Os valuations estratosféricos de startups movimentaram o mercado de venture capital e de private equity nos últimos dois anos, por conta do excesso de liquidez que irrigou aportes milionários em rodadas acontecendo em um curto espaço de tempo.
Mas a eB Capital, gestora fundada por Eduardo Sirotsky Melzer, Luciana Antonini Ribeiro e Pedro Parente, que gerencia R$ 4 bilhões, não quis participar dessa festa.
Não que a eB Capital estivesse sem recursos. Ao contrário. A eB Capital investiu R$ 2 bilhões para construir a Alloha (ex-EB Fibra), uma empresa de oferece serviço de fibra óptica que hoje tem 1,5 milhão de clientes, fruto da consolidação de diversos pequenos provedores de internet regionais.
A gestora aportou também milhões de reais em outras empresas, como a Proz Educação, uma edtech de cursos técnicos e profissionalizantes fruto da união da Essa e Enferminas que tem 100 mil alunos. E comprou o controle da Loja do Mecânico, um e-commerce de ferramentas e máquinas fundado por Márcio Gurgel.
Mas, muitos antes dessa correção pela qual passa o mercado, que tem feito o valor dos ativos das empresas tech despencarem nas bolsas de valores, a eB Capital seguiu uma disciplina de investimentos que passou longe dessa “loucura de valuation”.
“Nós nunca entramos em loucura de valuation. Nunca. A nossa visão de business é muito objetiva”, disse Melzer, em entrevista ao NeoFeed. “Nós não vamos pagar nunca mais do que achamos que vale porque o mercado está pagando.”
E a regra de ouro para fugir desse comportamento de rebanho é fazer investimentos com serenidade e tranquilidade, duas palavras que aparentemente não combinam com essa classe de ativos, que geralmente está associada a risco.
O próprio Melzer explica a relação. “Acredito que a serenidade e tranquilidade estão diretamente vinculadas ao risco.” E conclui: “Elas estão vinculadas à disciplina e à compreensão do risco. Eu estou disposto a correr o risco que a gente consegue entender qual é.”
Outra regra é a disciplina de fazer uma diligência aprofundada do negócio e de entender com profundidade onde está aportando os seus recursos. "Se tem de responder para ontem, a resposta não vai ser ontem. Vai ser agora”, afirma Melzer. “Eu respeito quem precisa uma definição para ontem. Mas não vamos mudar nossa disciplina.”
Agora, com um ajuste natural dos múltiplos pós-pandemia, que voltam para as medianas históricas, a eB Capital está mais uma vez capitalizada para seguir a sua disciplina de investimentos. A gestora tem R$ 2,5 bilhões para investir, dividido em dois novos fundos, que ainda estão abertos para a captação.
O primeiro deles, comandado por Luciana Antonini Ribeiro, está levantando R$ 1 bilhão para o Preferred Futures Fund I, vai buscar empresas que viabilizem políticas de ESG (sigla para environmental, social, and corporate governance). O segundo, liderado por Pedro Parente, capta R$ 1,5 bilhão para investir em infraestrutura sustentável, como energia renovável.
Nos dois casos, a eB Capital vai seguir a sua cartilha de buscar posições majoritárias ou um acordo de acionista para que possa influenciar na gestão, um dos grandes ativos que a gestora aporta nas startups em que investe, além do dinheiro, é claro.
O trio de sócios tem uma imensa experiência no dia a dia de grandes empresas. Melzer é ex-CEO da gaúcha RBS, empresa de mídia de sua família. Ribeiro trabalhou também na RBS. E Parente foi CEO das principais empresas do Brasil, como Petrobras, BRF, Bunge e RBS – aliás, onde os três se conheceram e atuaram juntos.
Os novos fundos seguem a tese, que pode ser considerada simples, da eB Capital. “O Brasil é um país cíclico. Identificamos as lacunas que são ineficiências estruturais do Brasil, que uma vez aceleradas com investimento e gestão geram alto crescimento”, afirma Melzer.
Essas lacunas são de setores como saúde, educação, gestão de resíduos e inclusão digital, entre tantas outras áreas. A aposta é gerar retornos elevados independente do cenário macroeconômico. “Os setores que acabamos nos inserindo são mais resilientes e mais imunes a crises”, diz Melzer.
Nesta entrevista, que foi concedida ao Café com Investidor, programa do NeoFeed que entrevista os principais gestores de private equity e venture capital do Brasil, Melzer explica com surgiu a eB Capital, dá detalhes sobre a tese da gestora e analisa o cenário de investimentos no Brasil.
Confira um trecho da entrevista e assista, no final, ao vídeo completo com a conversa com Eduardo Sirotsky Melzer:
Há uma desvalorização dos ativos de empresas tech e isso tem feito muita gente tirar o pé dos investimentos. A eB Capital está com dois fundos com R$ 2,5 bilhões. Esse é um bom momento para investir?
Nós nunca entramos em loucura de valuation. Nunca. A nossa visão de business é muito objetiva. Acho que é um ótimo momento (para investir). Tem muitas empresas querendo buscar sócios com as nossas características. E uma das principais vantagens competitivas da eB Capital é nosso deal flow. Nós participamos sim de processos competitivos. Mas nós também temos muitos deals proprietários. São empresários que querem se associar com a gente porque nos enxergam como um parceiro. E tendo capacidade e uma visão clara do que se quer fazer, é um bom momento. Da mesma forma que não entramos na loucura dos valuations, nós também não estamos aqui de forma oportunística vendo quem está mal ou quem está precisando de uma boia. Não é o nosso jeito. Somos sócios muito estratégicos. Queremos construir uma bela história em conjunto.
"Da mesma forma que não entramos na loucura dos valuations, nós também não estamos aqui de forma oportunística vendo quem está mal ou quem está precisando de uma boia"
Mas dá para conseguir bons negócios sem esticar o valuation?
Nós temos um sócio espetacular, que é um dos principais empreendedores que conheço. Ele se chama Márcio Gurgel, fundador da Loja do Mecânico. Nós compramos o controle da Loja do Mecânico em 2020, no auge da loucura dos valuation, com todo mundo pagando múltiplos incríveis. A nossa proposta foi: ‘Márcio, tem de ver qual é o seu objetivo. Quer dar uma porrada agora em um valuation estratosférico? Ou quer dar uma porrada na construção do projeto?’. E construímos uma relação espetacular. Ele conhece o setor como ninguém, tem uma cultura e uma liderança incrível na empresa. Mas bebe muito da nossa experiência de gestão. Criamos todo um sistema de governança, ajudamos a montar um plano e parte do time novo. E construímos uma estratégia de futuro, dando à companhia um caminho de crescimento que não era nem pensado antes. Essa combinação é muito maior do que se ele tivesse pegado o dobro do valuation na entrada.
Como convencer o empreendedor que vale a pena ter um valuation menor. Muitos veem apenas as cifras e topam?
Depende muito do empreendedor. O Márcio é um empreendedor muito maduro. E quando ele nos procurou, falou: ‘Eu quero alguém para ajudar a construir o próximo ciclo. Eu construí o primeiro ciclo sozinho, agora quero alguém para ajudar.” Ótimo, essa é uma proposta de valor. Nós não vamos pagar nunca mais do que achamos que vale porque o mercado está pagando. Não vamos investir. Estamos fazendo um desserviço para o mercado. Essa conta volta. Os ciclos da economia mostraram que isso não fica de pé. Quantas bolhas nós já tivemos? Estamos assistindo essa estourar agora com muita tranquilidade, sem ter se posicionado na outra ponta. Vamos perder o deal? Não, nós não queremos fazer o deal. É diferente.
"Quantas bolhas nós já tivemos? Estamos assistindo essa estourar agora com muita tranquilidade, sem ter se posicionado na outra ponta"
Por que essa postura?
O dinheiro não é nosso. Ele é do nosso investidor e parte nosso. Tenho uma premissa: não faça para os outros o que você não gostaria que fizesse para você. Você pagaria com o seu dinheiro isso? Se está fora do valor que acho que vale, não vamos entrar. Essa disciplina é fundamental, porque nossa empresa é de longo prazo. Não é uma empresa para fazer um, dois fundos e, quando estoura a bolha, você recolhe e vai embora. Temos serenidade. Investimento combina com serenidade, combina com tranquilidade. E não com pressa e jogo de rebanho, que aonde todo mundo vai você tem de ir também. Essa não é a nossa visão.
Houve exageros nos últimos dois anos?
Sim, acho que houve. Passou muita coisa por nós que não conseguíamos justificar, por mais boa vontade que tivéssemos. É uma lição básica de economia: oferta e demanda. O excesso de liquidez do mercado e a necessidade de colocar o dinheiro para trabalhar começou a aceitar qualquer coisa. Só que eu acho que a disciplina dos gestores é muito importante. Para a gente, estava muito óbvio que tinha muito dinheiro no mercado. Poderíamos virar um business de fee, captar toda essa grana e entrar em negócios que não sabíamos que ia dar certo? Ou queremos ser uma empresa de verdade para ficar aqui para sempre? Então, vamos dizer não para um monte de coisa, não vamos captar tudo que podemos captar e vamos fazer com disciplina o que a gente se propôs a fazer. Não participamos e não concordamos com esses exageros. Todo excesso não é positivo e, como está no nome, não é legal. Observamos com muita cautela isso que aconteceu. Muita coisa passou pela gente, olhávamos e não conseguíamos justificar. Outros fizeram. Não achamos que perdemos (o deal). Só não quisemos fazer. Não quisemos entrar em negócios que cobravam o que achávamos que não valia.
Você se arrepende de algum negócio que acabou não entrando?
Temos que se arrepender quando fazemos alguma coisa que está fora do combinado. Estamos cumprindo com a disciplina. E, para mim, essa é a principal receita de um futuro sustentável de uma empresa de investimento. Poderia ter feito algum negócio fora da tese, que apareceu e que era maravilhoso, mas não entramos e deu supercerto? Poderia. Mas poderia também ter dado errado. E se tivesse dado errado com alguma coisa fora da tese, o problema é sério: estou fazendo algo diferente do que foi combinado com o meu investidor.
Isso aconteceu no mercado?
Conheço muito player local e internacional que foi descredenciado de investidores institucionais porque, inclusive, ganharam (dinheiro), mas com algo que não estava combinado e (estava) fora das regras do fundo. Não é que o “cara” perdeu. Ele ganhou, mas não era combinado. Ele tomou um risco diferente do combinado. O importante é disciplina e manter os acordos. Sendo honesto, não me arrependo porque mantivemos uma disciplina muito grande para fazer aquilo que foi combinado. Alguns negócios passaram pela gente dentro do combinado e não entramos e foi superbem. Que pena que não entramos. Mas esses que estouraram e não estava na nossa tese, zero de arrependimento. Porque como eles se deram bem, poderiam ter se dado mal. E aí não íamos perder um negócio. Íamos perder a credibilidade. No nosso negócio, o principal ativo chama-se reputação.
Você falou que investimento precisa ser feito com serenidade. Mas muita gente atribui investimento a outra palavra: risco. Qual o risco que você está disposto a correr?
Acredito que a serenidade e tranquilidade estão diretamente vinculadas ao risco. Elas estão vinculadas à disciplina e à compreensão do risco. Eu estou disposto a correr o risco que a gente consegue entender qual é. Então, temos uma regra muito firme para cada fundo, onde se estabelece o tipo de empresa, tamanho e padrão. Não temos risco pré-definido. Como se define risco? O principal risco é a capacidade e integridade com quem a gente se associa. Esse é o risco número um. Outro risco é a qualidade do produto e do serviço da empresa com quem estamos nos associando. Investimos em empresas maiores que já passaram pelo vale da morte e que já provaram que o seu negócio tem uma aceitação de mercado.
E o que mais?
O tema serenidade e tranquilidade é capacidade de entender com profundidade onde estamos entrando. Não abrimos mão disso. Se tem de responder para ontem, a resposta não vai ser ontem. Vai ser agora. Tem muito negócio no mercado e muita gente boa fazendo negócio. E como falei: a nossa credibilidade, a nossa reputação, a nossa diligência e o nosso cuidado como se fazem as coisas são fundamentais. Ninguém de fora vai ditar o nosso ritmo. Eu respeito quem precisa de uma definição para ontem. Mas não vamos mudar nossa disciplina, voltando essa palavra importante, em função da outra empresa. A nossa empresa tem a necessidade de ter disciplina. A gente pode acelerar, podemos ser bastante ágeis, temos disposição de trabalhar 24 horas, sete dias por semana. Não tem problema nenhum. Às vezes, fazemos fast track mesmo. Mas a disciplina de garantir que olhamos tudo o que precisávamos olhar, não abrimos mão.
Assista a mais um episódio do Café com Investidor: