Poucas empresas surfaram a onda da guerra das maquininhas como a PagSeguro, empresa do grupo UOL que descobriu um filão inexplorado, o de pequenos comerciantes que ficavam à margem do sistema financeiro. Foi assim que a companhia chegou a valer US$ 21 bilhões na Bolsa de Nova York, em 2021.
Mas o tempo de vacas gordas passaram, a guerra de maquininhas ficou no passado e o setor de pagamento mergulhou em uma crise que afetou praticamente todas as companhias da área – hoje, a empresa vale “apenas” US$ 3 bilhões. Era preciso ir além. E, ao mudar de nome para PagBank, em maio deste ano, a antiga PagSeguro não deu margem de dúvida sobre qual era o seu caminho.
Essa transição para aumentar o seu lado banco, no entanto, não é fácil. A vertical de pagamento ainda é, de longe, a “cash cow” do PagBank. Da receita de R$ 3,82 bilhões do segundo trimestre deste ano, ela representou mais de 93% do resultado. Os serviços financeiros somaram R$ 243 milhões.
Mas o PagBank está se preparando para aumentar o seu lado banco. E uma área vai ganhar cada vez mais relevância: a de crédito. E, nesse espaço, a companhia se prepara para avançar em uma aposta arriscada: o de crédito sem garantia, cujos riscos dos empréstimos são maiores, bem como os ganhos
“Estamos desenvolvendo modelos de risco para que a gente possa voltar a originar crédito sem garantia”, diz Alexandre Magnani, CEO do PagBank, em entrevista ao NeoFeed. “Há muita demanda.”
O PagBank não revela detalhes do plano de expansão desta linha de crédito. Magnani diz que os novos produtos serão colocados na rua “nos próximos trimestres de forma bem gradual” e “enquanto se desenvolvem os aparatos tecnológicos de gestão de risco”.
Para justificar a estratégia de empréstimos sem garantia, o executivo explica que a companhia passou por um ciclo de ajustes da operação com a remodelagem de processos e as políticas de risco para reduzir as perdas. No segundo trimestre de 2023, as perdas da operação neste sentido somaram R$ 122 milhões, queda de 55% ante o mesmo período do ano passado.
Atualmente, a carteira de crédito do PagBank é de R$ 2,6 bilhões, 15% maior do que há um ano. São três tipos de crédito oferecido: capital de giro, cartão de crédito e consignado. E, deste total, 52% têm alguma espécie de garantia. Por que, então o PagBank vai se aventurar por uma área cujo risco de calote é maior – hoje, a empresa provisiona quase R$ 900 milhões para essas perdas?
A resposta pode estar em um relatório do BTG Pactual que diz que “se o banco continuar a se concentrar principalmente em empréstimos garantidos, o seu potencial de ROE também pode ser limitado". O ROE, um dos principais indicadores de um banco, já esteve em 17,55%. Hoje, é de 11,65%
Por trás deste plano do PagBank está também uma estratégia de integração de negócios. No total, são 6,2 milhões de varejistas que usam a sua maquininha e 10,2 milhões de correntistas de seu banco, que tem mais de R$ 18 bilhões em depósitos.
Os varejistas que utilizam a maquininha do PagBank, por exemplo, recebem o dinheiro em D+0 na conta e com a opção de aplicar em CDB de liquidez diária e rendimento de 106% do CDI. Essa aplicação serve para estipular o limite do cartão de crédito, mas também fornece todo o histórico financeiro do cliente, o que ajuda a reduzir o risco na hora do empréstimo.
O público-alvo da empresa é formado profissionais autônomos e microempreendedores individuais. “Em geral, este é um público de baixa renda e que estamos desenvolvendo soluções para a simplificar a vida deles”, diz Magnani. Outra seara de clientes está nos PJs de pequeno e médio porte.
“A grande força do PagBank está no cliente pequeno por causa da oferta combinada”, diz Edson Santos, fundador da Colink Business Consulting, consultoria especializada em fintechs e meios de pagamento. “O desafio é tentar subir nesta pirâmide. Uma coisa é atender um cliente que vende R$ 500, outra é atender quem comercializa R$ 10 mil.”
Ao menos no curto prazo, o PagBank não vai perder muito tempo estruturando produtos para atender clientes de grande porte e vai focar em seu público-alvo. “Existe uma concorrência maior (nas grandes empresas) e as margens são muito baixas”, diz Magnani. “A proposta de valor que temos é mais integrada e completa para o micro, pequeno e médio.”
Ao remar na direção dos serviços financeiros, o PagBank tenta se armar para uma competição mais acirrada contra empresas como SumUp, Cielo, Stone, que também tentam emplacar seus serviços financeiros, em uma estratégia para ir além das maquininhas.
Mas a competição passa a ser além desse universo, no qual o PagBank está acostumado a brigar, enfrentando fintechs que atuam tanto com crédito com ou sem garantia. Exemplos são Creditas ou a OpenCo, fruto da união de Geru e Rebel. Mas também gigantes como o Mercado Livre, que atua com o Mercado Pago.
Esse caminho para fortalecer os serviços bancários não está ainda totalmente "comprado" pelo mercado. “A mudança de nome para PagBank sugere que a maior parte de seu valor virá dessa área, mas isso não foi totalmente compreendido”, diz um relatório do BTG Pactual, que avaliava os resultados do segundo trimestre, sugerindo não ver quais são as vantagens competitivas do PagBank versus fintechs e incumbentes.
O Itaú BBA, por sua vez, citou que que os tetos para a tarifa de intercâmbio de operações de cartões pré-pagos e de cartões de débito, uma medida implantada pelo Banco Central, afetou a vertical de bancos do PagSeguro, que reportou Ebitda negativo de R$ 700 mil no segundo trimestre.
Não bastasse as dificuldades naturais de navegar por uma área cheia de competidores, o PagBank tem de lidar com a queda de seu principal negócio. Em relatórios, Itaú BBA e Bradesco BBI destacaram como fatos negativos a compressão do take rate, que caiu para 2,53%, e a desaceleração do volume total de pagamentos (TPV), que diminuiu 4% no período, para R$ 92,7 bilhões.
Para Magnani, essa queda é justificada pela empresa ter adotado um ciclo de rentabilidade em detrimento do crescimento nos últimos meses. “Ao ser mais rigoroso nas políticas de risco, houve um impacto na entrada de novos clientes. Em compensação, reduzimos as perdas”, afirma “Agora, vamos colher os frutos.”
No segundo trimestre, o lucro líquido ajustado foi de R$ 415 milhões. As ações da companhia sobem mais de 14% na Bolsa de Valores de Nova York, em 2023. Mas caem mais de 80% desde o pico, em fevereiro de 2021.