Fabio Venturelli, presidente do grupo sucroalcooleiro São Martinho, um gigante com capacidade de moagem de 24 milhões de toneladas de cana-de-açúcar e um faturamento de R$ 3,7 bilhões, entra na sala repleta de post-its. Mais de 200 deles estão colados na parede de um centro de estudos na usina São Martinho, em Pradópolis (SP).
Ali, funcionários discutem ideias, anotam melhorias que podem ser implementadas em cada processo do dia-a-dia e planejam como será o futuro. Mas não um futuro distante. Há duas semanas, a empresa anunciou uma parceria com a sueca Ericsson para levar a tecnologia 5G para a lavoura, o que pode redefinir seus negócios num curto espaço de tempo.
“Isso vai mudar a nossa vida”, diz Venturelli ao NeoFeed. “Vamos começar os testes na safra 2021/2022 e queremos estar prontos para a safra 2022/2023.” Por isso, os funcionários já estão debruçados nas possibilidades que o 5G trará ao negócio. “Ele permite que a gente sonhe com o impossível”, afirma.
O 5G será instalado primeiro na usina São Martinho, a maior do mundo, com capacidade de moer 10 milhões de toneladas de cana por ano. Depois, o mesmo processo será replicado nas outras usinas do grupo que ficam em Américo Brasiliense e Iracemápolis, ambas no interior de São Paulo, e outra em Quirinópolis, em Goiás. Ao todo, cobrirá uma área de cerca de 300 mil hectares.
O movimento é parecido com o que aconteceu quando o grupo instalou seis antenas de 4G, há dois anos. Primeiro, criou a infraestrutura na São Martinho e, um ano depois, partiu para as outras do grupo. Na ponta do lápis, essa chamada “usina 4.0” trouxe ganho de eficiência e economia brutais.
“Deverá render uma economia de R$ 4 por tonelada de cana processada”, diz Felipe Vichiatto, CFO da São Martinho. No total, representará uma economia de R$ 75 milhões por ano. Com o 5G, esse número pode crescer exponencialmente. Se atualmente o custo por tonelada é de R$ 90, quando tudo estiver automatizado, estima-se que ele possa cair para R$ 72.
Para uma empresa com custos de produção de R$ 2 bilhões, trata-se de uma poderosa virada de chave no negócio. Um negócio, é bom salientar, que hoje é movido também por banda, latência, dados e automação. E que gera centenas de gigabytes em dados todos os dias.
Tudo ali já é automatizado. No monitor instalado no Centro de Operações Agrícolas (COA), uma espécie de centro de inteligência da unidade, por exemplo, é possível identificar as máquinas que estão no campo colhendo a cana. Ele fornece informações como a área em que a colhedora está, a velocidade que se movimenta e até se está parada.
Cada informação é analisada com precisão, pois nada pode ser desperdiçado. Se a velocidade passar do limite estipulado, o operador é avisado na hora. Isso acontece para não forçar o motor, o que pode prejudicar a máquina e necessitar de manutenção adicional – os sensores instalados na colhedora avisam com antecedência se algo precisa ser trocado – e também para não gastar combustível a mais.
Só com esse pequeno detalhe, a economia de combustível chegou a R$ 3 milhões na última safra. Pode parecer pouco em se tratando de um grupo sucroalcooleiro que faturou R$ 3,7 bilhões. Mas esse é apenas mais um dos processos que ganharam ingredientes tecnológicos no campo.
Com 22 mil quilômetros de estradas em suas propriedades, o grupo desenvolveu um próprio Waze em parceria com a Hexagon Agriculture para que os motoristas não se percam e para que suas máquinas funcionem de maneira semiautônoma. Isso é crucial, uma vez que, num dia típico de safra, seus caminhões e colhedoras rodam o equivalente a três voltas na Terra.
“Antes, o caminho estava na cabeça do motorista, com o 4G o caminho dele foi otimizado e com o 5G as máquinas poderão ir sozinhas”, diz Venturelli. Outro processo que já foi revolucionado com o 4G e que deve passar por uma grande mudança com o 5G é o de uso de defensivos agrícolas. A meta é fazer com que drones, com câmeras sensíveis e de longo alcance, consigam identificar as pragas e fazer a aplicação cirúrgica.
Até pouco tempo, os focos de incêndios eram avistados pelos funcionários da empresa que avisavam os brigadistas pelo rádio. Hoje, as seis antenas instaladas na propriedade contam com câmeras de longo alcance, de até 40 km, que cruzam as imagens nos 130 mil hectares da propriedade. Elas enviam sinais para o COA, que passa as coordenadas precisas no computador de bordo dos caminhões de combate a incêndio.
O primeiro no mundo
O projeto de 5G da Ericsson no campo com a São Martinho é o primeiro da empresa sueca no mundo no setor de agronegócio. “O Brasil está à frente da maioria dos países em relação a exportações de produtos no agro e a São Martinho tem um viés de inovação muito forte. Ela já tinha a infraestrutura de 4G”, diz Eduardo Ricotta, CEO da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, ao NeoFeed.
O 5G, diz Ricotta, trará dois grandes benefícios em relação as tecnologias existentes. O primeiro é a transmissão de dados, que é até 100 vezes maior do que a praticada hoje. O segundo é a latência, que é muito baixa. “Com isso, você consegue dar instantaneidade no serviço. É como se as coisas acontecessem num piscar de olhos mesmo”, diz ele.
Isso poderá automatizar cada vez mais o campo. Todas as máquinas poderão funcionar de modo autônomo, sem a necessidade de um operador ou um motorista, por exemplo. Os sensores instalados na unidade industrial entregarão os dados rapidamente. “Queremos desenvolver um projeto que extrapole para outras áreas do agronegócio, que vá além do negócio de cana”, diz Ricotta.
No ano que vem, a São Martinho vai chamar startups para desenvolver soluções em diversas áreas e replicar isso para o campo. “Ainda existe um gap digital muito grande entre o varejo e o agronegócio no Brasil. Vamos começar uma nova era da smart farming 4.0”, diz o CEO da Ericsson.
A instalação da infraestrutura será concluída até o fim do ano. Enquanto os leilões da banda 5G não acontecem, a empresa vai usar outra tecnologia para implementar a velocidade da rede.
“Vários operadores ao redor do mundo começam usando as frequências que estão sobrando no 2G, 3G e 4G. Agregamos tudo isso para formar uma espécie de grande estrada onde começa a ter velocidade de ultra banda larga na rede”, diz Ricotta.
Depois, quando vier o espectro de frequência que será leiloado no ano que vem para complementar essa faixa. “Aí teremos o 5G na plenitude”, diz Ricotta. “Vai mudar vários setores da economia, o impacto será de US$ 12 trilhões no mundo inteiro.”
O 4G possibilitou a criação de empresas como Waze e Uber e o 5G poderá dar vida a outras empresas disruptivas. “Ele vai dar um salto na questão da digitalização do campo”, diz Sérgio Marcus Barbosa, gerente-executivo da ESALQTec Incubadora Tecnológica, ecossistema que reúne centenas de agtechs no Vale do Piracicaba, interior de São Paulo.
Barbosa afirma que uma das grandes vantagens é que a tecnologia permitirá mais equipamentos conectados por quilômetro quadrado. “Vai permitir que as tecnologias geradas pelas startups do agro, as agtechs, tenham maior eficácia”, diz ele. E prossegue. “A digitalização do campo é a capacidade de transmitir dados com maior eficiência e rapidez para que você possa tomar a melhor decisão.”
Listada no Novo Mercado da B3, com 12,5 mil funcionários e valor de mercado de R$ 7,5 bilhões, a São Martinho sabe disso. As decisões que são tomadas numa safra são irreversíveis. Não dá para voltar atrás depois de definir, por exemplo, quanto produzirá de açúcar – todo exportado para a África, Ásia e Oriente Médio – ou de etanol, vendido no mercado nacional.
Se optar por fazer mais etanol numa safra, a proporção da produção fica com 65% de etanol e 35% de açúcar. Se decidir por mais açúcar, o máximo possível é de 50% etanol e 50% açúcar. Por conta da pandemia, com o consumo do etanol caindo, direcionou a produção mais para açúcar. “Vamos fazer 50% de etanol e 50% açúcar”, diz Venturelli. Neste ano, a São Martinho produzirá 1 bilhão de litros de etanol e 1,4 milhão de toneladas de açúcar.
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