Em meio ao inverno das startups, a Creditas resolveu traçar um plano para levá-la à lucratividade em 2023. A estratégia inclui desacelerar as contratações, mas mantém a intenção de seguir crescendo de forma acelerada, dobrando de tamanho a cada ano.
O primeiro passo do plano do fundador e CEO, Sergio Furio, aconteceu nesta sexta-feira, 8 de julho, com a compra da licença bancária do Andbank Brasil, em uma operação avaliada em R$ 500 milhões, que precisa ser aprovada pelas autoridades reguladoras.
“O motivo da aquisição é ter uma fonte alternativa de captação de recursos”, diz Furio, em entrevista ao NeoFeed, reforçando que a intenção não é se tornar um banco digital e entrar na disputa pelo cliente pessoa física. “Hoje, só podemos captar via o mercado de capitais. Quando aprovado, vamos poder emitir CDBs e LCIs.”
A fintech atualmente tem uma carteira de crédito de R$ 5 bilhões. E acessa o mercado de capitais para captar recursos, estruturando operações de dívida como FIDCs (fundos de investimento em direito creditórios), CRIs (certificados de recebíveis imobiliários) e FIIs (fundos imobiliários). Com a licença bancária, Furio acredita que 20% da captação poderá ser própria. Algo como R$ 2 bilhões, em 2023, segundo suas estimativas.
Simultaneamente, a Creditas está fazendo uma extensão de US$ 50 milhões de sua rodada série F, totalizando US$ 310 milhões, que traz o Andbank para a base de acionistas da startup. Furio diz que manteve o valuation anterior, de US$ 4,8 bilhões, nesta nova captação.
Na rodada anterior, a Creditas trouxe novos acionistas, como a Fidelity Management & Research, o fundo espanhol Actyus e a Greentrail Capital. Os antigos investidores também participaram da captação, realizada no fim de janeiro deste ano. Entre eles estão QED Investors, VEF, SoftBank, Kaszek, Lightock, Headline, Wellington Management e Advent International, através de sua afiliada Sunley House Capital.
Outra movimentação envolve a emissão de um título de US$ 150 milhões, que poderá ser convertido em ações em algum evento de liquidez. O Andbank e outros investidores, cujos nomes não foram revelados, subscreveram esses títulos. Os detalhes e as condições não foram informados.
Os recursos adicionais que estão entrando no caixa da Creditas vão ser usados para a compra da licença bancária, assim como para seguir os investimentos na Voltz, fabricante de motocicletas elétricas, na qual a fintech já investiu R$ 150 milhões, incluindo capital e dívida. A empresa acaba de abrir fábrica em Manaus, que, em sua capacidade total, poderá produzir 15 mil motos por mês.
Com a venda da licença bancária, o Andbank, que é um banco europeu com sede em Andorra, vai se focar em private banking e gestão de ativos. Presente no Brasil desde 2011, a instituição tem R$ 8 bilhões de ativos sob gestão e seguirá atuando como uma corretora.
“Usávamos pouco a licença e com essa operação vamos fortalecer nossa operação de private banking, abrindo novos escritórios e investindo em equipes”, diz Carlos Aso, CEO global do Andbank, justificando a venda. Na operação, a Creditas poderá se tornar também uma acionista da operação brasileira da Andbank.
O pacote de anúncios da Creditas não para por aí. A fintech, que atua fornecendo crédito em três pilares (residências, automóveis e benefícios a trabalhadores), está comprando a Kzas, um marketplace de financiamento imobiliário, em uma transação que envolve dinheiro e equity. Os fundadores Roberto Nascimento, Rodrigo Costa e Eduardo Muszkat se tornam sócios da Creditas
Com o negócio, Furio diz que a Creditas passar a ter uma nova linha de negócio. “Não tínhamos um produto de financiamento imobiliário”, diz o fundador da fintech. “Vou aumentar a monetização da nossa base de clientes.” A Kzas tem relacionamento com bancos, como Banco do Brasil, Bradesco, Caixa, Itaú, Santander, entre outros.
Furio acrescenta que a operação do Kzas é pequena e que não deve contribuir, no curto prazo, para os resultados da Creditas. Mas ele ilustra a transação com a aquisição da Creditoo, que marcou a entrada da fintech em crédito consignado. “É hoje uma importante unidade de negócios e contribui bastante com a receita”, afirma o empreendedor.
A movimentação da Creditas acontece em meio a uma crise que atinge startups de grande porte que estão cortando custos, fazendo demissões e ajustando a operação para aumentar o runway, jargão que se refere-se ao tempo que os recursos captados com investidores vão durar antes de ser necessário uma nova rodada.
Desde o fim de abril, diversas startups anunciaram demissões em massa. A lista inclui empresas como QuintoAndar, Facily, Ebanx, VTEX, Mercado Bitcoin, Olist, e tantas outras empresas. Algumas delas já fizeram uma segunda rodada de cortes, como os casos de Loft e Kavak.
A Creditas não passou imune a isso e fez, segundo a companhia, um pequeno ajuste de cerca de 11 pessoas na área de facilities. De acordo com Furio, o plano da Creditas não é demitir. Mas ele admite que está desacelerando as contratações.
“Antes, contratávamos 350 pessoas, em média, por mês. Agora, são, em média, 75”, afirma Furio. Atualmente, a Creditas conta com 4 mil funcionários e tem escritórios em São Paulo, Barueri, Curitiba, Porto Alegre, Recife, Valência (Espanha) e Cidade do México, onde está sua única operação internacional.
Questionado sobre a crise das startups e como está se posicionando, Furio reconhece que o mercado está bem difícil. “Tem de focar na execução. Esse é o nome do jogo”, diz. “Tenho um plano de levar a companhia para a lucratividade em 2023 baseado em eficiência e produtividade.”
Furio acrescenta que, no caminho rumo ao lucro, não vai abrir mão de seguir a trajetória de crescimento acelerado de dobrar o tamanho da Creditas a cada ano. “A transação de compra da licença bancária vai nos ajudar a acelerar”, afirma Furio.
Nos seis primeiros meses de 2022, a receita da Creditas chegou a R$ 820 milhões, um crescimento de 3,2 vezes em relação ao mesmo período do ano passado. A fintech, no entanto, ainda dá prejuízo. Em 2021, ele foi de R$ 353 milhões, alta de 84% - o dado dos seis primeiros meses deste ano não foi divulgado.
No começo do ano, a companhia chegou a conversar com bancos de investimentos para abrir seu capital nos Estados Unidos. “IPO está no road map, mas este não é um ano de IPO”, diz Furio. Os ventos do mercado mudaram. Agora, o plano da Creditas é ser lucrativa antes de dar esse passo.