Startup pernambucana de scooters e motos elétricas, a Voltz vem percorrendo nos últimos dois anos uma trilha marcada por atrasos crescentes nas entregas e na produção, disputas com parceiros de seus showrooms e ruídos no diálogo com a Creditas e o Grupo Ultra, seus investidores.

Agora, a empresa recebeu sinal verde para seguir seu destino mais provável diante de tantos problemas. Na segunda-feira, 20 de novembro, o juiz Julio Cezar Santos da Silva, da 3ª Vara Cível do estado de Pernambuco, deferiu um pedido equivalente a uma pré-recuperação judicial da companhia.

No pedido protocolado no último dia 9 de novembro, a Voltz citava uma dívida de R$ 335,1 milhões e requeria a proteção contra credores para evitar um pedido de falência da operação antes de a companhia dar entrada em seu pedido de recuperação judicial.

Ao mesmo tempo, a empresa solicitava que o processo corresse em segredo de justiça até a apreciação do pedido de recuperação judicial. Comuns em casos dessa natureza, os dois recursos incluídos pela Voltz já foram usados, por exemplo, por empresas como a Americanas e a Oi.

No documento, a startup ressalta que diversas razões “de natureza externa e interna” a colocaram em dificuldades financeiras, as quais entende que são transitórias, mas com potencial de “inviabilizar sua indústria e o comércio dos seus produtos”, impactando seus investidores, funcionários e credores.

Em sua decisão, o juiz da 3ª Vara Cível do estado de Pernambuco observou que o pedido traz todos os elementos que permitem à empresa solicitar, em sigilo, sua recuperação judicial, ao ressaltar a “crescente pressão” dos credores para reaverem seus créditos de forma unilateral.

Ao mesmo tempo, foi concedido à companhia um 30 dias corridos para protocolar seu pedido de recuperação judicial.

A crise da Voltz

A esfera legal é um bom termômetro para entender a crise vivida pela Voltz. Apenas em São Paulo, a startup é citada como requerida em mais de 450 processos, num pacote de passivos jurídicos que inclui desde ações de despejo até práticas abusivas e danos materiais.

Em mais um exemplo das startups que engataram um crescimento desenfreado a partir de recursos obtidos no boom de liquidez da indústria de venture capital, o ponto de partida para que a empresa entrasse nessa espiral veio com um aporte de R$ 100 milhões, em maio de 2021.

A rodada teve a participação da Creditas e do UVC, fundo de corporate venture capital do grupo Ultra. E foi a virada de chave para que a Voltz acelerasse ainda mais sua expansão, dando ainda mais combustível para alguns problemas observados desde os primeiros passos da startup, fundada em 2017.

Anunciada como um dos destinos do investimento, a fábrica da companhia em Manaus (AM) atrasou o início da sua operação, além de estar no centro de uma ação de despejo. E, até hoje, nunca chegou a emplacar um volume de montagem das motos capaz de sustentar a procura pelo seu portfólio.

Todo esse contexto só agravou o atraso ou mesmo a não entrega das scooters e motos na ponta, gerando um volume crescente de processos e de postagens cada vez mais furiosas de consumidores nas redes sociais.

Mídias como o Instagram foram justamente alguns dos canais por meio dos quais a empresa ganhou fama e o apelido de “Tesla Brasileira”. A alcunha também foi alimentada pelo fato de a startup apostar em vendas 100% online, a partir da demanda gerada por showrooms físicos – próprios ou de parceiros.

Nessa última ponta, a dos parceiros que investiram em lojas da marca, a Voltz também coleciona uma série de problemas e desafetos, conforme apurou o NeoFeed, em matéria publicada em outubro deste ano.

Entre outras questões, esses parceiros acusam a gestão da empresa de amadora e de tentar inflar as vendas com números de reservas de motos, cujas entregas não eram efetivadas. E apontam como um dos principais erros a aplicação equivocada e desenfreada dos recursos obtidos com os investidores.

“A Voltz vendeu muito bem a ideia para clientes e parceiros, mas o amadorismo falou mais alto”, afirmou, na época, uma das fontes ouvidas pela reportagem. “Eles quiseram abraçar o mundo, escalar muito rápido e deram o passo maior do que a perna.”

Na oportunidade, Renato Villar, fundador e CEO da Voltz, também falou ao NeoFeed. E apesar de rechaçar parte das alegações dos parceiros, não deixou de fazer um mea culpa da sua condução nesse processo.

“Fizemos um grande trabalho em lançar a marca e escalar um negócio que não é trivial”, disse Villar. “Mas nosso maior erro talvez tenha sido crescer tão rápido. Em três anos, fomos de 100 para 2,4 mil motos, e de um time de 40 para 400 pessoas.”

Na entrevista, Villar citou ainda alguns dos passos que a Voltz vinha tomando para sair dessa situação. A redução da equipe, para cerca de 100 profissionais, era uma dessas medidas.

O CEO da Voltz falou ainda sobre os planos para uma possível venda da fábrica em Manaus, a negociação com um parceiro global de carros elétricos para transferência de tecnologias e sobre uma questão que, ao menos nesse momento, deve ficar em segundo plano.

“Também temos falado com alguns investidores em busca de uma nova captação”, observou. “Mas, além de o mercado estar mais restrito, tudo o que foi divulgado sobre a nossa operação dificulta esse processo. Temos que bater na porta duas, três, quatro vezes para sermos escutados.”