Em um movimento que era esperado pelo mercado, a proposta de fechar o capital da Cielo por Bradesco e Banco do Brasil, que controlam a empresa, pode enfrentar resistência por conta de um fator: o preço.
Bradesco e Banco do Brasil estão oferecendo pagar R$ 5,35 por ação, um prêmio de 6% em relação ao preço de tela. Se avançar, o BB ficaria com 49,99% do capital da Cielo. E o Bradesco com o restante.
Diversos relatórios que analisaram a Oferta Pública de Aquisição (OPA) de ações da Cielo, que foi anunciada na noite de segunda-feira, 5 de fevereiro, consideraram o prêmio que Bradesco e Banco do Brasil querem pagar baixo. Em seis meses, a ação subiu 20%, mas em uma análise de tempo maior, cai 50% em cinco anos.
De acordo com o J.P. Morgan, os investidores minoritários provavelmente exigirão um preço mais alto, ainda que reconheçam o valor de aquisição de serviços bancários integrados. De acordo com o banco de investimento, o preço apresenta “modesto prêmio de 6%”, em relação ao fechamento do papel na sessão de ontem, em R$ 5,03.
O Goldman Sachs fez também ressalvas sobre o prêmio em seu relatório. “Para referência, quando o Itaú fechou o capital da Redecard, pagou um prêmio de 10% por suas ações”, escreveram os analistas.
O preço oferecido de R$ 5,35 por ação implicaria um múltiplo de 7,6 vezes o lucro por ação estimado para 2024, enquanto a média histórica da Cielo é de 15,3 vezes, de acordo com o Goldman Sachs.
Em um sinal do que pode vir pela frente, o sócio da Encore, que tem posição na Cielo, publicou um tuíte em que questiona o preço oferecido por Bradesco e Banco do Brasil.
“Esse preço oferecido pelos controladores na OPA de Cielo não faz o menor sentido sob qualquer ótica”, escreveu João Luiz Braga. “Comparando os múltiplos com outras de pagamentos, fica claro o desconto sendo que ainda tem a Cateno, um business que merece prêmio, dentro.”
De acordo com J.P. Morgan, não está claro se já há um acordo entre os bancos controladores sobre uma eventual reorganização da estrutura Cateno/Cielo Brasil.
“Acreditamos que a participação da Cielo na Cateno sozinha valeria cerca de R$ 3,50 por ação a um múltiplo de cerca de 8 vezes o P/L (preço sobre lucro)”, escreveram os analistas do J.P. Morgan.
A Cateno é considerada uma das joias da coroa da Cielo, que detém 70% da empresa – o BB tem os outros 30%. A empresa é responsável pelas atividades de gestão tecnológica das contas de pagamento pós-pagas, funcionalidade de compra via débito e processamento das milhares de transações dos cartões de crédito do arranjo Ourocard.
Questionado sobre a possibilidade de separação das duas empresas, o presidente de Cielo, Estanislau Bassols, disse, em conferência com analistas, que há pouca integração entre as duas empresa, o que poderia facilitar a separação. Ele não comentou a OPA, alegando que as informações estão disponíveis em fatos relevantes.
Em 2023, a Cateno apresentou um lucro líquido de R$ 1,1 bilhão, o maior de sua história, com um lucro recorrente de R$ 816 milhões (70%), um crescimento de 15% em comparação com o mesmo período do ano passado.
Se pode sofrer resistência dos acionistas minoritários (2/3 deles precisam aprovar a OPA para que o fechamento de capital ocorra), os relatórios deixam claros que veem vantagens no modelo, o que deve dificultar a vida dos competidores.
O BTG Pactual, por exemplo, escreveu que a operação “faz muito sentido” para os bancos controladores, especialmente para o Bradesco, que passa por mudanças mais significativas. E lembrou que Marcelo Noronha, o novo CEO do Bradesco, já foi do conselho de administração da Cielo.
“Acreditamos que o Bradesco deve focar fortemente no segmento de pequenas e médias empresas para sua recuperação, à medida que continuamos a ver alto potencial de crescimento e margens”, escreveram os analistas.
Em outro relatório, o BTG Pactual fez uma análise do mercado de pagamento e trouxe dados de participação de mercado. A Rede, do Itaú, lidera em volume de transações, com uma fatia de 22,9% no quarto trimestre de 2023.
Em seguida vem a Cielo, com 21,5%, uma queda de mais de três pontos percentuais. GetNet, do Santander, com 14,5%; Stone, com 11,1%; e PagBank, com 10,9%, completam a lista.
“Devemos acompanhar de perto o desenvolvimento deste evento para avaliar se há alguma implicação de (potencial) aumento da concorrência, visto que a Cielo pode fazer a transição para um 'produto' e deixar de focar no ROE (semelhante ao cenário da Rede, quando o Itaú a fechou do capital em 2012). Isso pode ser potencialmente negativo Stone e PagBank”, escreveram os analistas do BTG.
As ações da Cielo, por volta das 12h45, subiam 3,7%, negociadas a R$ 5,22. No ano, avançam quase 15%. O valor de mercado da empresa é de R$ 14 bilhões.