A gestora americana Blue Owl é um símbolo da nova era dos mercados privados nos Estados Unidos. Desde que foi criada em 2020, fruto da fusão de duas gestoras, a Owl Rock e a Dyal Capital, saiu de algo em torno de US$ 45 bilhões em ativos sob gestão para quase US$ 300 bilhões.
Listada na Bolsa de Nova York em 2021, via uma combinação com o SPAC Altimar Acquisition, a gestora, cujo símbolo é uma coruja azul, desde então viu seu valor de mercado se multiplicar por quase seis vezes. Na época do IPO, valia US$ 3,9 bilhões. Hoje, está avaliada em US$ 22 bilhões.
“A Blue Owl foi fundada na crença de que os mercados privados podem oferecer vantagens – renda estável, proteção de capital e retornos diferenciados – que o portfólio 60/40 tradicional muitas vezes não entrega”, diz Felipe Manzo, principal da Blue Owl e membro do time de Private Wealth, em entrevista ao NeoFeed.
Manzo faz parte da estratégia da gestora de crescer na América Latina. Há pouco mais de dois anos e meio, ele foi contratado para liderar a área de Private Wealth na região. Hoje, uma equipe dedicada de quatro pessoas trabalha junto aos distribuidores para educar assessores financeiros e seus clientes sobre o papel dos alternativos nas carteiras.
“A demanda global por acesso aos mercados privados está acelerando e a América Latina não é exceção”, diz Manzo. “Nossa abordagem é muito mão na massa, com forte foco em educação, apoiada por materiais em espanhol e português que ajudam os clientes a entenderem o conjunto de oportunidades.”
O Brasil é o principal foco dessa ofensiva. Segundo ele, a Blue Owl já firmou parcerias com bancos privados e multi-family offices locais, em iniciativas que combinam acesso aos fundos offshore da gestora e projetos para trazer produtos com “selo institucional” também em moeda local.
“O Brasil é um mercado-chave de crescimento para a Blue Owl”, afirma Manzo. “Estamos trabalhando ativamente para levar nossos produtos a investidores brasileiros, tanto offshore quanto onshore, e planejamos contratar nosso primeiro membro do time de Private Wealth para ficar baseado em São Paulo nos próximos meses.”
Uma vantagem que a Blue Owl já tem aqui no Brasil é que os investidores gostam de investir mais em crédito privado do que em ações. Algo que tem crescido de forma acelerada no mundo.
O mercado de crédito privado quadruplicou de tamanho na última década e já ultrapassou US$ 2 trilhões sob gestão. A BlackRock projeta que os ativos sob gestão em private credit podem chegar a US$ 4,5 trilhões até 2030, impulsionados por forças de mercado, avanços tecnológicos e mudanças regulatórias.
O pano de fundo para essa expansão é a mudança estrutural do mercado de crédito após a crise financeira global, em 2008. Com a adoção de regras mais duras e maior exigência de capital, bancos reduziram sua propensão a emprestar para determinadas faixas de risco – especialmente operações menores, customizadas e com estruturas mais complexas.
Foi nesse vácuo que plataformas como Owl Rock, depois Blue Owl, cresceram: oferecendo crédito diretamente a empresas grandes e médias, com processos de análise próprios e com a capacidade de estruturar operações bilionárias sem depender de sindicatos bancários.
Ao mesmo tempo em que o mercado de crédito privado se expandia, outra narrativa ganhava força: a de que o tradicional portfólio 60/40 – 60% em ações, 40% em renda fixa – já não dava conta de entregar, sozinho, o equilíbrio entre retorno e risco em um mundo de juros muito baixos, correlações mais altas e choques sucessivos de eventos macroeconômicos. Isso deu espaço para a entrada de ativos alternativos na composição das carteiras.
“Acreditamos que os mercados privados estão em expansão porque os investidores em todo o mundo desejam mais do que a tradicional carteira 60/40 pode oferecer. A inovação no design e acesso aos fundos acelerou essa mudança para os alternativos”, diz Manzo.
A empresa foi uma das pioneiras em tornar acessível produtos antes apenas institucionais para investidores individuais, seja de grandes fortunas ou do varejo. “Hoje, nossa base de investidores abrange fundos de pensão e, cada vez mais, investidores de varejo em diversas regiões”, afirma Manzo.
Esse crescimento pode ser uma grande alavanca. Hoje, os investidores institucionais já alocam de 15% a 20% em média em alternativos, enquanto os investidores individuais ainda têm, em média, apenas 2% a 3%. E, segundo a gestora, cada aumento de 1% na adoção poderia desbloquear de US$ 2 trilhões a US$ 3 trilhões em ativos para gestores de mercados privados.
Veteranos da indústria de alternativos
A história da casa tem origem na experiência de veteranos da indústria de alternativos. De um lado, a Owl Rock, fundada por nomes como Doug Ostrover, Marc Lipschultz e Craig Packer, construiu uma plataforma de direct lending focada em companhias de médio e grande porte, patrocinadas por private equity. De outro, a Dyal Capital, liderada por Michael Rees dentro da Neuberger Berman, tornou-se referência na compra de participações minoritárias em grandes gestoras globais de ativos alternativos.
Desde o IPO, em 2021, aquisições como a de Oak Street, em real estate, e a expansão digital em infraestrutura fizeram a companhia crescer e reforçaram uma tese clara: operar em poucos nichos alternativos, onde os grandes gestores do mercado não têm vantagem competitiva.
“Começamos com empréstimos diretos e expandimos para áreas como imóveis com contratos de arrendamento líquido, financiamento baseado em ativos e infraestrutura digital. Aquisições estratégicas nos ajudaram a ampliar essas capacidades e expandir nosso alcance”, conta Manzo.
Hoje, a Blue Owl se organiza em três grandes verticais, sendo a sua principal o crédito privado, ancorada em direct lending, com mais de US$ 150 bilhões sob gestão. Compõem também o portfólio as estratégias de Real Assets, com foco em triple net lease e, cada vez mais, em data centers e infraestrutura digital. E GP Strategic Capital, que compra participações minoritárias e oferece financiamento para grandes gestoras de ativos alternativos.
A estratégia de direct lending é, essencialmente, emprestar diretamente para empresas privadas, sem intermediação bancária tradicional. No caso da Blue Owl, o foco é em companhias médias e grandes, muitas delas patrocinadas por fundos de private equity, com Ebitda acima de US$ 100 milhões e, em média, perto de US$ 300 milhões.
Esses empréstimos são, em sua maioria, financiamentos sêniores com garantias, remunerados à taxa de juros flutuante, muitas vezes com receitas recorrentes e atuação em setores considerados mais resilientes, como software, healthcare e serviços corporativos.
Segundo a gestora, o braço de direct lending já originou cerca de US$ 176 bilhões em operações desde a criação, com mais de US$ 110 bilhões de ativos sob gestão nessa estratégia e uma base de mais de 800 relações com patrocinadores de private equity. Considerando toda a plataforma de crédito, o volume sob gestão supera US$ 150 bilhões.
O desafio da gestora é convencer os investidores de que, ao investir apenas nos mercados públicos, como é mais tradicional nos EUA e em grandes economias, perde-se uma grande oportunidade. Isso porque, dentro do universo de empresas com ao menos US$ 100 milhões de receita nos EUA, 81% são privadas.
Aos poucos, os investidores foram descobrindo que o mercado de crédito privado oferece um fluxo de renda recorrente e uma baixa volatilidade por estar no mercado privado, se comparada a fundos de ações e mesmo de renda fixa. Para diminuir o risco do portfólio, a gestora tem como premissa o investimento pulverizado, com centenas de empresas em cada portfólio.
Segundo a gestora, a estratégia de direct lending tem dado um retorno anualizado de 8% ao ano ou mais desde 2016. Em produtos listados, como a Blue Owl Capital Corporation (OBDC), a gestora reportou retorno anualizado sobre o patrimônio de 12,4% em 2024. No entanto, as cotas do fundo se desvalorizaram 17% em 12 meses.
Nos ativos reais, a Blue Owl se tornou um dos maiores players globais em triple net lease – estrutura em que o inquilino assume despesas de impostos, seguros e manutenção – e vem acelerando em infraestrutura digital, em especial no financiamento e desenvolvimento de data centers.
Já em GP Strategic Capital, o legado da Dyal colocou a casa entre os maiores investidores do mundo em participações minoritárias em gestoras de private equity, crédito e hedge funds.
Críticas ao private crediy
A velocidade com que o crédito privado cresceu nos últimos anos também trouxe ceticismo. Grandes nomes de Wall Street vêm alertando que o segmento pode esconder riscos, seja pela menor transparência das operações, seja pela liquidez limitada de muitos veículos, e, por isso, está chegando cada vez mais ao público em geral.
Em outubro, o CEO do J.P. Morgan, Jamie Dimon, afirmou ser preciso tomar cuidado com a presença de "baratas" nos mercados privados. Os temores de contágio e de uma possível repetição da crise dos empréstimos subprime de 2008 levaram os bancos centrais a submeterem o setor a uma análise mais rigorosa.
Jeffrey Gundlach, apelidado de “Bond King”, fundador, CEO e CIO da DoubleLine Capital – gestora americana especializada em renda fixa que administra mais de US$ 90 bilhões em ativos –, afirmou recentemente que “a próxima grande crise nos mercados financeiros vai ser em private credit”.
Segundo ele, esse mercado reúne “os mesmos elementos da reembalagem de hipotecas subprime em 2006”: crescimento explosivo, operações feitas fora do escrutínio do mercado público, pouca transparência na precificação, alavancagem elevada e uma sensação enganosa de segurança, porque os fundos quase não marcam essas posições a mercado.
A onda de críticas tem impacto no valor das ações da Blue Owl Capital Inc. (OWL) na bolsa. Em 12 meses, a empresa acumula queda de 42%. Felipe Manzo reconhece o debate, mas faz uma distinção clara entre crescimento acelerado e alavancagem irresponsável.
“Embora exista discussão pública sobre possíveis riscos nos mercados de dívida privada, nossa experiência na Blue Owl é de que o crédito privado continua sendo uma classe de ativos disciplinada e resiliente”, afirma Manzo.