As gestoras independentes estão sob pressão. Nos últimos dois anos, a indústria de fundos de investimento encolheu mais de R$ 250 bilhões. O resgate dos cotistas atrapalha a estratégia de longo prazo, assim como coloca essas assets no sufoco e na corda bamba da sobrevivência.

O mercado de gestoras no Brasil é um colosso. São 976 casas, segundo o último dado de janeiro deste ano da Anbima. Isso significa 55% a mais do que em 2018, quando o ambiente de amadurecimento de plataformas de investimento fez surgir várias assets independentes.

Esse movimento, entretanto, não foi capaz de desconcentrar a riqueza. Hoje, as 50 maiores gestoras do País são responsáveis por gerir 83% de toda a indústria de fundo, de R$ 8,2 trilhões.

Essa concentração diz muito sobre a dificuldade de se montar uma gestora e de captar recursos. Apenas 35% da indústria têm acima de R$ 1 bilhão sob gestão. Esse número é considerado pelo mercado uma quebra de barreira para custear a operação, levando em consideração uma taxa de administração média de 2% e descontando impostos e custos de distribuição.

Mas a situação tem ficado mais grave. O que tem acontecido no mercado com o enxugamento da indústria e a onda de resgates é que as receitas já não estão cobrindo os custos, obrigando muitas gestoras a operar em “modo de sobrevivência”.

Isso é o que mostra um levantamento do multi family office TAG Investimentos , divulgado pelo NeoFeed, sobre quantas gestoras podem estar andando nessa linha tênue.

Sob a premissa de que para custear um aluguel de uma laje de 150 m² na região do Itaim Bibi (a avenida Luiz Carlos Berrini foi utilizada como exemplo) com 15 profissionais, uma gestora precisa ter, ao menos, R$ 400 milhões sob gestão - é necessário ter um ROA (retorno sobre ativos) de 1%.

O resultado é que 51% das assets brasileiras estão abaixo desse corte. O que isso significa? Os sócios seniores estão abrindo mão da remuneração para manter a estrutura funcionando. Mas muitos não conseguem suportar.

“Assumimos custos bem conservadores para ter uma estimativa de um breakeven saudável mínimo, mas há muitas gestoras com custos maiores”, diz André Leite, CIO da TAG Investimentos, ao NeoFeed. “E cada gestora tem a sua realidade de capacidade de geração de receitas. Mas as premissas nos ajudam a ver um cenário geral.”

Para quem faz gestão de fortunas, como um multi family office, uma gestora precisa ir além dos resultados anuais. A perenidade faz toda a diferença na hora de alocar milhões de reais do patrimônio dos clientes. E o Brasil possui uma taxa de mortalidade de gestoras bem grande.

A gestora pernambucana Finacap fez um recorte sobre o cenário para os fundos de ações em dezembro de 2023. Eles excluíram os fundos exclusivos e aqueles com menos de 10 cotistas. O resultado foi 1.012 fundos de ações ativos de assets independentes e 1.803 cancelados. Entre os ativos, apenas 3% têm mais de 20 anos de atividade e 23% superam os 10 anos. E 73% não conseguem ultrapassar a barreira dos cinco anos.

“Estamos vendo muitas gestoras operando em modo de sobrevivência, abrindo mão de remuneração. Do nosso ponto de vista de investidores, se os sócios têm esse comprometimento e um plano para sair dessa situação, não há problema. Mas é difícil essa situação se postergar por muito tempo sem um mínimo que vemos como viável”, afirma Leite.

A agência de classificação de risco Fitch Ratings, que analisa a indústria de fundos no Brasil dando nota de crédito às gestoras, avalia que as barreiras de entrada nesse negócio são muito baixas, mas depois muitas gestoras não conseguem captar o suficiente para ter uma boa estrutura, em especial quando não entregam uma boa rentabilidade, o que assegura rendimentos com taxa de performance.

"Diria que há negócios que precisam de mais ou menos escala e com cerca de R$ 300 milhões é possível se manter se houver performance. Quando não há, como não se teve recentemente, fica complicado. Mas não se tem uma estrutura operacional e de controle de risco adequada com esse montante", afirma Pedro Gomes, analista da Fitch Ratings, que acrescenta que a nota de risco não é obrigatória e poucas gestoras buscam ter para mostrar se estão robustas para o mercado.

Um mais um não é dois

Como várias casas encontram-se nessa situação e buscam uma solução, o NeoFeed apurou com algumas boutiques de M&A como estão os mandatos envolvendo placas desse mercado. Há, no mínimo, uma dezena sobre a mesa.

“As conversas estão muito aquecidas. Eu diria que não há uma gestora que não conversou com alguém sobre uma proposta de compra, venda ou fusão nos últimos 12 meses”, diz um advogado especializado em fusão e aquisições de gestoras que pediu para não se identificar porque está assessorando clientes em negociações.

Mas a combinação das estruturas não é algo simples. Os valores de mercado caíram e, hoje, os investidores estão muito mais preocupados com o preço sobre o lucro da operação. As discussões vão desde qual o nome vai prevalecer em uma combinação até quem será o líder da nova operação.

“A vaidade conta muito nesse negócio e muitos preferem fechar e voltar a receber salário a investir na ideia de empreender”, diz o sócio de uma tradicional consultoria de fusões e aquisições.

Esse mercado vem passando por um ajuste após três anos pujante em aquisições e apostas societárias de grandes plataformas e bancos, como XP, BTG e Itaú.

“Quem estava movimentando esse mercado parou um pouco e está esperando ver os resultados das apostas que fez. De forma que não tem tido tanto apetite para novas investidas. A solução está sendo mais se juntar com outras casas para ganhar força”, diz Bruno Ourique, sócio do Cepeda Advogados.

Nessa estratégia, quem tem uma casa monoproduto está mais suscetível a movimentos de baixa do mercado. E esse pode ser um momento propício para trazer estratégias que são consideradas chave e diversificar.

O grande interesse para combinação de gestoras está em ativos alternativos e ilíquidos, que são mais resilientes a momentos de crise no mercado. Como fundos de real estate, infraestrutura, special situations e private equity. Fundos mais líquidos, em especial de multimercado e de ações, não estão sendo prioridade neste momento.

Como exemplos, o BTG Pactual concluiu a aquisição da Signal Capital, gestora de private equity focada em fundos de fundos, e sua equipe foi incorporada a BTG Pactual Asset. No fim do ano passado, o Pátria comprou a área de fundos imobiliários do Credit Suisse, e, em maio, a Valora adquiriu a Mogno Capital.

Grandes gestoras desses segmentos estão aproveitando para comprar assets e ativos, como o caso da VBI Real Estate, sócia do Pátria, que incorporou recentemente fundos imobiliários da Bluemacaw, More e Bari.

Rodrigo Abbud, fundador da VBI Real Estate, conta que o mercado imobiliário está passando por uma consolidação e afirma que tem recebido propostas e que sempre está aberto a oportunidades.

“Muitos fundos ficaram pequenos e com dificuldade de acessar os canais de distribuição. Muitos executivos que saíram para montar seus negócios viram que a vida de empreendedor está mais difícil do que imaginavam, porque quem já conseguiu escala tem vantagem competitiva”, diz Abbud.

Um “novo” entrante?

Quem tem aparecido como um novo poder consolidador entre as gestoras são as assessorias de investimento. Elas ganham relevância à medida que a capacidade de distribuição faz diferença.

O caso da Prinz Capital é ilustrativo. Criada há três anos em parceria com a assessoria Manchester, a gestora chegou a R$ 500 milhões sob gestão, com projeção de dobrar esse montante este ano (a Manchester detém R$ 15 bilhões sob assessoria).

“Estamos sendo procurados pelo nosso poder de distribuição. Isso mostra o quão foi acertada a nossa estratégia de escolher nascer dentro de uma estrutura ao invés de solo. O mercado não está mais tão frutífero para novas apostas sem estrutura", diz Eduardo Guedes, CEO da Prinz Capital.

No início do ano passado, a gestora Paramis Capital se juntou ao escritório de assessoria Investsmart, que é vinculado à XP. Hoje, está com R$ 400 milhões sob gestão, focado em crédito privado e fundo imobiliário. E nos últimos meses tem recebido propostas de fusão.

“Conseguimos um modelo diferenciado por estar dentro de um dos maiores escritórios de assessoria do Brasil, e isso tem atraído interessados em se juntar a nós. E estamos analisando potenciais parcerias que agreguem estratégias que não temos para sermos mais completos”, afirma Danilo Ribeiro, CEO da Paramis.

Um passo atrás

Quando empreender não dá certo e muito menos um M&A se torna viável, os profissionais das gestoras migram para outra casa maior e desistem do negócio próprio.

Se, pelo lado da mortalidade, é ruim, esse movimento gera oportunidades para grandes gestoras fortalecerem ainda mais o seu quadro de profissionais e, também, aumentar as estratégias.

Essa decisão vem sendo tomada até mesmo por profissionais à frente de gestoras que estão gerando lucros, mas que pensam na manutenção do negócio. Foi o caso da Dharma Capital, que se juntou à Absolute, com R$ 36 bilhões, no fim do ano passado.

"As gestoras estão vendo que a barra subiu e é preciso ter uma estrutura mais robusta para arcar com o profissionalismo que vem sendo demandado, como estrutura de governança, processos, etc.”, afirma Tiago Sant’Anna, fundador da Absolute.

Ele complementa: “Ser monoproduto deixa a gestora suscetível a altos e baixos do mercado. Há uma grande tendência em casas se juntarem para construir algo mais robusto. Há um momento aquecido para essas conversas e estamos atentos a oportunidades."

Apesar desse ambiente hostil e com muita gente ficando pelo caminho, novas gestoras devem continuar surgindo e mantendo o mercado brasileiro de assets enorme. A esperança de muitos profissionais é que o pior já passou, com a restrição aos títulos isentos e, finalmente, com a queda na taxa de juros.

"Apesar de termos um número enorme de gestoras no Brasil pelo tamanho do nosso mercado, temos um espírito empreendedor forte e a barreira de entrada para testar ainda é relativamente baixa", diz Leite, da TAG.

Se não vão deixar o sonho de ter sua própria gestora, tudo indica que os novos empreendimentos ocorrerão de forma mais estruturada, com parcerias com outras casas. Neste momento, quem tem um sócio está mais tranquilo. Mas basta um novo boom no mercado para chacoalhar a corda novamente.