O tema em discussão é o futebol. Entretanto, o confronto entre as duas propostas para a criação de uma liga do esporte no País se aproxima cada vez mais de outra paixão nacional: a novela. E, nesse enredo, que vai muito além das quatro linhas, um ator ganhou destaque nesta semana.

Principal investidor da Liga Forte Futebol (LFF), o fundo americano Serengeti Asset Management reforçou seu elenco com Cruzeiro, Botafogo, Vasco e Coritiba. Do quarteto, os três primeiros integravam, até pouco tempo, o time do “adversário”, no caso, a Liga Brasileira de Futebol (Libra).

O acordo contou ainda com a participação da gestora brasileira Life Capital Partners (LCP), o outro investidor por trás da LFF. Contudo, não envolveu a adesão dos quatro clubes a essa liga. Na prática, os times assinaram com a dupla, mas criaram um terceiro bloco independente, batizado de Grupo União.

Nos dois casos, o plano é criar um bloco comercial para negociar os direitos de transmissão, a partir de 2025. A proposta para a LFF envolve um aporte de R$ 2,3 bilhões, em troca de 20% das receitas geradas no prazo de 50 anos. E é vista como um passo intermediário para a estruturação de uma liga de fato.

Mesmo à parte da LFF, a chegada do Grupo União sinaliza, a princípio, uma pequena vitória para o grupo encabeçado pelo Serengeti. E, por tabela, pode dar força para o projeto da Liga Forte Futebol, que inclui 20 times e tem assessoria da XP, do escritório Alvarez & Marsal e da Livemode.

“Uma vez que eles atraíram essas equipes, a perspectiva de que aconteça um efeito dominó e outros clubes migrem para o lado do Serengeti e da LCP”, diz uma fonte próxima ao fundo americano, ouvida pelo NeoFeed.

Apesar de ser um dos principais personagens dessa trama, o Serengeti tem preferido se manter longe dos holofotes. E, ao adotar essa postura, o fundo baseado em Nova York só alimenta a desconfiança sobre sua participação nesse script.

Um dos argumentos usados é o fato de o Serengeti ser praticamente desconhecido no Brasil. As poucas informações disponíveis acerca da sua atuação global também reforçam esse contexto, que inclui ainda dúvidas a respeito da sua experiência no setor e sobre o fundo ter recursos para financiar a LFF.

A origem da gestora Serengeti

Fundado em 2007, por Jody LaNasa, ex-Goldman Sachs, o Serengeti Asset Management nasceu como um fundo de hedge. E, mais recentemente, passou a priorizar investimentos no mercado privado, em segmentos como tecnologia, mídia, entretenimento e esportes.

Há um mês, por exemplo, o fundo, que não revela seu volume de ativos sob gestão, comprou 30% dos direitos comerciais e de transmissão da liga peruana de futebol. A rodada teve a participação de investidores como a 1190 Sports, que também assessora o fundo nas negociações com a LFF no Brasil.

Nessa disputa no País, o investidor por trás da Libra, cujo projeto é assessorado pelo BTG Pactual e a Codajas Sports Kapital, tem mais notoriedade. Trata-se do Mubadala Capital, braço do fundo soberano do governo de Abu Dhabi.

Com cerca de US$ 270 bilhões de ativos sob gestão, o Mubadala tem presença no Brasil, por meio de operações como o Porto Sudeste e a refinaria de Mataripe (BA). Além de atuar com esportes, por meio de investimentos como a australiana SX Global, que promove o FIM Supercross World Championship.

“Nos Estados Unidos, os fundos, em geral, são relativamente mais discretos no que fazem”, afirma uma fonte a par das negociações lideradas pelo fundo americano. “E, no caso do Serengeti, a postura tem sido procurar se concentrar na ação, e não nas palavras.”

Privilégios?

As ações recentes anunciadas pelo grupo liderado pelo Serengeti também são, no entanto, alvo de críticas. Os questionamentos passam, por exemplo, pelo acordo assinado com o Grupo União e, especialmente pelo fato de as partes envolvidas não terem divulgado os termos da transação.

“É claro que o acordo tem um valor simbólico”, afirma uma fonte ao NeoFeed. “Mas é no mínimo estranho que esses quatro times, incluindo o Coritiba, que integrava a LFF, tenham assinado um acordo à parte.”

A mesma fonte questiona quais são as condições e diferenciais da proposta em questão comparada aos termos do acordo da LFF. “Fica parecendo que os times do Grupo União vão viajar na primeira classe e os demais clubes da LFF na classe econômica. Eles vão gastar energia com isso.”

Em contrapartida, a acusação de eventuais privilégios também recai sobre a proposta do Mubadala Capital, de R$ 1,3 bilhão para os 15 clubes que integram a Libra. O fundo definiu, porém, que a criação do bloco precisa do aval de apenas quatro times – Flamengo, Corinthians, Palmeiras e São Paulo.

“O Mubadala tem negligenciado os clubes menores”, observa outra fonte próxima às negociações conduzidas pelo Serengeti. “Então, a expectativa do Serengeti é atrair mais times, especialmente quando os primeiros cheques começarem a cair.”

Conforme apurou o NeoFeed, o Serengeti projeta começar a fazer os primeiros aportes relacionados ao acordo entre outubro e novembro. O prazo para que isso aconteça passa, necessariamente, pela aprovação do acordo pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), entre outros trâmites.

“Essa proposta só será crível quando acontecer, de fato, um pagamento. Até agora, só houve promessas de adiantamentos”, diz outra fonte. “E o contrato é frágil do ponto de vista de amarras. Eles estão chamando de acordo de investimento o que não passa de um novo memorando de intenções.”

O Mubadala vai para o ataque

Nesse jogo de rouba-monte, apesar das saídas recentes de Botafogo, Cruzeiro e Vasco, o Mubadala também avançou algumas casas. Na tarde desta sexta-feira, 7 de julho, oito clubes da Série A que integram o quadro da Libra assinaram um contrato de exclusividade para a criação do bloco comercial com o fundo.

A relação inclui Flamengo, Corinthians, Palmeiras, São Paulo, Grêmio, Santos, Bahia e Red Bull Bragantino. Cada uma dessas agremiações vai receber um adiantamento de R$ 3 milhões nesse processo. E o grupo do Mubadala tem a perspectiva de adicionar, em breve, outros nomes a essa lista.

O sinal verde para negociar com novos nomes foi dado nessa sexta-feira, dado que ontem, dia 6 de julho, se encerrou o prazo de exclusividade que o Serengeti e a LCP tinham para negociar com os clubes da LFF.

Entre os principais alvos da Libra nesse contexto está o Atlético-MG, que não assinou o acordo proposto pelo Serengeti e seus pares. Outro clube ligado, inicialmente, à LFF, mas que não tinha assinado o term sheet de exclusividade, é o Internacional.

Na noite de ontem, representantes do Mubadala e do BTG Pactual estiveram reunidos com o conselho deliberativo do Internacional para apresentar a proposta da Libra, em uma sabatina de mais de cinco horas. E o saldo, pelo que apurou o NeoFeed, foi positivo.

“O conselho do Internacional solicitou formalmente uma proposta da Libra na semana passada”, afirma uma fonte próxima ao grupo do Mubadala. “O processo avançou para esse debate mais público e a expectativa é que o próximo passo é chamarem a proposta para uma sessão de votação e decisão.”