O ataque hacker envolvendo o sistema da Sinqia, revelado pelo NeoFeed no sábado, 30 de agosto, e que resultou no desvio de cerca de R$ 710 milhões em contas do HSBC e da fintech Artta, abalou a indústria de meios digitais de pagamento no Brasil. O caminho, agora, é a busca pelas fragilidades para proteger o mercado e os participantes.

“É um episódio triste, que, no final das contas, abala a indústria, porque precisamos que o cliente entenda a confiabilidade que existe. Do nosso lado, estamos bastante confortável com nosso nível de segurança”, diz Thais Fischberg, CEO para a América Latina da fintech holandesa Adyen, em entrevista ao NeoFeed.

Em abril deste ano, a Adyen, que atua no País desde 2011, sofreu um ataque cibernético na Europa, mas, segundo ela, o episódio difere dos casos que aconteceram no Brasil, quando foram desviados R$ 1 bilhão a partir da invasão aos sistemas da C&M Software.

“Detectamos essa instabilidade, quando precisamos ter uma redução de performance por um período. Mas não houve transferência de fundos nossos para algum fraudador, que é o mais importante”, afirma a executiva.

Para ela, outro divisor de águas foi a mudança de regras determinada pela Receita Federal, após a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, em 28 de agosto, que desbaratou um esquema de lavagem de dinheiro que envolvia fintechs e gestoras.

Pelas novas determinações da Receita, as fintechs agora terão fazer prestação de contas sobre todas as transações financeiras dos clientes por meio do sistema e-Financeira, já usado pelos bancos tradicionais. A periodicidade das entregas será trimestral. As empresas também vão precisar aprimorar os níveis de governança e compliance.

Segundo Fischberg, o mercado agora precisa se reeducar. “Vão ficar aqueles que estão mais dispostos em realizar investimentos. Esse endurecimento de regras vai deixar todos os players, não só os bancos, mais fortalecidos. É importante ter mais transparência nos sistemas como nas regras de compliance.”

Na América Latina, a Adyen faturou € 59,7 milhões no primeiro semestre de 2025, crescimento de 17% sobre o mesmo período do ano anterior. Brasil e México são os principais mercados da companhia, que não revela a divisão de receita entre eles. A unidade da América Latina responde entre 5% a 7% do faturamento global da empresa.

No Brasil, a aposta para crescer mais está no Pix recorrente, que começou a funcionar em junho. Segundo ela, a fintech, que atua como credenciadora, ainda não tem intenção de se transformar, de fato, em um banco digital local.

Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o episódio do ataque hacker da Sinqia afeta o setor de pagamentos digitais no Brasil?
É um episódio triste, que, no final das contas, abala a indústria, porque precisamos que o cliente entenda a confiabilidade que existe. Do nosso lado, estamos bastante confortáveis com nosso nível de segurança. Ter uma plataforma proprietária, que é o nosso caso, faz uma diferença muito grande, que nos ajuda a ter o controle de ponta a ponta. Mas a necessidade de mais reportes, mais transparência de dados, ajuda a indústria a evoluir.

"A necessidade de mais reportes, mais transparência de dados, ajuda a indústria a evoluir"

A Adyen também sofreu um ataque cibernético na Europa em abril. Foi um episódio diferente dos dois enfrentados recentemente no País?
O que aconteceu com a gente foi algo bem diferente. Foi um tipo de ataque que afetou a vulnerabilidade, porque não teve nenhum valor transacionado saindo da plataforma. Infelizmente, acontece. Detectamos essa instabilidade, quando precisamos ter uma redução de performance por um período. Mas não houve transferência de fundos nossos para algum fraudador, que é o mais importante. Trabalhamos sempre para ser 100%, mas o mercado criminoso nos desafia o tempo todo. O crime está cada vez mais sofisticado. É  por isso que cada vez mais aumentamos nossos investimentos em segurança.

Qual é a sua opinião sobre a decisão da Receita Federal em igualar as regras dos bancos incumbentes e das fintechs?
Esse é um momento de evolução e maturidade. O Brasil tem um arcabouço regulatório extremamente moderno e permitiu que uma série de novas empresas pudesse atuar. Durante uma fase, isso foi muito importante para fomentar a competição, tanto com players externos quanto com players locais crescendo. O ponto é que a gente precisa garantir o equilíbrio para continuar inovando e crescendo com regras mais claras e justas. É preocupante mesmo.

O que isso significa para a Adyen?
Tanto para fintechs com perfis mais robustos, como é o caso da Adyen, quanto os bancos tradicionais, é o momento de todos conversarem e, junto ao órgão regulador, buscar como vamos ter o maior nível possível de tecnologia, testes de infraestrutura. Isso é essencial. Trabalhar com 100% de plataforma proprietária nos diferencia do mercado. Eu tenho 100% de controle de tudo o que roda comigo. Quando digo que quero avançar em contas de pagamento no Brasil, não dá para ter algum nível de preocupação em segurança. O momento é importante e o mercado precisa estar atento. Não é a hora de ‘um contra o outro’. É hora de estarmos juntos para buscar mais proteção e controle. O mercado inteiro precisa se reeducar.

"Esse endurecimento de regras vai deixar todos os players, não só os bancos, mais fortalecidos. É importante ter mais transparência nos sistemas"

De que forma?
É importante saber que o cliente agora vai buscar ter informações sobre os custos desta prestação de serviço, mas também vai querer saber como estão os níveis de controle e como ele está preparado para lidar com os níveis de controle. Para a gente, o momento vira uma grande e importante oportunidade de crescimento.

O escândalo envolvendo fintechs pode ser visto como um divisor de águas para o setor no Brasil?
É um momento muito importante e positivo. Vão ficar aqueles que estão mais dispostos em realizar investimentos. Esse endurecimento de regras vai deixar todos os players, não só os bancos, mais fortalecidos. É importante ter mais transparência nos sistemas como nas regras de compliance. Para a Adyen, nossa ação será muito mais em reforçar a visibilidade dos processos que já tenho e contribuir à indústria para melhorar as ferramentas. E o Brasil continua sendo um mercado muito forte para a empresa.

Nesse sentido, a Adyen, que hoje é uma credenciadora no Brasil, tem intenção de avançar para uma instituição bancária de fato?
Ser uma instituição bancária hoje não está dentro da minha estratégia. No final das contas, a Adyen é uma empresa B2B. A gente sabe que tem muitos players do setor que têm um papel híbrido, indo direto ao consumidor. Está muito claro que atuo no Brasil, como uma credenciadora.

Quais têm sido as principais alavancas de crescimento no Brasil?
O Pix é muito importante para a gente, a ponto de hoje ser o terceiro maior método de pagamento alternativo do ponto de vista global para a empresa. O mercado de cartões vem crescendo de forma acelerada, mas existe uma parte de brasileiros cada vez mais atendido pelo Pix. Ainda existe uma demanda que não tem cartão de crédito e que usa o Pix como meio de pagamento. E agora temos o Pix recorrente, garantindo um pagamento constante. A ideia é seguir com essa agenda forte de inovação.