Se, de um lado, a pandemia trouxe incertezas ao mercado global de ações e adiou IPOs que procuravam um ambiente mais estável para ter uma precificação justa, de outro, ela impulsionou as empresas que surfaram a onda da digitalização e aproveitaram para captar bilhões em aberturas de capital pelo mundo.

Entre os investidores que souberam explorar essa última opção está um dos maiores fundos soberanos do mundo, a Temasek, de Cingapura, que alcançou o seu melhor desempenho em 11 anos após investir em uma série de IPOs bem-sucedidos, em especial, de companhias que têm a tecnologia no DNA.

Segundo balanço divulgado nesta terça-feira, a Temasek teve rentabilidade de 24,5% nos 12 meses encerrados no primeiro trimestre de 2021. O resultado representou a maior valorização anual desde 2010, quando o fundo obteve um retorno de 43%. No fim de março, o valor líquido da carteira chegou a US$ 283 bilhões, um aumento de US$ 69 bilhões em relação a um ano antes.

"De certa forma, tivemos muita sorte, pois havíamos construído relacionamentos profundos e de confiança que resistiram ao teste das restrições da pandemia", disse Nagi Hamiyeh, chefe adjunto de investimento e chefe de desenvolvimento de portfólio da Temasek, em comunicado.

No período, alguns dos IPOs de sucesso com o envolvimento do fundo foram o da DoorDash, aplicativo de delivery que levantou US$ 3,37 bilhões ao abrir capital em Nova York, e o da Kuaishou, aplicativo chinês de vídeos curtos que compete com o TikTok e captou US$ 5,32 bilhões em sua estreia na Bolsa de Hong Kong.

“A mudança para trabalhar em casa gerou demanda por serviços online, pagamentos, saúde digital e plataformas tecnológicas”, disse Mukul Chawla, chefe adjunto de telecomunicações, mídia e tecnologia da Temasek, também em comunicado. “Impulsionadas por esses fortes ventos favoráveis, algumas de nossas empresas não listadas aproveitaram a oportunidade para abrir o capital e se preparar para avançar de forma mais ambiciosa.”

Não por acaso, entre os setores com maior participação na carteira do fundo estão os segmentos de serviços financeiros, com uma fatia de 24%, e de telecomunicações, mídia & tecnologia (TMT), com 21%.

No Brasil, a Conductor, de infraestrutura de pagamentos e ‘bank as a service’, recebeu um aporte de US$ 20 milhões da Temasek no fim do ano passado e se juntou a outras investidas do fundo no País, como Next Gen, uma food tech que atua com comidas à base de plantas, e SuperBAC, de biotecnologia.

Nem tudo, porém, são flores para a Temasek. A maior parte dos investimentos do fundo, ou 27%, está alocada em empresas chinesas, ativos que estão cada vez mais sujeitos às pressões e restrições regulatórias que vem sendo impostas pelo governo local.

Uma delas é a Didi, dona do aplicativo 99, no Brasil. Após levantar US$ 4,4 bilhões em Nova York no mês passado, no maior IPO de uma empresa chinesa nos EUA desde o Alibaba, a companhia teve de suspender o cadastro de novos usuários após uma ordem do governo chinês, sob a alegação de revisão das práticas de segurança na empresa.

Na sequência, as autoridades chinesas pediram para que o aplicativo da Didi fosse retirado das lojas da Apple e do Google, ao apontar violações graves na coleta e no uso de informações pessoais pela empresa.

Fundada pelo bilionário Jack Ma, do Alibaba, e outra investida da Temasek, a fintech Ant Group também foi alvo da ofensiva do governo chinês. A companhia, que se preparou para abrir capital em Xangai e Hong Kong, viu seu IPO avaliado em US$ 35 bilhões ser cancelado pelas autoridades do País em novembro do ano passado, pouco antes de concretizar essas ofertas.

E a expectativa é de que o cerco não pare por aí. Na semana passada, o governo chinês gerou ainda mais preocupação entre investidores ao anunciar que aumentaria as restrições às listagens de empresas no exterior, sinalizando uma barreira às companhias que se planejam para abrir capital em Nova York.

A Temasek afirma, porém, que é improvável que tais medidas gerem uma mudança de percurso em sua estratégia de investimentos e ressalta que segue otimista com a China e suas empresas.

"Não é apenas na China que estamos cientes sobre as mudanças de regulações. Portanto, não acredito que isso mude nossa postura em relação ao país de forma alguma", disse Chawla, em conferência para comentar os números à imprensa. "Seguiremos investindo e iremos avaliar a regulação conforme ela vier."