O recente lançamento do Toyota bZ3X, um SUV elétrico com teto solar que custa apenas US$ 15 mil - preço oferecido apenas na China -, cristalizou duas mudanças no mercado automotivo global que já vinham sendo alertadas por especialistas do setor.

A primeira delas é a competitividade incomparável do mercado chinês em relação ao resto do mundo. A maioria dos veículos novos vendidos na China são totalmente elétricos ou híbridos plug-in.

Uma análise do recente Salão do Automóvel em Xangai mostrou que as fabricantes locais praticamente pararam de lançar novos modelos movidos a gasolina. Nos EUA, segundo maior mercado do mundo, o motor de combustão tradicional ainda impulsiona cerca de oito em cada dez veículos novos.

Além disso, a força do mercado chinês pode ser comprovada pela diferença de preço dos modelos lançados no país em comparação com os de outros mercados, fruto da redução de custos por ter toda a cadeia produtiva instalada no país – no caso dos veículos elétricos, da montadora (mesmo estrangeira, instalada na China), passando por bateria, software de bordo e peças.

Hoje, um modelo elétrico básico na China pode custar US$ 10 mil, enquanto os mais luxuosos, incluindo um SUV de sete lugares com poltronas de massagens reclináveis, dificilmente saem por mais de US$ 50 mil.

Essa consolidação do mercado automotivo chinês, com preços competitivos e ampla oferta de modelos e marcas, acabou gerando outra mudança no segmento – a inviabilização para as grandes montadoras produzirem o chamado carro mundial, um mesmo modelo vendido em vários países, com preço próximo.

“Décadas atrás, era muito fácil desenvolver um padrão único e fornecê-lo globalmente”, disse o presidente-executivo da Volkswagen, Oliver Blume, referindo-se aos antigos carros globais lançados pelas grandes montadoras. “Hoje, é impossível porque as expectativas dos clientes são diferentes. Os ecossistemas são diferentes, as regulamentações são diferentes.”

O Toyota bZ3X é o melhor exemplo dessa transformação. Para uma empresa global como a Toyota competir na China, ela precisa de um processo de desenvolvimento diferente daquele que atende os consumidores americanos com os SUVs RAV4 e as picapes Tacoma movidos a gasolina.

O fator preço também ajudou a inviabilizar o chamado “carro mundial”. O preço do SUV elétrico da montadora japonesa é baixo porque o modelo foi projetado na China pelos engenheiros da empresa no país, que trabalharam com um parceiro local em uma joint venture. Ele é fabricado em Guangzhou com baterias chinesas e software de assistência ao motorista da Momenta, líder chinesa no setor.

"Esse preço de venda (US$ 15 mil) não seria possível sem uma cadeia de suprimentos chinesa", disse Masahiko Maeda, chefe da unidade asiática da Toyota, citando a "cadeia de suprimentos cara" dos EUA como contraponto. Um modelo equivalente mais próximo da Toyota, chamado bZ4X, começa em torno de US$ 40.000 nos EUA.

Rapidez

A crescente distância do mercado chinês em relação aos de outros países contribuiu para essa mudança. Ela foi impulsionada por um fator-chave, a velocidade de desenvolvimento.

A Tesla tem dois modelos amplamente disponíveis — o Model 3 e o Model Y — e ambos estão no mercado há anos. Sua participação no mercado chinês de veículos de nova energia (NEVs), que inclui híbridos e elétricos, se estabilizou em torno de 3%.

A chinesa BYD tem cerca de 25 modelos, de acordo com a empresa de análise de mercado Inovev, e está constantemente lançando novos. Em 2024, a BYD liderou o mercado de NEVs na China, com 32% de participação.

Assim como outras montadoras estrangeiras, a Toyota precisava de um impulso em seus negócios na China após a ascensão de rivais locais nos últimos anos. Ainda assim, mantém uma participação de mercado próxima a 10%.

Já as três montadoras de Detroit — General Motors , Ford Motor e a filial americana da Stellantis — estão perdendo espaço na China.

As marcas americanas, juntas, detinham uma participação de mercado de 5,7% na China no primeiro trimestre deste ano, de acordo com a Associação Chinesa de Automóveis de Passageiros, abaixo dos 8,5% de três anos atrás.