejeitado pelo público. Sempre foi caro e difícil de entender sua verdadeira função.
Foram tantos os erros cometidos na vida do Up (ou “up!”, como prefere a Volks) que ele chegou a 2021 homologado para apenas quatro pessoas, sem o cinto de segurança para o passageiro do meio no banco de trás, e com um aviso para que ninguém sente ali. Não admira que o Up – que nasceu para suceder o falecido Gol G4 – tenha terminado o ano passado em 57º lugar no ranking, com menos de 7 mil unidades vendidas.
Outro carro que seria “o Gol moderno”, o Polo, ficou em 16º lugar com 42 mil vendas, canibalizado pelo sucesso do recém-lançado Nivus. O Gol conseguiu ainda chegar à frente até do T-Cross, 8º lugar no ranking geral com 60 mil vendas e líder no segmento de SUVs.
Mesmo com um projeto de 2008, o Gol G5 (rebatizado de G6 e depois de G7) ficou num ótimo 5º lugar com 71 mil vendas em 2020. Nada que se compare às 255 mil vendas de 2013, penúltimo ano do Gol G4.
Com um tíquete médio de R$ 60 mil, o Gol atual deve ter deixado aproximadamente R$ 400 milhões nos cofres da Volks no ano passado. Mexer no Gol, portanto, será o maior desafio para Pablo Di Si. Não apenas mexer, mas deixá-lo moderno e acessível (hoje seu preço vai de R$ 56,2 mil a R$ 68,5 mil).
Só uma coisa não está muito clara na estratégia da Volkswagen. Mas o diálogo entre Di Si e Diess, no entanto, dá pistas: será que o carro continuará se chamando Gol? Como se sabe, a família atual tem nomes distintos: Gol/Voyage/Saveiro (além da saudosa Parati), ou seja, o mesmo carro com nomes diferentes para cada tipo de carroceria.
Internamente, a Volkswagen fala em “sucessor do Gol”, que pode ser o próprio, porém renovado. Mas esse nome já não está desgastado pelo tempo? As novas gerações ainda se deixam seduzir pela marca Gol como os consumidores dos anos 1980, 1990 e 2000?
O nome do carro é uma decisão difícil. Se o público-alvo for o mesmo, não há por que mudar. Basta ver o carro mais vendido do mundo, o Toyota Corolla, que tem o mesmo nome desde 1966.
Mas há quem defenda um novo nome se o posicionamento do sucessor do Gol deslizar do tradicional estilo hatchback para um crossover de entrada. De uma forma ou de outra, Pablo Di Si entrará para a história da Volkswagen do Brasil: ou por matar o Gol ou por modernizá-lo depois de muitos anos de espera.