Se, durante anos, os fundos de investimento em startups olharam com mais atenção para mercados que pareciam mais palatáveis aos consumidores e investiram em fintechs, foodtechs e empresas de transporte, a pandemia de Covid-19 trouxe a necessidade de olhar com mais atenção para o setor de saúde. Neste contexto, além das healthtechs, as startups de biotecnologia começam a ganhar espaço.

Nesta segunda-feira, 6 de junho, a Autem Medical, startup fundada nos Estados UNidos pelo médico oncologista brasileiro Frederico Costa, que desenvolveu um dispositivo que por meio de ondas de radiofrequência pode reduzir de tumores cancerígenos, anunciou com exclusividade ao NeoFeed um aporte de US$ 10 milhões.

A injeção de capital é liderada pelo fundo chileno Zentynel, que contribuiu com um cheque de US$ 6 milhões. O restante foi injetado por um family office ligado a uma empresa farmacêutica brasileira e de investidores pessoa física, segundo Eduardo Emrich Soares, parceiro operacional da Zentynel no Brasil. A rodada segue aberta e a Autem espera levantar mais US$ 8 milhões.

O dinheiro será utilizado para finalizar a construção do dispositivo que será colocado para venda no mercado e que será produzido pela empresa americana Spartronics. O capital também terá como destino o financiamento da estratégia regulatória para que o dispositivo obtenha todas as aprovações legais de órgãos de saúde e para a produção de estudos mercadológicos.

Médico oncologista do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, Costa criou Autem em 2017 a partir de pesquisas que vinha realizando desde 2005, quando percebeu que um dispositivo utilizado para o tratamento de insônia e que usava ondas eletromagnéticas gerou uma redução de um tumor cancerígeno em um paciente.

“Eu comecei a dedicar parte do meu tempo para entender o mecanismo que levou a essa resposta e os efeitos biológicos a partir da modulação das ondas”, diz Costa. “Naquela época não havia nada publicado a respeito disso.”

A partir de estudos realizados no Hospital das Clínicas, Costa decidiu que era hora de transformar aquilo em um negócio e aí nasceu a Autem Medical. Com sede em New Hampshire, nos Estados Unidos, a companhia estreou com um investimento de US$ 4 milhões, sendo que US$ 2 milhões foram injetados por Costa e o restante por investidores-anjo.

A startup desenvolveu um sistema composto por um gerador de ondas, um monitor hemodinâmico e um aplicativo conectado por computação em nuvem. O conjunto permite modular automaticamente as frequências de sinais eletromagnéticos enviados para os pacientes com o objetivo de reduzir tumores. “O dispositivo é simples. A tecnologia está na nuvem”, diz Costa.

O médico oncologista brasileiro Frederico Costa

Por ora, o foco se dá em tumores no fígado. “É uma doença muito difícil de ser tratada hoje, porque os pacientes com cirrose hepática não conseguem tolerar muito o tratamento sistêmico e não podem ser tratados com quimioterapia”, diz Costa. De acordo com o médico, isso equivale a metade dos pacientes diagnosticados com hepatocarcinoma, forma mais comum do câncer de fígado.

Em fase beta, a tecnologia está sendo testada em 240 pacientes do centro de oncologia do Hospital Sírio Libanês. A expectativa é de que o dispositivo seja submetido para avaliação do FDA (agência federal do Departamento de Saúde dos EUA) no próximo trimestre. Depois disso, a startup vai iniciar um novo estudo clínico entre o fim deste ano e começo de 2023.

Biotecnologia em alta

Ainda que não tenha feito nenhum investimento de fato na América Latina, já que o único aporte realizado antes da Autem foi na empresa sueca Learning to Sleep, o Zentynel pretende captar US$ 60 milhões com o objetivo de injetar recursos em até 12 startups de biotecnologia que atuem na América Latina.

O fundo é idealizado pelo chileno Pablo Valenzuela, cientista que tem mais de 50 patentes em seu nome. Ele é ainda o desenvolvedor da vacina contra a hepatite B e vendeu a Chiron, uma empresa fundada por ele que desenvolvia uma vacina contra gripe, por US$ 8,9 bilhões à Novartis, em 2010.

O dinheiro captado pelo Zentynel vem de investidores como a gestora brasileira Spectra Investments e o fundo de private equity mexicano Capital Mazapil, além de family offices. A expectativa é concluir a captação total do fundo, que já levantou US$ 36 milhões, até meados do ano que vem.

Eduardo Emrich Soares, parceiro operacional da Zentynel no Brasil

“Houve uma onda de investimentos em healthtechs nos últimos anos e agora está surgindo a oportunidade da entrada de investidores em startups de biotecnologia”, diz  Soares, da Zentynel. “É um cenário positivo para o fundo neste momento.”

No Brasil, a gestora Techtools Ventures investe também em biotecnologia, mas abraçando também healthtechs. No fim do ano passado, a gestora revelou que estava captando dois novos fundos que somados pretendem levantar mais de R$ 1 bilhão para investir tanto em startups em early stage como em growth da área de saúde com cheques entre R$ 40 milhões e R$ 120 milhões.