Como uma das principais potências agrícolas do planeta, o Brasil oferece um campo fértil para a inovação nesse setor. São mais de 1.125 startups desenvolvendo tecnologias para os produtores, de acordo com os dados mais recentes do Radar AgTech, maior mapeamento do ecossistema brasileiro.
Nenhuma delas, no entanto, se tornou um unicórnio, como são chamadas as empresas que são avaliadas em mais de US$ 1 bilhão, nem conseguiu conquistar o mundo. Mas existe uma startup que quer mudar essa realidade. Trata-se da Solinftec, fundada em Araçatuba, no interior de São Paulo, em 2007, por um grupo de engenheiros cubanos.
Em 13 anos, Solinftec se tornou uma das maiores empresas de agricultura digital e automação de lavouras do País. Hoje, a startup monitora mais de 9 milhões de hectares no mundo. Só no Brasil é responsável por 6,5 milhões de hectares de cana, cerca de 80% de toda a produção nacional.
Com uma posição bastante consolidada no Brasil, a Solinftec quer fazer agora o que nenhuma startup do setor agropecuário ainda conseguiu: conquistar o mundo, começando pelos Estados Unidos. “Há um potencial enorme nesse mercado”, diz Anselmo Del Toro Arce, sócio-fundador da Solinftec e diretor de relações institucionais, ao NeoFeed. “Ao contrário do agro brasileiro, o americano ainda é muito carente de tecnologia”.
A mudança para os Estados Unidos foi feita no início de 2020 e deve acelerar a globalização da Solinftec. Atualmente, a startup está presente em 10 países. Além do mercado americano e brasileiro, a companhia atua também na Colômbia, Canadá, Peru, Paraguai, Argentina, México, Nicarágua e Guatemala. Nos próximos anos, a expansão deve seguir rumo à Europa e à Ásia, tendo como meta atuar em até 20 diferentes mercados.
Nos Estados Unidos, a Solinftec assumiu um escritório no campus da Universidade de Purdue, em West Lafayette, no estado de Indiana. A instituição tem uma das principais escolas de agronomia dos Estados Unidos e está se tornando um polo de inovação agtech.
Na sequência, a Solinftec fechou uma parceria com a cooperativa americana Growmark, que vai oferecer soluções da Solinftec para seus 400 mil cooperados. É uma estratégia para ganhar capilaridade em um mercado bastante pulverizado, composto por muitas propriedades menores e familiares. “Por prestar serviço para o pequeno produtor, a cooperativa abre um canal que não conseguiríamos sozinhos”, afirma Arce.
Mesmo em um ano atípico como 2020, o faturamento da Solinftec cresceu 51%. Os valores exatos não são divulgados, mas a empresa afirma que a meta original era de 42%. Os contratos recorrentes, principal fonte de receita da empresa, superaram R$ 100 milhões. O Brasil ainda é o maior mercado, mas a expectativa é que essa posição seja ocupada pelos Estados Unidos em até três anos.
A empresa gera receita por meio da cobrança de uma mensalidade, já que os equipamentos não são vendidos, apenas locados aos clientes. Os valores exatos não são divulgados, mas o preço é calculado por hectare e leva em conta o pacote de soluções utilizadas.
Internacionalização
O plano de expansão global está sendo apoiado com os recursos captados no ano passado. No total, a Solinftec levantou US$ 60 milhões em 2020. O primeiro cheque, de US$ 40 milhões, foi de aporte liderado pela UnBox Capital, gestora que administra US$ 100 milhões para a família Trajano, controladores da rede de varejo Magazine Luiza. A outra parte dos recursos foi captada através da emissão de US$ 20 milhões em Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs).
Antes, em 2017, a empresa já havia atraído a atenção do TPG ART (Alternative & Renewable Technologies), braço do fundo americano TPG, que tem US$ 45 bilhões sob gestão e fez investimentos em companhias como Uber, Airbnb, Spotify e outros. Na época, o tamanho do aporte não foi divulgado, mas ajudou a dar fôlego para a Solinftec.
Mas, ao que tudo indica, a Solinftec vai precisar de mais recursos. Arce afirma que a empresa vai buscar novas rodadas de investimento para apoiar o crescimento e a expansão geográfica. Uma abertura de capital, no longo prazo, não está descartada pelo empreendedor. “Não é uma meta em si, mas será uma consideração de opções de acesso a capital no futuro”, afirma Arce.
A internacionalização virá acompanhada ainda de uma reorganização interna. “Queremos resolver o dilema das empresas tecnológicas: crescer, se estruturar, mas sem perder a agilidade de uma startup”, diz Arce. As mudanças estruturais passaram pela troca de CEO. Britaldo Hernandez, que ocupava o cargo de CTO, volta a ocupar o cargo principal da Solinftec após a saída de Rodrigo Iafelice dos Santos.
Segundo Arce, novos profissionais serão contratados para garantir um crescimento sustentável à empresa a longo prazo, que ganhou escala ao desenvolver uma plataforma que oferece um ecossistema completo de monitoramento para a lavoura de cana. Por meio dele, é possível conectar diferentes máquinas, otimizar o plantio, o uso de insumos e a colheita a partir de dados coletados no campo e informações meteorológicas.
Todos os dados são analisados pela Alice, o sistema de inteligência artificial desenvolvido pela companhia, que oferece insights em tempo real para o produtor aumentar sua produtividade. Os ganhos variam de acordo com vários fatores, como condições climáticas e características de cada propriedade. Mas a companhia afirma que a redução no uso de defensivos pode chegar a 15%, a redução com combustível, a 25%, e o aumento da eficiência das máquinas, a 50%.
O conjunto de soluções para monitoramento também pode ser aplicado em cultivo de grãos, como soja, milho e trigo, fibras (algodão) e em culturas perenes, como café e cítricos. Para driblar a falta de conectividade, a empresa oferece ainda uma solução de baixo custo que permite a conexão ponto a ponto usando torres de rádio para fazer a transmissão de dados.
"É um exemplo claro de uma tecnologia que foi amplamente validada nas condições brasileiras para depois ser exportada", afirma Marcos Ferraz, presidente da AsBraAP (Associação Brasileira de Agricultura de Precisão). “Acredito que ela seja apenas a primeira. Outras virão na sequência. E isso prova a nossa capacidade de exportar tecnologias.” Mas o caminho das agtechs, ao menos no Brasil, ainda é repleto de desafios. “São três os principais gargalos: conectividade, capacitação e investimentos em estágios iniciais”, afirma Ferraz.
Um desses gargalos, que são os investimentos de venture capital, começa a ser resolvido. Mais fundos têm olhado para o agronegócio. O SP Ventures, comandado por Francisco Jardim, por exemplo, se especializou nesse nicho. O Mandi Ventures, de Antonio Moreira Salles e de Julio Benetti, também atua nesse nicho.
Eles não são os únicos Fundos de venture capital generalistas começam a investir em startups agropecuárias. Um exemplo é o ONEVC, que fez recentemente um aporte na Terra Magna, uma startup que mistura uma agtech com uma fintech.