O brasileiro Guilherme Telles vive em Nova York e usa uma bicicleta elétrica para ir de sua casa ao trabalho na Uber. Mas ele passa pouco tempo nos escritórios da empresa na Big Apple. Telles viaja, em média, três semanas por mês.
O executivo vai com frequência para a sede da Uber, em São Francisco, na costa oeste. Mas ele também precisa visitar diversas cidades ao redor do mundo.
Nos últimos meses, Telles esteve em Berlim, Madrid, Paris, Lisboa e Bruxelas, na Europa. Ele também viajou para Wellington, na Nova Zelândia. E, no mês passado, esteve na Cidade do México, a capital mexicana.
Essas viagens não têm nada a ver com turismo. Telles está à frente da Jump, a startup da Uber que desenvolve o negócio de compartilhamento de bicicletas e patinetes. “Essa é a maior aposta da Uber fora de seu negócio tradicional”, disse Telles, em entrevista exclusiva ao NeoFeed, direto dos escritórios de Nova York.
Nos Estados Unidos, a startup de bikes e patinetes já está em 17 cidades, como Nova York, Chicago, Atlanta, São Francisco, Dallas, Denver, entre outras. No total, a Jump conta com operação em 29 cidades ao redor do globo. Na América Latina, está apenas na Cidade do México.
Questionado se virá para São Paulo, Telles responde de forma vaga. “Não temos certeza”, afirma ele. “Talvez, sim. Talvez, não.” O NeoFeed apurou, no entanto, que são grandes as chances de a Jump começar a operar na capital paulista ainda neste ano.
Quando desembarcar no Brasil com suas bikes e patinetes, a Jump encontrará um mercado povoado de concorrentes. Entre eles está a Grow, fusão da mexicana Grin com a brasileira Yellow, anunciada em janeiro deste ano. A americana Lime também iniciou sua operação no Brasil, em julho deste ano.
Será que a Uber chegará atrasada nesta disputa no mercado brasileiro? “A Uber é uma empresa com muito dinheiro para aguentar essas brigas”, afirma André Miceli, coordenador de negócios digitais da Fundação Getulio Vargas, de São Paulo. “Muita gente não entende por que a empresa é deficitária. Essa é uma das razões.”
No segundo trimestre de 2019, a Uber teve um prejuízo de US$ 5,24 bilhões, o pior resultado de sua história. Desde que abriu o capital, em maio deste ano, os papéis da empresa já se desvalorizaram quase 30%.
Expansão lenta
Apesar de a Jump estar no setor de compartilhamento de bicicletas e patinetes, há diferenças com o negócio principal da Uber. “No caso dos carros, sabíamos que era muito importante chegar o quanto antes em cada cidade”, afirma Telles. “O nosso approach com a Jump tem sido diferente. É um modelo de negócio mais complexo.”
Em primeiro lugar, a Uber não é dona dos carros, no modelo que Telles chama de ride sharing. A Jump, por sua vez, é a proprietária das bicicletas e dos patinetes.
Isso traz uma série de complexidades, que passa pelo desenvolvimento do produto, pela cadeia de fornecimento de partes e peças para montar as bicicletas e patinetes e pela logística de entrega desses equipamentos nas cidades em que a Jump opera.
A Uber conta ainda com parcerias de produção localizadas na China. Recentemente, uma unidade industrial no Porto, em Portugal, passou também a fabricar o produto.
“Em vez de sair correndo e expandir no mundo inteiro com velocidade, vale a pena a gente ter certeza de que temos o produto certo e na hora certa”, diz Telles.
Hoje, a Uber está presente em mais de 700 cidades de 65 países com o serviço de carros. É uma pequena fração da Jump, que começou a expandir sua operação no começo deste ano – antes ela estava em poucas cidades dos EUA e em Berlim, na Alemanha.
“Começamos nossa expansão muito cautelosamente e em parceria com o poder público”, afirma Telles. “Queríamos ter certeza que o momento em que lançássemos o produto não criaríamos nenhuma polêmica.”
Umas das vantagens, diz Telles, é o fato de a Uber desenvolver o produto. Por esse motivo, as bicicletas são todas elétricas. Com isso, o usuário não precisa fazer muita força para pedalar. A motorização elétrica evita que o consumidor chegue suado ao trabalho ou permite enfrentar grandes subidas sem muito esforço.
Os patinetes também contam com rodas mais largas. Parece um detalhe insignificante, mas Telles diz que isso dá mais estabilidade ao equipamento e permite enfrentar, sem muitos sobressaltos, os buracos pelo caminho.
“É um produto mais seguro e estável”, diz Telles. “A minha preocupação não é em ser o primeiro (a chegar em uma cidade). Se chegarmos com o produto certo, as pessoas vão experimentar.”
Do ponto A para o B
A Jump é uma startup comprada pela Uber em abril do ano passado por estimados US$ 200 milhões – a companhia não divulga o valor do negócio. Ela surgiu em 2008, com o nome de Social Bicycles.
Depois da compra, a Uber começou a estruturar a operação. Telles, que comandava a operação brasileira, foi descolocado para Nova York, assumindo a direção de operações da Jump, que faz parte da divisão New Mobility.
Debaixo desta divisão estão todas as iniciativas da Uber fora de seu negócio principal. Hoje, a Jump representa quase 100% dessa área.
É nessa divisão em que a Uber pensa em novas formas de mobilidade. É o caso da Uber Transit, lançado em Denver, na qual é possível comprar tíquetes para o metrô da cidade pelo aplicativo. Nova York conta com o Uber Copter, para aluguel de helicópteros, anunciado em julho deste ano.
A Jump faz parte de um plano muito mais amplo da Uber que é transformar a forma como as pessoas se locomovem em grandes centros urbanos.
"O objetivo é torná-los onipresentes, para que se tornem uma alternativa real ao transporte em geral”, diz Dara Khosrowshahi, CEO da Uber
"O objetivo é torná-los onipresentes, para que se tornem uma alternativa real ao transporte em geral, mas principalmente ao transporte de carros”, afirmou Dara Khosrowshahi, CEO da Uber, em uma entrevista a revista americana Fast Company, no ano passado.
A multimodalidade é uma das características que vai mudar o mercado de mobilidade. Os especialistas acreditam que será norma usar diversos tipos de transporte, de forma fragmentada, principalmente na primeira e na última milha.
“Essas modalidades vão servir para que as pessoas escolham qual é o veículo mais adequado para um determinado trecho e em um determinado momento”, afirma Miceli, da FGV-SP. “Essas características vão alimentar o crescimento desses novos mercados.”
Em certa medida, a Uber estaria canibalizando seu negócio principal de ride sharing com a Jump. Mas essa não parece ser uma preocupação da empresa. “O segredo é não ir contra a inovação, mas sim abraçar a inovação”, afirma Telles.
Os primeiros dados indicam que em cidades onde a Jump começa a operar as viagens de carros diminuem nas horas consideradas mais congestionadas – começo da manhã e no fim da tarde.
Mas a soma de viagens com bicicletas e patinetes somadas com as de carros acabam tendo um saldo positivo. Em São Francisco, por exemplo, houve um aumento de 15%.
Conclusão: a Jump traz novos usuários ao sistema e também cria novas alternativas de transporte. Em vez de canibalizar, o saldo é positivo no fim do dia.
“Toda vez que alguém pensar em se movimentar, indo do ponto A para o B, ele vai abrir o aplicativo da Uber. E lá vai ter diversas opções”, diz Telles.
Desde que surgiu, em 2009, a Uber já fez mais de 10 bilhões de viagens. Em junho, contava com 100 milhões de usuários ativos. Eram quase 4 milhões de motoristas ao redor do mundo.
De certa forma, a Uber, apesar da concorrência global com a chinesa Didi Chuxing, dona da 99 no Brasil, e com a Lyft, nos EUA, tem conseguido ser uma referência em transporte.
Agora, precisa encontrar uma forma estancar seus prejuízos bilionários.