Após meses de polêmicas e muita pressão política, o plenário do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou na segunda-feira, 8 de dezembro, por 6 votos a 3, que o leilão do Tecon 10 - o megaterminal de contêineres que será construído no Porto de Santos, o maior da América Latina – deve seguir o modelo proposto pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), com restrições às empresas que já operam no porto santista.
A decisão do tribunal, no entanto, tem caráter orientativo — não vinculativo — e poderá ser adotada ou não pela Antaq. A regra proposta pela agência determina que o certame seja realizado em duas fases. A primeira ficaria restrita a empresas sem operação de contêineres no porto, para evitar concentração de mercado.
Se não houver interessados - hipótese pouco provável de ocorrer, dado o interesse de ao menos 10 grandes empresas globais do setor em participar do leilão -, a disputa será aberta aos atuais operadores de contêineres em Santos, como os grupos MSC, Maersk, associados na DPM, além da CMA CGM e DP World. Dessa forma, caso um armador vencesse a disputa, a companhia seria obrigada a se desfazer do seu ativo atual.
Especialistas do mercado, porém, acreditam que a disputa em torno do leilão ainda está longe de uma definição. A tendência é que empresas que já operam no Porto de Santos devem ingressar com ações na Justiça para contestar as restrições impostas pelo modelo da Antaq – que agora deve marcar data para o leilão, provavelmente no primeiro trimestre de 2026.
“A judicialização não é apenas possível, mas provável, dado o impacto econômico do projeto e a relevância jurídica do precedente regulatório formado pelo TCU”, avalia Daniela Vlavianos, do escritório Arman Advocacia e especializada em licitações no setor logístico.
Parte da polêmica nos últimos meses em torno do leilão do Tecon 10 se justifica pelo que está em jogo - a definição do modelo do leilão poderia impactar não só a licitação do Tecon 10, como a forma de atuação do porto de Santos daqui para frente.
O novo terminal ocupará 622 mil m², ampliando em 50% a capacidade de carga. O leilão deve arrecadar R$ 6,5 bilhões em outorga, com investimento de R$ 40 bilhões em 25 anos. O projeto prevê até 3,5 milhões de TEUs/ano – cada TEU representa um contêiner de 20 pés, ou cerca de 6 metros –, quatro berços de atracação e um terminal de passageiros.
Dois temas concentraram a polêmica em torno do leilão do Tecon 10 entre especialistas do setor nos últimos meses: a necessidade de o certame assegurar a concorrência e o risco decorrente de a disputa resultar em uma concentração de mercado.
Essa última possibilidade, por sinal, orientou os votos da maioria dos ministros do TCU, com a recomendação de que, na primeira etapa, seja vetada a participação de armadores (donos de navios). A rigor, o risco de concentração já existe no porto, com dois terços da carga sob controle dos atuais operadores, dos quais dois (MSC e Maersk) pretendiam participar do leilão. Com a expansão prevista de 50% do porto, esse índice poderia chegar a 85%.
Para Vlavianos, a operação no Porto de Santos com um novo entrante de grande porte tende a produzir efeitos jurídicos e econômicos relevantes. “Um operador que não detenha terminais no próprio porto reduz riscos de concentração econômica e evita a prática de preferência às próprias cargas, tema sensível para a defesa da concorrência no setor portuário”, afirma.
Novas candidatas
Com as operadoras gigantes do porto fora do leilão, a atenção tende a se concentrar nos potenciais concorrentes pela dipsuta do Tecon 10. Das dez empresas nacionais e internacionais cotadas para disutar o certame, quatro chamam a atenção.
A chinesa Cosco é uma das favoritas. Com operações em mais de 160 países – incluindo o Brasil, onde possui uma unidade operacional em Santos, próxima ao porto -, a Cosco transporta cerca de 10% dos contêineres em circulação no planeta em mais de 500 navios, sendo a quarta maior armadora global (perde apenas para a suíça MSC, a dinamarquesa Maersk e a francesa CMA CGM).
Se vencer a licitação em Santos, a Cosco agregaria mais um ativo relevante na América do Sul - em 2024, comprou por mais de US$ 4 bilhões uma participação de 60% no porto peruano de águas profundas de Chancay.
Outra concorrente cotada é o ICTSI Group, das Filipinas, operador independente já presente no Brasil, no Tecon Suape, em Pernambuco, e no Rio Brasil Terminal, no Rio de Janeiro.
Em junho, a ICTSI Americas, subsidiária da ICTSI, adquiriu a totalidade do controle do antigo Estaleiro Inhaúma, que já foi um dos principais centros de construção naval no País. Localizado próximo ao Porto do Rio, o Inhaúma fica em uma área estratégica.
A PSA International é responsável por operar o maior centro de transbordo de contêineres do mundo em Singapura, onde tem sede. A empresa oferece uma variedade de serviços, incluindo operações portuárias, de contêineres e de cadeia de suprimentos.
Entre as empresas nacionais, há muita expectativa em torno da participação no leilão do Tecon 10 da JBS Terminais, do grupo J&F, que opera o porto de Itajaí (SC). O grupo dos irmãos Batista, que ingressou no setor no ano passado, está entre os chamados operadores “bandeira branca”, que não possuem frota de navios.
Em nota, a A.P. Moller – Maersk afirma que, desde o anúncio do modelo da Antaq, a empresa defende regras claras, que garantam a livre concorrência e estejam à altura da competitividade desse ativo estratégico para o País.
“O modelo atual do certame recomendado pelo TCU além de violar princípios constitucionais da isonomia e legalidade, vai contra as análises das áreas técnicas da Ataq e TCU, Cade, parecer do Ministério da Fazenda (SEAE), MPTCU, todos convergindo para o objetivo de garantir ampla concorrência e igualdade aos participantes que atenderem às exigências publicada”, argumenta a Maersk, dando a entender que vai judicializar a disputa.
Em contrapartida, a filipina ICTSI elogiou a decisão do TCU. “Trata-se de modelagem tradicional e bem conhecida do setor de infraestrutura, a qual fomenta a efetiva possibilidade de entrada de um novo player no Porto de Santos, com bilhões de investimentos privados, mais concorrência e eficiência aos clientes finais, a todos os armadores em geral e, consequentemente, à economia nacional”, diz a nota da ICTSI.