Dez anos após a então presidente Dilma Rousseff proferir um famoso discurso na Organização das Nações Unidas (ONU) sobre os avanços da energia renovável, no qual lançou o desafio do setor em desenvolver tecnologia para “estocar vento” – na prática, a necessidade de se criar soluções capazes de armazenar essa energia, no caso eólica, mas também solar, para uso posterior –, a profecia que foi alvo de memes e piadinhas na época começa agora a se realizar.

Apontadas como solução, mas que sempre esbarrava no custo proibitivo para serem adotadas em larga escala, as baterias de armazenamento de energia estão levando empresas do setor a viverem um período de euforia, em especial no Brasil. Isso por viabilizar a resolução de um problema crônico das energias renováveis – a intermitência, que limita sua utilização na rede elétrica no horário de pico de consumo, entre 17h e 21h - a um custo acessível.

Assim, além de “estocar” vento e sol, as baterias de armazenamento também começam a ser encaradas como uma solução definitiva para atacar o curtailment – os cortes, por parte do Organizador Nacional do Sistema (ONS), de geração eólica e solar injetados na rede justamente para não sobrecarregar o sistema elétrico no horário de pico.

Os números do mercado brasileiro impressionam, com queda de 50% nos preços das baterias nos últimos quatro anos e crescimento anual projetado de 12,8% até 2034, com estimativa de receber R$ 70 bilhões de investimentos nesse período.

O otimismo se deve à queda de custos dos sistemas de armazenamento de energia por bateria (BESS), causada por dois fatores interligados. Um deles são os grandes avanços tecnológicos recentes, que levaram a Agência Internacional de Energia (IEA) a classificar o segmento de baterias como o que mais agregou tecnologia ao setor de energia nos últimos anos.

Para se ter uma ideia, a capacidade média de uma bateria, medida em amperes-hora (Ah), praticamente dobrou nos últimos dois anos. Em 2023, uma célula-padrão usada em unidade estacionária estava na faixa de 300 Ah. Agora, vários fornecedores já estão desenvolvendo e colocando à venda células de 600 Ah.

Mas o fator mais importante é a sobreoferta de capacidade produtiva de baterias a nível global. A mesma cadeia de suprimentos que atende o armazenamento estacionário também fabrica baterias para veículos elétricos (VEs). E a rápida expansão das vendas de carros elétricos ajudou a baratear o preço das baterias – o que explica a queda de 93% nos custos de sistemas de armazenamento desde 2010.

“Há uma tendência expressiva de queda de preços, em especial para bateria de íons de lítio e dos demais sistemas atrelados, como conversores, por exemplo”, afirma Markus Vlasits, presidente da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae), que agrega empresas do setor.

Vlasits prevê uma expansão sem precedentes do mercado brasileiro de baterias. A Clean Energy Latin America (CELA), consultoria especializada em energia limpa, estima que o mercado brasileiro adicione entre 1,3 e 2,5 gigawatts-hora (GWh) instalados de baterias apenas em 2025.

Vlasits alinha dois impulsionadores para esse avanço em potencial. Um deles a incorporação do uso de sistema de armazenamento de energia por parte de consumidores comerciais e industriais, como shoppings e fábricas.

“Para o grande consumidor comercial-industrial que está olhando para a conta de luz, a conta fecha – a preocupação é reduzir o custo da energia”, diz Vlasits.

Outro impulsionador para o setor é a decisão do governo federal de realizar, no segundo semestre, um leilão de reserva de capacidade específico para armazenamento de energia por baterias. A entrada do segmento para atender um sistema de grande porte, como o setor elétrico como um todo, vai elevar as empresas que atuam no mercado a um novo patamar.

O governo criou um leilão no qual serão contratadas usinas não para gerar energia, mas para ficarem à disposição quando for necessário. É como se fosse uma apólice de seguros para ter no momento do descompasso no horário de pico de consumo, em que se corre o risco de ter corte de energia por falta de potência naquele momento.

Vlasits aponta a vantagem das baterias em relação às usinas térmicas a gás nos leiloes de reserva de capacidade. “Embora seja uma tecnologia madura e confiável, a energia térmica é cara, poluente e inflexível - funciona operando 12 horas para resolver um problema restrito ao horário crítico do dia, entre o fim da tarde e início da noite, ou seja de três a quatro horas”, diz Vlasits.

A Absae identificou mais de 15 GW em projetos de baterias para esse leilão. A EPE estima necessidade de 35 GW até 2034, o que explica o otimismo do setor.

Limite de capacidade

O empresário Sérgio Jacobsen, CEO da Micropower Energy, vê a realização do leilão de capacidade não só como impulsionador de negócios do setor, mas também como solução para o setor elétrico nacional.

“Estamos no limite de capacidade, o setor elétrico precisa dessa potência e a bateria de armazenamento surge como uma alternativa técnica para que não ocorra problemas de estabilidade do sistema”, diz Jacobsen, lembrando que a bateria traz mais eficiência também para a transmissão de energia. “Não dá construir infinitamente mais linhas de transmissão para só usá-las de 3 a 4 horas por dia.”

Com um portfólio de mais de 20 clientes de sua empresa, do agronegócio à Vale, Jacobsen diz que o segmento de energia solar diminuiu muito a velocidade de investimento por causa do curtailment. Por isso espera a retomada com o leilão de capacidade.

Embora o governo ainda não tenha definido os critérios do leilão, o empresário estima que ele deva ficar restrito à região Sudeste, para atender a demanda de carga. “Depois o governo deve escolher outras regiões com  curtailment para colocar as baterias, como o Nordeste, de preferência aproveitando a rede existente para não ter que fazer reforço de rede”, diz.

Jacobsen admite que já está se movimentando, buscando bancos e analisando opções de parcerias com empresas e fundos de investimento para participar do leilão. Os custos para compra de equipamentos para o certame  variam entre R$ 180 milhões para o lote mínimo (fornecimento de 30MW por quatro horas) até R$ 3 bilhões (lote de 2GW).

“O BNDES ainda não tem linha de financiamento para o leilão, mas deve ser uma combinação equity com dívida, além disso, é possível fazer parcerias com grandes fazendas solares com boa localização, no eixo São Paulo-Minas Gerais, e empresas de transmissão, um player com interesse de participar”, revela.

Jacobsen revela que o custo das baterias, calculado na base de R$ 100 KWh, também é impactado pela carga tributária, que chega a 70%, somando imposto de importação dos componentes de fora, IPI, ICMS e PIS-Cofins.

“Estamos tentando mostrar ao governo que a redução das alíquotas de importação pode trazer modicidade tarifária, com retorno na redução da tarifa de luz”, afirma.

Para Vlasits, da Absoe, muitos investidores que no passado apostaram na Geração Distribuída (GD) e na geração centralizada estão se dando conta de que o mercado de geração renovável está ficando complicado no Brasil.

“Agora surge um ativo alternativo que não depende de subsídios nem das regras de mercado e traz ótimos resultados, isso tem atraído interesse maior dos grandes fundos de investimentos, que estavam focados na GD”, acrescenta.