O brasileiro nunca teve tantos Certificados de Operações Estruturadas (COE) nos portfólios. De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o total investido nesse produto financeiro chegou a R$ 83,6 bilhões em 2024. O crescimento foi o maior da história, representando um aumento de R$ 27,8 bilhões em 12 meses.
Os COEs são instrumentos de investimentos que combinam diferentes ativos em uma única estrutura, oferecendo estratégias que vão da proteção parcial do capital a ganhos atrelados a índices globais, ações e moedas. No entanto, as remunerações elevadas para quem vende e a falta de liquidez são críticas recorrentes desse mercado.
Os principais detentores de COEs no Brasil são investidores classificados como varejo de alta renda, que costumam ter entre R$ 300 mil e R$ 5 milhões de patrimônio. Essa faixa tem como característica ser atendida por assessorias de investimentos, ou seja, não são grandes o suficientes para ir para o segmento private e nem tão pequenos para serem ignorados.
O varejo alta renda responde por 79,1% do mercado de COEs, que vêm assumindo uma posição cada vez maior na carteira desses investidores. Com R$ 66,2 bilhões em COEs, o instrumento representa 2,57% do portfólio total desse segmento, mais que o dobro da fatia de 1,16% em 2020. E maior do que a participação de fundos de ações, CRIs, CRAs, ETFs e debêntures em suas carteiras.
Apesar da popularidade dos COEs entre investidores de alta renda, o produto tem pouca penetração no varejo tradicional, menos assessorado, e no segmento private, onde os rebates costumam ser devolvidos aos clientes devido aos altos valores investidos. No private, os COEs representam 0,2% do portfólio e, no varejo tradicional, 0,5%.
Quem vende, porém, segue confiante na permanência do bom momento, apostando em COEs atrelados ao mercado americano.
“Deve continuar crescendo, porque foi criada uma modalidade oportuna para o momento, os chamados bond repack. A estrutura consiste em utilizar bonds de companhias brasileiras conhecidas para montar operações travadas de 4 a 5 anos, transformando-os em COEs que são oferecidos ao mercado local como alternativa de renda fixa”, afirma Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos.
Um exemplo semelhante desse tipo de operação foi estruturado pela XP com base em títulos da Movida emitidos no exterior, com uma rentabilidade esperada próxima de 19% ao ano e um prazo de vencimento até 2029.
A remuneração, no entanto, era semelhante à oferecida por uma debênture simples da Movida no mercado secundário, com a diferença de ter mais liquidez que os COEs, com a possibilidade de realizar a venda antecipada e até mesmo conseguir um ágio em caso de fechamento de spreads.
São ainda mais populares os COEs atrelados à renda variável. Um exemplo é o distribuído recentemente pelo Íon, plataforma do Itaú Unibanco, que tem como base índice americano Nasdaq. Com prazo de 5 anos, o instrumento promete que o investidor receberá no vencimento o rendimento máximo do índice dentro desse período.
Se o Nasdaq tiver uma variação máxima de 50%, portanto, o retorno seria equivalente a 8,5% ao ano no fim desses 5 anos. Mas, como nos COEs de renda fixa, quem precisa resgatar antes do prazo encontra dificuldades no mercado secundário.
“Geralmente é a própria corretora que vendeu o COE que faz esse resgate, mas com deságios de 20% a 50%. Nunca menos que isso. Então, o investidor precisa ficar com o dinheiro travado até o vencimento, que pode ser de até cinco anos", diz João Ferreira, sócio da One Investimentos.
Mudança de jogo?
Apesar da exuberância de COEs no mercado, a expectativa é de que o produto passe por uma desaceleração. Um dos catalizadores apontados é a resolução 179 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que exige maior transparência sobre os rebates pagos a assessorias de investimento.
De acordo com apuração do NeoFeed, as taxas nesse mercado giram em torno de 5% a 10% sobre o valor investido para as corretoras, podendo variar entre 3% a 8% para os assessores. “O COE remunera muito mais o assessor do que o cliente. A regra geral é essa. Por isso, os assessores insistem tanto na venda”, diz Ferreira.
A norma, que entrou em vigor em novembro do ano passado, determina que bancos e corretoras divulguem extratos com os valores repassados aos intermediários na comercialização desses produtos.
Os primeiros extratos foram emitidos em janeiro, referentes aos meses de novembro e dezembro e, em 2025, passam a ser trimestrais, com publicação em até 40 dias após o fim do trimestre.
“A transparência exigida pela CVM 179 deve dificultar ainda mais a venda de COEs, especialmente para assessores e corretoras que lucravam com altas comissões. No entanto, nem todos os investidores vão perceber isso de imediato, já que muitos não costumam analisar extratos detalhadamente”, afirma Frederico Nobre, gestor da Warren Investimentos.
Nobre, porém, não culpa os COEs, mas a forma como são comercializados. Esse tipo operações estruturadas com derivativos é muito utilizada pelos investidores institucionais para diversificar a estratégia. Mas, para a pessoa física, esse modelo não faz sentido.
"As estruturas são complexas, muitas vezes atreladas ao mercado de derivativos, o que aumenta os riscos e dificulta a transparência para o investidor”, diz o especialista.
Segundo ele, o investidor deve optar por investimentos de mais fácil compreensão, em que os riscos estejam claros e os custos compensem.
Há também o movimento de mais assessorias de investimentos migrando do tradicional comissionamento para o modelo fee based, no qual a remuneração dos assessores é baseada em uma taxa fixa ou percentual sobre o patrimônio do cliente, gerando maior alinhamento de interesses.
Para Ferreira, essa mudança de perfil nas assessorias pode ser um ponto de inflexão para o negócio de COEs no país, por entender que ele só faz sentido para aquelas que operam no modelo de rebate – que, segundo ele, deve perder força com o avanço da transparência no mercado.
“Nós recebemos em cima de um percentual do valor que gerimos do cliente. Meu objetivo é que o dinheiro dele aumente para ganharmos mais. Então, não vou oferecer COE”, afirma o sócio da sócio da One Investimentos.
A expectativa do mercado é que a resolução 179 dê luz aos rebates, uma forma de desincentivar os COEs. No entanto, a apresentação dos números vai fazer toda a diferença na tomada de decisão do cliente.
"Se a comissão estiver em letras miúdas, não sei se vai impactar muito. Se for mais direto, talvez o cliente vá começar a questionar mais”, disse um assessor de investimentos crítico ao modelo.