O executivo chileno Eduardo della Maggiora tinha uma carreira sólida no mercado financeiro, com passagens pelo J.P.Morgan e pelo Tyndall Group, uma boutique de investimentos na qual ele era um dos fundadores. Mas um voluntariado na Tanzânia, uma prova de Iron Man no Havaí e o diagnóstico de câncer de sua mãe o fizeram repensar sua vida.
Ele botou as mochilas nas costas e voltou à África. No continente africano, viu mais uma vez a pobreza e a fome e voltou de lá determinado a tentar mudar o quadro. Em 2018, ele criou o “Burn to Give”, uma plataforma para combater o que Maggiora chama de duas das maiores pandemias do mundo: o obesidade e a má nutrição.
A “Burn to Give” fazia com que as calorias gastas por seus usuários fossem doadas para pessoas que precisavam de calorias. O dinheiro para as doações vinha de patrocinadores como Walmart, Coca-Cola, Subaru, Merrell, Powerade, entre outras marcas. Em dois anos, foram mais de 1 milhão de comidas doadas.
Esse foi o embrião da Betterfly, uma insurtech lançada por Maggiora, em 2020. A startup é uma plataforma de benefícios que oferece um seguro de vida cujo valor aumenta à medida que o usuário caminha, corre ou medita. E mais: parte dos recursos são destinados a doações.
Agora, a Betterfly acaba de receber um cheque de US$ 60 milhões em um aporte série B liderado por sócios do DST Global com a participação de QED Investors, Softbank Latin America, Valor Capital e Endeavor Catalyst, que será usado para sua expansão pela América Latina, a começar pelo Brasil.
O executivo brasileiro Leonardo Lima foi contratado há dois meses para tocar a operação brasileira. Ele era o chief marketing officer da Samsung no Chile e está começando a recrutar profissionais e buscar parcerias para lançar a plataforma no Brasil no quarto trimestre deste ano.
“Com os recursos vamos nos expandir por toda a América Latina e vamos fazer isso passo a passo, mas o Brasil é o nosso maior passo”, afirma Lima, ao NeoFeed. “O Brasil tem de ser o nosso maior mercado na região.”
A Betterfly conta com mais de 400 empresas que usam sua plataforma no Chile e pagam um mensalidade que começa a partir de US$ 4 por funcionário. No total, são mais de 500 mil profissionais beneficiados. O leque de clientes inclui desde pequenas até grandes empresas, como o banco Santander.
Com a assinatura, os funcionários têm acesso a um seguro de vida e a diversos aplicativos de saúde e bem-estar. No Chile, os apps disponíveis na plataforma são Puramente (meditação); Instafit (fitness); Focus (economia e investimento); The Big Know (cursos de bem-estar); e Teledoc (telemedicina, psicologia e nutricionista).
À medida que os funcionários caminham, correm, meditem ou façam cursos, eles vão acumulando pontos (chamados de Better Coins) que faz aumentar o valor do seguro de vida – segundo a empresa, eles começam em US$ 8 mil. Ao mesmo tempo, parte desses pontos são convertidos em doações para organizações não-governamentais com as quais a Betterfly tem parceria no Chile.
Entre as instituições que recebem as doações estão a Trees.org, Water Is Life, Alimenta la Solidaridad, Red de alimentos, Leche para Haiti. Já foram doados mais de dois milhões itens, que inclui mudas de árvores, litros de água e comida, de acordo com a Betterfly.
No Brasil, o trabalho de Lima será estruturar parcerias com os aplicativos que vão compor a plataforma, escolher as ONGs que vão receber doações, bem como negociar com seguradora que vai oferecer o seguro de vida. “Estou conversando com as principais seguradoras do Brasil no momento”, diz o executivo. No Chile, a Betterfly tem acordo com a Vida Security.
A insurtech tenta também ser o menos burocrática possível para garantir o seguro de vida aos assinantes da plataforma. Não há, por exemplo, perguntas de ordem médica ou exclusões por condições pré-existentes. Se o funcionário deixa a empresa, ele pode manter o seguro e o acesso à plataforma – basta apenas seguir pagando a mensalidade.
O modelo de negócio é que o Lima chama de B2B2C. A Betterfly oferece o serviço à empresas. Estas, por sua vez, o fornecem aos seus funcionários. No Chile, empresas estão oferecendo a plataforma da insurtech a seus clientes, como uma forma de reter seus consumidores.
Ao contrário das fintechs, a insurtechs não chamam ainda tanto a atenção dos investidores. De acordo com estudo da Distrito, as seguradoras tecnológicas receberam US$ 56 milhões até maio de 2021 no Brasil – o aporte da Betterfly é maior do que todos os investimentos feitos até agora no País.
Com esse volume, as insurtechs são o sexto setor que mais recebeu recursos até agora. Em primeiro lugar, vêm as fintechs, com US$ 1,15 bilhão. Depois aparecem, nessa ordem, real estate, retail tech, edtech e healthtech.
Mas, mesmo de forma menos volumosa, os aportes começam a acontecer. E a tendência é que essas empresas, assim como as fintechs, promovam mudanças no setor. A principal delas deve ser na forma de precificar as apólices com o uso intensivo de tecnologia.
Um dos exemplos é recente no Brasil foi o da insurtech Justos, que captou R$ 15 milhões em aporte liderado pela Kaszek e com a participação da Big Bets. O que chamou a atenção dos investidores foi o modelo de precificação das apólices baseado no comportamento do motorista ao volante.
A estratégia da Justus é capturar dados para avaliar o comportamento ao volante e definir preços personalizados para cada motorista. As informações serão coletadas via telemetria, por meio de recursos e sensores instalados nos celulares dos usuários.
É um modelo semelhante ao da Betterfly, em que o próprio consumidor, com seu comportamento, vai influenciar o valor da apólice. No caso da Justus, se dirigir bem, ele pagará menos. Já na startup chilena, bem ... O cliente vai preferir caminhar, correr e meditar para ter uma vida longa.