O segundo semestre de 2020 foi de intensa movimentação na B3. Diante de uma janela de extrema liquidez, mais de 50 empresas protocolaram seus pedidos de abertura de capital. Dessa fila, 24 companhias estrearam na bolsa brasileira antes da chegada de 2021.
Parte da safra que adiou esses planos, a Wine, e-commerce de vinhos, suspendeu sua oferta em novembro, poucos dias antes do IPO em que buscava captar cerca de R$ 750 milhões. Agora, quatro meses depois, a empresa está refazendo seu caminho rumo ao mercado de capitais.
A Wine entrou com um pedido de registro de companhia aberta na Comissão de Valores Imobiliários (CVM) e cancelou seu IPO. Na prática, a empresa passa a seguir ritos de transparência, como a divulgação de resultados trimestrais, e terá acesso a diferentes opções de financiamento. Inclusive, uma eventual abertura de capital.
“O roteiro do IPO foi importante para o mercado nos conhecer e entendermos nosso potencial”, diz Marcelo D’Arienzo, CEO da Wine, ao NeoFeed. “Mas decidimos que o ideal agora seria manter esse relacionamento, com transparência, e ter a flexibilidade de escolher como e quando usar os recursos do mercado de capitais.”
Na expectativa de obter a aprovação do registro junto à CVM em meados de maio, a Wine já planeja um dos seus primeiros movimentos como companhia aberta: uma emissão de debêntures no valor de R$ 120 milhões.
Com acionistas como a Península, do empresário Abilio Diniz, e a EB Capital, a companhia não esconde, no entanto, que o plano é preparar o terreno para acionar, enfim, a campainha na B3. Dessa vez, porém, o percurso mais provável é uma oferta pública dentro da instrução 476/2009.
Com trâmites menos rigorosos que a instrução 400, que concentra boa parte dos IPOs, a oferta 476 não envolve processos como a análise pela CVM e a divulgação de prospecto. Em contrapartida, é restrita aos investidores profissionais e a um número de 75 participantes, dos quais, apenas 50 podem concluir o investimento.
“O processo da 400 é longo e fica exposto a flutuações de mercado”, diz D’Arienzo, que cita o os acontecimentos no cenário político do País nas últimas semanas como exemplo desse contexto. “Sendo uma companhia aberta, com divulgação regular de resultados, na 476, em duas, três semanas, você levanta recursos para um IPO.”
Ele ressalta que a ideia é fazer esse movimento ainda esse ano, mas não revela o quanto a Wine planeja captar no processo. Conforme apurou o NeoFeed, a intenção é buscar um valor de R$ 750 milhões, próximo do montante definido no IPO protocolado no ano passado.
D’Arienzo cita dois elementos para explicar a suspensão do IPO na época. O primeiro, os reflexos das eleições presidenciais americanas no mercado. “Ao mesmo tempo, a Wine vinha em um crescimento forte”, afirma. “E percebemos que valeria mostrar mais resultado para sermos precificados da forma correta.”
Essa decisão foi referendada por alguns números. Em 2020, o mercado brasileiro registrou um crescimento de 31% em volume, com a venda de 501,1 milhões de litros, segundo a consultoria Ideal. Nesse cenário, o faturamento da Wine cresceu quase 40%, para R$ 450 milhões.
“Eles seguem em ritmo acelerado em 2021 e, se houver uma janela favorável, vão abrir capital no segundo semestre”, diz uma fonte do mercado. “E a destinação dos recursos estará em linha com o que foi descrito na primeira oferta.”
Tudo pelo Clube
Um dos pilares da estratégia no ano será investir em aquisições. A própria emissão de debêntures programada para os próximos meses tem como única finalidade financiar um acordo que está sendo negociado pela empresa e, sobre o qual, D’Arienzo não revelou detalhes.
“Estamos olhando desde ativos no mercado offline, com capilaridade para nos aproximar do consumidor, até negócios que acelerem a nossa plataforma de tecnologia”, diz. “O mercado de vinhos vai passar por uma consolidação e somos um player óbvio para liderar esse processo.”
Seja qual for o alvo, o racional segue sendo fortalecer o Clube Wine, que responde por mais de 40% da receita e fechou 2020 com 240 mil assinantes. Entre outros benefícios, todos os planos disponíveis dão direito a um pacote mensal com vinhos indicados e descontos de 15%.
O restante da receita está dividido entre vendas avulsas no e-commerce, lojas físicas, segmento B2B e aquelas realizadas pelo aplicativo da empresa, que já soma mais de 1 milhão de donwloads e responde por mais de 60% das vendas digitais.
Com 240 mil assinantes, o Clube Wine responde por mais de 40% da receita da Wine
A Wine está testando um novo modelo de adesão ao clube, voltados aos usuários que preferem escolher seus próprios rótulos. Batizado de Wine Pass, ele envolve uma assinatura mensal de R$ 39,90, com ofertas de cashback e de créditos para serem gastos na plataforma.
“A ideia é atrair e criar um comportamento de compras ativo desse usuário e, no futuro, oferecer acesso a outras modalidades do clube”, explica D’Arienzo. O produto está sendo lançado com uma base restrita nesse mês e chegará oficialmente ao mercado em abril.
“A Wine foi pioneira no e-commerce de clube de vinhos e praticamente criou esse mercado no Brasil”, diz Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese. “Mas o grande desafio deles é o aumento da competição. Eles não estão mais sozinhos.”
Entre os rivais, Serrentino cita a Evino, que nasceu no online, mas está reforçando sua pegada multicanal, e, em especial, um gigante. “O Pão de Açúcar colocou muitos recursos para escalar a Adega, sua plataforma online, e, hoje, é o maior varejista de vinho no Brasil.”
Para defender seu terreno, a Wine tem fortalecido o omnichannel. Um dos focos são as lojas físicas, um formato que a empresa estreou em 2020. Hoje, são oito unidades em São Paulo, Campinas (SP), Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG) e Recife (PE). Entre outras finalidades, esses pontos são usados como mini-hubs de distribuição, para reduzir os prazos de entrega aos assinantes e demais consumidores.
O plano é inaugurar cinco lojas no primeiro semestre, sempre em locais de maior adensamento de sócios do clube. Em análise, estão cidades como Fortaleza (CE), Salvador (BA), Vitória (ES), Rio de Janeiro, Goiânia (GO), Ribeirão Preto (SP) e São José do Rio Preto (SP).
A empresa planeja inaugurar 5 lojas físicas no primeiro semestre
A Wine também quer ampliar sua penetração em outros canais. O roteiro inclui supermercados, lojas especializadas, restaurantes e passa também pelo digital. A empresa, que já tem parcerias com aplicativos como Rappi e Zé Delivery, avalia a entrada em grandes marketplaces.
“Nossa estratégia é ‘no channel’. Quando um cliente quiser um vinho, o nosso produto tem que estar à disposição” afirma D’Arienzo, que chama atenção para o fato de que 85% das vendas de vinho no mercado brasileiro ainda são offline. “Hoje, existem várias jornadas de consumo que não estamos atendendo.”
Uma outra iniciativa para se aproximar dos consumidores envolveu a Wine Eventos, braço que começou a ser estruturado em 2019. Com a drástica redução nos eventos em função da pandemia, a unidade foi reformulada e os mais de mil embaixadores ativos passaram a vender kits também para pessoas físicas.
D’Arienzo diz que a execução dessas e de outras iniciativas independe de um IPO. “Temos criatividade e capacidade para fazer tudo ao mesmo tempo e com menos recursos”, afirma. “Um IPO daria uma acelerada brutal, mas queremos dar esse próximo passo com consistência e com uma base de investidores sólida.”