Nova York - Nos últimos anos, os Estados Unidos funcionaram como um “buraco negro financeiro”, atraindo a liquidez global para o seu mercado acionário impulsionado pela inteligência artificial e para seus títulos públicos, que voltaram a oferecer juros reais positivos.
Mas esse magnetismo começa a perder força. Com a inflação persistente, a dívida pública crescente e uma volatilidade inédita, investidores globais passaram a questionar o peso exagerado da exposição americana em seus portfólios.
Para Pramol Dhawan, managing director e chefe de mercados emergentes da Pimco, uma das maiores gestoras de ativos do mundo, com mais de US$ 2 trilhões sob gestão, o movimento é inevitável.
“Não tem como não estar na tese de IA e em ações americanas, mas há muitos motivos para buscar renda fixa fora dos EUA. E, para nós, mercados emergentes são a melhor diversificação”, afirma Dhawan.
Segundo ele, a Pimco tem hoje uma de suas maiores convicções em bonds de emergentes, apoiada em três fatores principais: desvalorização estrutural das moedas fiduciárias, como o dólar; subalocação histórica de investidores nesses mercados; resiliência estrutural das economias emergentes, que desta vez não dependem do ciclo das commodities.
“Desta vez, não é um fenômeno cíclico como no começo dos anos 2000. É uma resiliência apoiada em balanços sólidos, ativos de qualidade e necessidade real de diversificação”, diz ele.
Confira, a seguir, os principais destaques da conversa de Dhawan com jornalistas na sede da gestora em Nova York.
Prêmio de risco
Dhawan destaca uma assimetria nos prêmios de risco: os países desenvolvidos, tradicionalmente vistos como mais seguros, são hoje os que exibem os quadros fiscais mais frágeis — enquanto emergentes mostram políticas monetárias mais responsáveis e bancos centrais com credibilidade reforçada.
“Os emergentes começaram o aperto monetário antes e agora já têm inflação pré-Covid. Hoje, os cinco países com piores problemas fiscais são todos desenvolvidos: França, Reino Unido, Bélgica, Japão e EUA.”
A inversão também aparece nos ratings de crédito. 2024 foi um ano recorde de upgrades entre emergentes, tendência que deve continuar em 2025, enquanto os desenvolvidos caminham na direção oposta. O resultado está nos spreads de crédito. Enquanto nos países ricos é quase zero, os retornos reais vão de 3% a 8% ao ano nos emergentes.
Fim do dólar como porto seguro
Outro sinal dessa mudança está no comportamento do câmbio. O atual ciclo do dólar, que dura de 10 anos a 15 anos, entrou em fase de depreciação — e, pela primeira vez, a moeda americana deixou de se valorizar nos momentos de estresse.
“No ‘Liberation Day’ de abril, as bolsas caíram, os treasuries abriram e o dólar também caiu. Isso mostra que o dólar já não protege quando os EUA são o epicentro do problema”, diz Dhawan.
Segundo ele, os modelos da Pimco indicam que o dólar está 15% sobrevalorizado, enquanto moedas de países asiáticos como Japão, China, Coreia e Taiwan estão subvalorizadas entre 25% e 50%. “Se o investidor quer diversificação real, há três ativos naturais: ouro, cripto e moedas locais de emergentes.”
Mundo multipolar
Na avaliação da gestora, o mundo caminha para uma nova ordem multipolar, em que os EUA deixam de ser a única força dominante. “Não se trata de ‘vender a América’, mas de escolher onde estar nela. Ignorar a rentabilidade da renda fixa emergente não é mais uma opção”, afirma Dhawan.
Por ora, os investidores institucionais ainda estão apenas começando essa discussão. A Pimco acredita que o fluxo relevante deve começar em 2025, quando fundos de pensão e grandes investidores ajustarem suas políticas de investimento.
“Hoje, emergentes representam só 3% dos portfólios globais. Todos estão extremamente subalocados. Só voltar ao neutro já seria um grande fluxo. Temos 20% a 30% dos portfólios em risco de emergentes, o maior nível dos últimos dez anos. Esperamos um grande ano em 2026”, diz o MD da Pimco.
Brasil volta ao radar
Dentro desse universo, o Brasil está entre os cinco mercados preferidos da gestora. A combinação é atraente: baixo risco externo, reservas elevadas, carrego real alto e ativos descontados. O único ponto de atenção é o fiscal - embora, para Dhawan, o problema é mais simples de resolver do que nos países desenvolvidos. “A dívida brasileira é interna, sem risco cambial. Uma sinalização mínima de ajuste fiscal já reduz juros e acomoda a trajetória da dívida.”
Ele vê potencial de valorização do real frente ao dólar e prefere ativos nominais — com juros de até 15% ao ano, o Brasil é um dos melhores cases de carry trade do mundo. Dhawan também aponta o avanço da desdolarização comercial como tendência que pode fortalecer ainda mais a moeda brasileira.
“No mundo multipolar, países negociarão mais em suas próprias moedas. A China, maior parceiro comercial do Brasil, pode vir a ter dívida local em real — o que daria suporte adicional à moeda.”
O ponto sensível segue sendo a volatilidade, fruto da liquidez do mercado brasileiro, que atrai investidores de curto prazo. “O Brasil está entre os três a cinco melhores destinos. A moeda está barata por qualquer métrica, a bolsa está deprimida. Dá para comprar dívida local sem hedge e ficar bem”, diz Dhawan.